Minha Tia, um exemplo de Vida

A família de Miguel provém de um país europeu destroçado pela guerra. Eles imigraram para o Brasil no início da Revolução Russa. Chegaram na nova pátria com muita esperança. Fé em uma nova vida.

Sabiam que Brasil era um país jovem. Queriam trabalhar e praticar sua religião com liberdade, dar boa educação aos filhos. Chegando nas terras brasileiras, vieram para o Paraná, um estado com características européias. Construíram seu lar na cidade de Castro.

O recomeço era modificar seus hábitos, porém preservar suas etnias. No início, a vida era dura com muito trabalho. Dificuldades em relação ao idioma e de novos costumes, aos poucos foram se adaptando. A família era humilde, mas sempre perseverantes.

Miguel era moço jovem, queria mais do que uma nova terra, então resolveu mudar seu destino, partiu para a capital do Paraná. Em nenhum lugar foi fácil, como era de se esperar. Analfabeto, mas disposto a vencer, começou como ajudante de pedreiro, serviço árduo, rapaz dedicado. Pouco tempo depois passou a ser mestre de obras. Estava se adaptando por ser jovem e inteligente. Estava disposto a fazer novas amizades e resolveu ir a uma festa de igreja em São Jose dos Pinhais, região metropolitana de Curitiba, Paraná.

Nessa colônia havia muitos imigrantes de italianos, e lá conhece uma moça bonita, morena de olhos verdes, garota cheia de vida e muito alegre. A amizade e o interesse mútuo foi crescendo, um relacionamento construtivo. Em pouco tempo estavam casados. Com muito esforço e trabalho, construíram seu lar. Iniciava-se a vida a dois, a constituição fundamental da sociedade, uma família.

Seu nome era diferente, e todos a conheciam pelo apelido, Vinda, a qual era uma italianinha decidida, e muito corajosa. Aos poucos convenceu seu esposo Miguel a mudar de profissão. Montaram um pequeno armazém de secos e molhados. O sucesso crescia dia a dia. Seus negócios se expandiam. Sobrando um pouco mais de dinheiro, a decisão então era aumentar a família. Em pouco tempo, nasceu uma bela menina, enchendo o lar de alegria. Mas não parou por aí, meses depois engravidou e nasceu o segundo filho. Um menino forte, robusto, a alegria era total para o casal. Quando o menino estava com dois meses, começou adoecer e teve uma doença chamada Meningite. O problema agravou e a criança teve paralesia cerebral e infelizmente devido as seqüelas da doença ficou paraplégica. A família seguiu em frente e não desanimou.

Vinda, mulher de fibra, cheia de amor com os filhos. Valtinho como ela o chamava, precisava de cuidados especiais. Ela era uma esposa dedicada, ajudava no armazém, fazia comida, lavava roupa, conseguia manter a ordem em casa, nunca desanimava. Não maldizia sobre a falta de sorte. Sempre estava de bom humor, mulher aguerrida, ordeira, todos em sua volta se alegravam com sua presença.

Muito trabalho e sacrifício estavam fixados na vida daquele casal, e nem por isso deixou desejar ser mãe pela terceira vez. Nasceu o segundo garoto forte e saudável. Agora eram três crianças.

Sinceramente não sei como conseguia ser tão organizada e vencedora em seus prazos. Ainda costurava para os vizinhos, cuidava das crianças e atendia o balcão de seu estabelecimento. Todos os seus atos era dinâmicos e com muita habilidade.

Tia Vinda como a chamamos carinhosamente, fazia todas as obrigações, tínhamos a impressão que não se cansava. Porque todos sabiam que Valtinho precisava de cuidados mais do que especiais, alimentação, roupas e uma higiene exemplar. O menino era desenganado pela medicina. Disseram a essa pobre mãe, que seu filho por mais que fosse cuidado em um hospital por todo o tempo, não viveria até os dezoito anos.

Vinda não se intimidava, lutou contra tudo e todos. Quando lembro desse menino, não posso garantir que entendesse o que falávamos a ele, mas posso garantir o vinculo maravilhoso que ele tinha com a mãe. A única palavra que ele emitia com clareza era “MAMA”. Quando ela respondia, o quarto dele virava festa, ele dava uma gargalhada, como soubesse que estava seguro com ela, e que não estava sozinho naquela vida e preso naquele corpo doente. Seu filho era tratado com muito mimo. Até hoje não encontrei uma mãe tão dedicada. Ela fazia de tudo para ver florescer um sorriso no rosto deste menino.

A casa era limpa, cheia de vida. A mãe era caprichosa, muito zelosa, conseguiu dar boa educação aos outros filhos, não deixava as crianças sem assistência, sempre estava aposta a qualquer resolução de problema. Miguel orgulhava-se da esposa, eram felizes.

Eu e minha família morávamos próximo de sua residência. Não me lembro de ouvir ou escutar, tia Vinda reclamar de seu sofrimento. Seu filho Valtinho viveu trinta e quatro anos. Graças aos cuidados maternos, e assim provando aos médicos que o amor incondicional foi o remédio para amenizar as dores do filho e prolongar sua vida.

Vinda uma mulher franzina, conseguia o impossível comparado com as mulheres de hoje. O filho pela idade era adulto, mas pelo seu estado físico e mental era uma pequena criança. Valtinho adoeceu e foi hospitalizado, estava no quarto com todo o tratamento medico possível. Parecia saber que iria deixar a mãe em muito pouco tempo. Estava nos braços de sua mãe, e olhava fixamente para ela, sem poder balbuciar alguma palavra, mas no brilho dos olhos estava se despedindo de sua companheira e amiga, e de repente num leve suspiro, fechou os olhos e morreu.

O desespero tomou conta daquela mãe. Com a cabeça erguida mais uma vez agradeceu a Deus por ter Ele dado a dádiva de ser mãe daquele ser humano tão puro como um anjo. Passaram-se vinte anos, ainda ao contar as histórias, as façanhas de Valtinho, as lágrimas ainda rolam em sua face. A saudade fica nos deixando a sensação que todos os momentos foram ontem, assim ela lembra de cada detalhe com perfeição de um livro.

Hoje, idade avançada para expectativa da família, também viu seu marido partir devido à idade e Alzheimer, a qual é uma doença de causa desconhecida que provoca a degeneração do sistema nervoso central. Atualmente, mora no litoral paranaense com o filho mais novo, os netos e bisnetos, que ainda ajuda a cuidar e com certeza lhe dá força para viver. Como ela mesma diz:

_ A Tia está ficando velha e cansada, mas a língua continua afiada para chamar atenção dos mais novos e para os erros de vocês!!

Dona Vinda, tia Vinda, ou simplesmente Vinda, não importa o nome e o apelido, continua e será sempre uma mulher, mãe, avó, tia, amiga, companheira, que sabe enfrentar os maus momentos da vida, sem praguejar ou reclamar. Ela apenas transforma em experiência de vida positiva para os mais novos que lhe pedem conselho.

Essa historia, eu escrevo para mostrar todo o meu respeito e admiração que minha família sente por ela. Pela sua paciência, pela força interior dedicada a família, aos cuidados maternos ao seu filho Valtinho e amor dedicado a todos os seus familiares. Tenho certeza que os Anjos do Senhor virão buscá-la um dia, porque todos nascemos com a certeza de morrer um dia. Porém será diferente no caso dela, os anjos vão acompanhá-la, em cerimônia para uma grande festa no céu, porque Deus estará recebendo uma estrela especial e o maior presente será quando chegar a hora de reencontrar o seu filho e todos os entes que amou e já partiram.