Um ano em Pereirópolis XXVII - "A Antropologia do Posto de Gasolina"

A vídeo dos meus "vôs" (o Vô Horácio, que é meu avô mesmo, o Tio Ernesto e o Tio Figueira, que não são meus tios, mas são da família) fica na Avenida Sete de Setembro, no centro. Do outro lado da rua tem um posto de combustíveis. Todo mundo sabe que, em cidades do interior, como não há muitos lugares aonde ir, os jovens escolhem um lugar para ser o Bobódromo oficial, como meus "vôs" chamam. Não tenho uma estatística para isso, mas até onde eu sei, de nove entre dez cidades do interior gaúcho, os bobódromos são nos postos.

Eu não gostava muito da agitação, nem do barulho de muita gente reunida. Mas, depois que comecei a trabalhar na locadora, comecei a observar esse fenômeno antropológico que é o bobódromo. E comecei a ficar interessada.

Nesse lugar, não é necessário pagar para entrar. Há vários núcleos, em geral, ao redor de um ou mais carros. Em geral, o fator de união entre os integrantes desses núcleos são a bebida, a música e a afinidade entre as pessoas. Às vezes, uns núcleos são atraídos pelos outros; o mais comum é que grupos de meninas, que vão até o bobódromo com esse objetivo, atraem-se por grupos de rapazes que estão próximos de um veículo, onde há algum tipo de bebida alcoólica passando de mão em mão, ou então, cada um com um copo ou uma latinha.

Outro fator é o som. Diferentemente de um bar, ou uma boate, ou um show, cada carro funciona tecnicamente como uma caixa de som, e cada uma ouvindo uma música diferente. E, como a tecnologia para essa finalidade têm progredido bastante, o equipamento de som dos carros é muito potente.

Assim, para quem está a alguma distância, o bobódromo pode ser visto como uma massa humana, veicular e sonora que beira o caos. Ou, no mínimo, uma grande confusão. Mas para quem está ali no meio, não é necessariamente assim. "Ir no posto" é um evento social, como qualquer outro. Os jovens (alguns muito jovens pro meu gosto...) vão até lá, encontram-se com seus amigos, conhecem outros, e a vida segue. Ninguém faz nada de errado, nem de condenável. Ou melhor, às vezes até acontece alguma confusão, mas não seria diferente em outro lugar.

Com essa nova "Lei Seca", as coisas mudaram um pouco. Para falar bem a verdade, eu tenho notado que no bobódromo - e em outros lugares também - as pessoas têm sido mais responsáveis quanto à bebida. Desde que entrou em vigor, contei pelo menos 15% menos brigas e 23% menos acidentes de carro com os "bobos" que no mesmo período no ano passado (sim, para isso eu tenho estatística, já que a locadora é bem na frente do posto, e sempre que sai uma briga meu avô anota num caderninho...).

Eu não curtia - já falei isso - ir até o posto. Mas, ano passado, toda sexta-feira, o dono da loja de conveniências promove um show com uma das bandas daqui, já que Pereirópolis é o lugar com mais bandas de garagem por quilômetro quadrado do planeta (talvez perca para Seattle...). Foi por causa desses shows que eu virei uma assídua frequentadora do Bobódromo Oficial. Pelo menos, nas noites de sexta. Praticamente todos os meus amigos tocam em bandas ou têm um irmão ou outro amigo que toca. É uma rede de músicos e tiétes. Um fenômeno antropológico dentro de outro. Essa sexta, por exemplo, quem tocou foi a Fenrir, a banda onde o Eninho toca baixo. Até eu já toquei com eles, mas não tenho muita "presença de palco". Bom, mas isso já outro caso.

F.R.M