Uma Sombra na Alma

UMA SOMBRA NA ALMA

No intuito de receber uma melhor educação Paulo deu por ver-se numa outra aula. Diz para sim mesmo que mesmo não estiver no local adequado, com a mestra adequada, poderia ele imaginar estar a viver um episodio reservado para os de mais valia, os de mais recursos e estímulos, com capacidade necessária para vencer a adversidade. Sonha Paulo e sonhar, sonhar, sonhar é muito barato.

Tal vez o chegar à escola tem já de por si heróis completos, anônimos, indiferentes para a grande massa que acredita eles também heróis sejam dentro do seu ego imenso. Mas no bairro onde mora o Paulo não é de estranhar alguma de estas coisas ser certas: gente atirada no chão, línguas que não se compreendem, mais gente a ponto de cair ao chão, corações que sobre si se fecham... E uma prostituta: sua irmã tomando conta de um elixir que agora escasseia e a gente se volve louca pois procura evasões a inversa, e alivia ainda que não pareça. De quando em quando chama com ele a morte, porque nos frente a frente nunca nos atrevemos: a falar com ela.

Começa Paulo a caminhar sobre as 7 da manha, depois se digere rápido o almoço com o medo correndo por fora, por dentro; se calhar almoçar fosse devido esse dia, a essa hora, onde a luz a dor amortece e começa a sua luta pelas trevas desterrar do reino dos céus que é brilhante, pois nem sempre é possível: uma cousa, a outra.

Afasta Paulo uma rua, afasta outra entre as sobras, então de quando em quando um zunir ao longe, um zumbido perto, e Paulo procura um barraco, um buraco enquanto o som se acercar violentamente decidindo passar e passar em procura de outros seres.... Nenhum pergunta e pela tarde de volta da escola sabe-se que alguém vai sofrer a perda de um ser querido, de uma alma gêmea, que simplesmente ira esquecer porque precisam seguir sofrendo outras dores em este mundo.

Será Arnoldo que soe dizer como as coisas aconteceram, pois seu irmão Raul chefia uma banda de importantes delinqüentes. Não é certo, mas da para o animo empurrar, viver em um desejo de ter uma importância o a menos de importar-se um consigo mesmo. Empunhar, pois armas ao vento, desafiar, pois as normas estabelecidas pela adulta gente, ganhar muito perdendo tudo: e lindas mulheres, e carros mais grandes e belos e ruas que por ti se abrem, sentir-te admirado, ser de algo o centro... Como, não sei? Mas da para isso quando menos.

Diz o Arnoldo:

-“... mataram o Bicho, foi à malta do Cabrão, ele e mais o Vinilo Velho... usaram automáticas, diz que sim!...”

- repique de tambores... ta-ta-ta-tarrr.... eu fugindo pelo meio, duas balas passaram por cima da minha cabeça!, foi incrível, eu a brincar por cima das paredes, voando pelo...

- meu irmão diz que as coisas vão-se por muito serias...

- muito serias, pois

- sim! Ele estava a vigiar com seus homens, todos formados, a espera das suas ordens... mas os malandros não passaram os limites estabelecidos, os da fronteira não é!

- então estamos em guerra

-mesmo!, mas meu irmão encarregou munição ao estrangeiro, pa!, vais tu ver que armas veio do outro continente, diz que do país dos gelos...

- ... e tu, não tens medo?

- medo!... ele vai fritar a todos esses putos de merda!

Diz Arnoldo coisas de este jeito, e outras muitas outras que Paulo escuta, riem, e rir faz tanto bem a alma, que a manha a seguir Paulo uma vereda inventa, armado de incríveis poderes, sorteia as balas, salta por cima das grandes fazendas, liberta a mulher dos sonhos das garras de um homem perverso.

Adentra-se na noite no imenso castelo, onde o malandro tem sua fortaleça, justo ao raiar da alva tem em seus braços a linda moça cor amêndoa, cabelo preto, sorriso belo pero tão belo que ele nos seus beijos adormece.

Acorda no médio com a mestra a gritar, gritar e gritar como sempre para ele. Acorda rodado com meninos a troçar, troçar e troçar-se inconscientes; e em conseqüência ele por dentro emagrece. Acorda no médio com tudo a girar, e não percebe, não percebe que a gravidade contra ele vai colidir e essa inércia o repele, ate o canto mais extremo do universo.

De este jeito fica para sempre excluído. Sem remédio.

Paulo não vê, mas presente o muro. A saída da escola caminha baixo, olhar no empedrado, e o empedrado nunca perfeito: uma lacuna que se converte em poça, uma poça resseca de areia. Ele não vai atento, lentamente avança e com ele a sua lacuna se seca.

Escuta ao longe um tambor, agora mais perto; mas ele que escuta não se importa com que aconteça, desejaria agora cair, ser atingido ao menos pelos medo, fugir, procurar um refugio, uma fenda no muro aberta, e deitar-se adormecido no médio da cor vermelha.

O tambor deixa de zunir, Paulo sacode por raiva seu cérebro. Se nega a pensar, se nega a chorar: ele é um guerreiro!

- puta!...

Com um grande pontapé barre da frente a angustia que o preme, com ela voa pelo ar um pedaço de amor e uma pequena pedra que batuca na parede onde escrevem os que penam: “... Tudo esta cheio de Merda”.

Paulo mal olha o chão, a mirada se perde no degrau primeiro, abre a porta, olha para sua mãe, ao longe fica a pintura na parede.

Como sempre dele sua mãe não tem tempo, esta tão atarefada, que apenas lhe sorri de esguelha.

- tudo bem?

- optimo, mãe.

- na escola, esta contente contigo a mestra?

-muito contente!

Então um beijo, uma festinha no cabelo. O corpo da mãe que cheira a água fresca, flor universal, e ao mesmo tempo sabe como a deserto. Ela sorri, ele sorri enquanto na sombra se adentra, com ela se adensa, sucumbe no escuro e do mundo se perde.