O Significado Oculto dos Nomes

 

            Eram dois jovens cheios de hormônios que uma química invisível estimulara a se encontrarem com apenas um olhar. Brotaram risinhos e piscadelas em meio à massa de inúmeros outros receptáculos hormonais que pululavam em meio ao recreio escolar. A atração física estava no ar e, embora não fosse disciplina obrigatória naquele colégio secundário de elite, era quesito natural entre os corpulentos garanhões e promissoras donzelas.

            Não trocaram palavras e, durante dois ou três dias, lançaram nítidos sinais mútuos de crescente afeto.

            - Cara, a cintura dela é fininha e os quadris são largos, parece uma abelhinha – confidenciava ao amigo, testemunha integral do flerte. Ela é baixinha, mas tem olhos verdes, pele bronzeada e um cabelo liso bem cuidado. E os peitos? Que peitos – riam dos comentários.

            Ao fim de um recreio a jovem aproximou-se dele. Corações palpitando. O calor dos seus corpos podia incendiar a palha seca dos campos áridos da região.

            - Tem um lance no fim-de-semana – disse ela. Fale comigo no final da aula – e saiu correndo ao som do sino de entrada juntando-se a outras duas amigas, lançando-lhe um sinal de ¨tchau¨ com discrição.

            O amigo bateu-lhe ao ombro:

            - Aí garotão.

            Assim que saíram das salas, tendo o amigo como fiel escudeiro, encontrou a garota ladeada por duas amigas sob frondosa flamboyant. Antes de qualquer coisa ela lançou uma pergunta:

            - Qual é mesmo o seu nome?

            Parecia natural. Não haviam sido apresentados. Pertenciam a séries e níveis diferentes. Que mal poderia um nome portar ou conter? Os nomes são importantes e nos identificam como indivíduos. Carregam uma história, definem e marcam sua origem e, segundo muitos, até o destino que se nos espera. A resposta foi desassombrada:

            - Jurandir...

            A garota mostrou uma face de decepção. Agarrou-se aos livros como se fosse a última tábua do naufrágio. Emitiu olhares para as amigas que corresponderam com um código invisível. Percebi que trocaram pensamentos. Nasceram-lhe trezentos braços que a envolveram e transmudou-se em uma serpente que se enrolou aos nossos olhos. Retraída, deixou que sua boca emitisse palavras não pensadas.

            - Jurandir, mas você não se chama Adriano?

            Não precisou dizer que não gostara do nome. Queria ela, além de um rosto, um nome que combinasse com o mesmo. Não que eu fosse algum Narciso, mas naquela fase da vida possuía certos encantos juvenis. Se soubesse que herdei meu nome composto do meu avô, faria alguma diferença? Ademais, era cercado por significado sendo de natureza indígena. Conta a lenda familiar que Jurandir significa luz que chega, ou luz que desce, e Araguaia é o Rio das Araras Vermelhas. Poeticamente dizíamos que a união dos dois resultaria na Luz que Desce dos Céus no Rio das Araras Vermelhas. Com tal subterfúgio matava os colegas de inveja, visto não haver história por trás da maioria dos nomes. Alguém gostava de Marcelo e o Marcelo nascia. Creio que forças cósmicas que não alcançamos guiam tais escolhas. Mesmo no meu caso, meus pais foram guiados pela mão poderosa do destino vindo a optar por uma escolha que me seria bendita. Meu colega admirou-se e não zombou de mim – era um verdadeiro amigo.

            A garota desviou o olhar e aquilo apontou a imensa distância entre nós na qual podíamos divisar cadeias de montanhas, alguns vales, rios, um ou dois lagos e um grande deserto onde todas as lembranças morriam.

            - Acho que o fim-de-semana não vai rolar – disse eu, matando o constrangimento. Ela encolheu-se ao seu verdadeiro tamanho.

            - Acho que não. – uma das amigas ainda lançou-me um olhar condescendente. Saímos cada qual para o seu lado. O amigo disse que tive sorte e que alguém que julga pelo nome não é lá de grande valia. Aquele episódio me marcou na época, embora continuasse me amando e ao meu nome. Com o passar do tempo esqueci da garota até que o incidente me retornou em um sonho. Tentei lembrar do seu nome e não consegui. Tenho a certeza de que foi enterrado pelas areias e pelos ventos daquele deserto e o que rolou no fim-de-semana talvez me complicasse para sempre, dado ao pequeno juízo e aos ímpetos desenfreados da juventude. Maktub!