Um ano em Pereirópolis XXV - "Menê"

Ermenegilda de Castro da Conceição foi a mulher mais bonita nascida na Vila da Pereira. Quando tinha seus quinze, dezesseis anos, muitos rapazes, filhos de estancieiros de tudo quanto é lugar, vinham para cá para fazer-lhe a corte, oferecer mundos e fundos. O pai, Coronel Tibúrcio de Castro, era muito exigente, e sabia o quanto valia a preciosidade que tinha em casa. Então, quando aparecia um filho de fazendeiro rico, pensava que o próximo podia ser ainda mais. Tudo em nome do bem-estar de sua princesa. A Ermenegilda, longe de se incomodar com as exigências do pai, ficava muito feliz de ter seu casamento adiado indefinidamente. Na verdade, a Menê era apaixonada por um padeiro, Vercidino, que não tinha nem de perto os predicativos requeridos pelo Coronel Tibúrcio: era órfão de pai e mãe, negro, pobre e analfabeto. E foi por esse último predicativo que Vercidino e a Menê se aproximaram.

Naquele tempo, eram poucas as pessoas que tinham instrução. A Menê estava se preparando para cursar o normal no colégio das freiras em Cruz Alta. Com o pretexto de exercitar o ofício de professora, pediu ao pai para iniciar alfabetizando algumas pessoas dali da vila mesmo. Entre os alunos, deu o nome do Vercidino. Sem prestar atenção ao risco que estava correndo, o Coronel aceitou de muito bom grado, arrumando inclusive uma salinha para Menê dar suas aulas.

O padeiro, não sabendo como agradar à professorinha - e deslumbrado com a beleza dela - trazia para a família os pães fresquinhos feitos por ele mesmo, e para a 'fessora, um doce da confeitaria. Sem ter pai, nem mãe, nem maiores gastos consigo, Vercidino empenhava o salário com o patrão, levando agrados ao Coronel e à Menê.

Em questão de um ano, as visitas dos herdeiros de estância foram diminuindo até cessar de vez. Coronel Tibúrcio ficou satisfeito - porque, enfim, admitiu que não queria ficar longe de sua única filha. O Vercidino aprendeu a ler e a fazer cálculos tão rápido e tão bem que acabou concluindo os estudos e virou guarda-livros de vários comerciantes da Vila. A Menê continuou muito bonita, mas com tantos agrados diários vindos da confeitaria, já estava para uma moça gorda quando casou com o Vercidino sem nunca sair da propriedade do Coronel, e uma jovem senhora bastante gorda quando tiveram o primeiro filho, Venceslau de Castro da Conceição.

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"Tá! E daí?" você se pergunta. Eu explico:

Há uns três anos apareceu aqui em casa uma gatinha amarela, ainda filhote, magra de dar dó. A pobrezinha era tão magra, mas tão magra, que a gente achava que ela ia morrer logo.

A mãe não queria que eu ficasse com ela. Eu era alérgica, e me empelotava toda por causa do pelo dos gatos, ou onde tivesse muito pó, ou na primavera, ou quando comia chocolate, ou quando ficava nervosa. Então, o Vô Horácio adotou a bichana e batizou-a: Menê.

E me contou a história da Ermenegilda, essa que eu acabei de contar.

Hoje, a gata Menê é lindíssima, sedosa, macia, cheirosa, fofa, atrai todos os olhares das pessoas e dos gatos assanhados. E é rolicinha, rolicinha. A gata mais linda e mais gorda de Pereirópolis.

F.R.M.