Gosto não se discute

Cedo ou tarde isso ainda iria acontecer. E foi justamente com Nelson Fernandes, o grande ator do atual cinema brasileiro, que não sabia onde estava entrando e com quem teria que se deparar: Juvenal Feitosa, o dono de bar mais pedante da esquina. Nelson gravava para um filme novo que com certeza será mais um sucesso e entrou no bar para matar sua sede.

— Me vê um suco de amora, por favor.

— Dá pra pedir outro suco, se não for pedir demais.

— Como assim, eu quero de amora, por acaso não tem.

— No meu bar não falta fruta, é que esse sabor eu não gosto, e acredito que mais ninguém goste.

— E eu não conta?

— Nunca te vi aqui antes.

— Você está falando com Nelson Fernandes, já atuei em diversos filmes do cinema nacional e agora me vê um suco de amora não muito adoçado e nem muito amargo, na medida.

— Já falei que não gosto desse sabor.

— Eu quem tem que gostar e não você! – disse já sem impaciência.

— Mas o bar é meu.

— Assim que funciona então. Pois então, eu quero uma cerveja.

— Você está em horário de trabalho, depois aparece bêbado em cena e vão por a culpa no meu bar.

Neste momento entra um cliente cativo do bar.

— Fala Juvenal, me vê um pão no chapa do jeito que você gosta.

— Ah! Mas hoje não estou afim de pão na chapa, fico te devendo.

— Pelo visto ninguém te agrada aqui – interveio Nelson.

— Tenho gosto apurado, não vendo qualquer coisa.

— E do que você gosta?

— Suco de pistache cultivado no noroeste da Mongólia, sanduíche com hambúrguer de avestruz feito numa chapa fabricada nas Ilhas Salomão, café do sul da Hungria, essas coisas que se encontram em qualquer lugar.

— Então me vê esse suco de pistache da Mongólia, se é que a Mongólia produz pistache, de qualquer modo, quero esse suco já, logo volto a gravar.

— Seja mais original, tenha seu próprio gosto!

Neste momento entra uma moça muito bonita que pede:

— Quero uma água mineral.

— Pra você eu não tenho.

— Então o que você tem?

— Cachaça vencida, serve?

A moça vira as costas e vai embora.

— Nem a moça você atende, por acaso não gosta de mulher?

— Gosto e muito, mas essa ai tem dois centímetros e meio a menos de quadril do que estou acostumado a gostar, e o fígado dela é grande, o intestino curto.

— Você é doente! Como seu bar ainda não faliu?

— Não é da sua conta, eu gosto dele assim.

— Só falta dizer que você torce pro Centenário e apóia esse prefeito ridículo.

— O prefeito é meu cliente preferencial e o Centenário será campeão este ano e você está expulso deste bar, te declaro persona non grata.

O aclamado ator saiu do bar e sugeriu ao diretor que fizessem uma cena do dentro do bar, só para ver a reação do dono. E obviamente que ele negou alegando o seguinte:

— Como ousam quererem gravar dentro do meu bar com esse tipo de filme, só aceito o filme produzido pelos detentos da Penitenciária Federal do Quirguistão, e não me venham com o filme dos caras da Penitenciária do Turcomenistão, são coisas bem diferentes e sumam daqui!!!! Vocês têm um péssimo gosto, nunca vi igual.

Depois do ocorrido, o bar do Juvenal passou a ser freqüentado apenas pelo prefeito e pelo ex-presidente do clube Centenário, os quais sempre pediam a mesa emprestada para jogar truco, mas não podia virar o valete, essa era a única exigência feita pelo Juvenal que não ia com a cara do valete e quando ele saia o jogo tinha que recomeçar.

23/09/08

Miguel Rodrigues
Enviado por Miguel Rodrigues em 23/09/2008
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