Acasos e/ou poesia ...

-Bom dia!

Tremi dos pés à cabeça, não esperava te ver assim, tão de repente, o que fazia ali, na faculdade, naquele horário?

-Bom... Er...Bom dia! O que faz aqui?

-Vim te ver.

Péssimo dia, se eu tivesse visto ele de longe, me esconderia, para que jamais me achasse, era um daqueles dias que me sentia feia, burra, mole... Estava agora na frente de alguém que realmente mexia comigo...

-Acabou de chegar?

-Sim... Um pouco atrasada...

Ele sorriu com doçura, meu coração disparou, minhas pernas começavam a bambear, e o rosto parecia estar inchado, dormente, como se fosse um monstro abominável, que a pele estava se dissolvendo, e prestes a cair em gotas gosmentas, sabe quando você olha no espelho e descobre algo sujo entre os dentes, pois me senti como se fosse, eu toda, aquela coisa que fica entre os dentes!

-Sua aula de agora é importante, ou pode conversar um pouco?

A aula não era importante, e mesmo que fosse certamente abriria mão para ficar ali com ele, mas me sentia feia demais para conversar, como é possível ter tanto azar?

-Não... Não é importante...

Baixou os olhos, dando um sorrisinho, e foi caminhando em direção à lanchonete, acompanhei sentindo os pés pesarem como chumbo, a mente vazia, todo o meu ser gritava que era melhor sumir...

-Você está linda hoje...

Aquela frase tirou boas toneladas dos meus ombros, é idiota precisar ouvir este tipo de coisas, mas hoje eu realmente precisava.

-Você não foi trabalhar hoje?

-Tive folga...

-Ah sim...

Silencio por alguns instantes, senti um clima estranho, como se aquele silencio momentâneo dissesse de algo a mais.

-Voltei com minha namorada...

-Ah é?!-fiquei atônita, mais por não esperar que por desilusão, no fundo eu sabia que aquilo ia acabar acontecendo.

Fiquei pensando, se ele teria ido ali pra se aconselhar, ou para me dizer e ver minha reação, fiquei pensativa, doeu menos que eu supunha, estou acostumada a ser a amiga, a conselheira, já não fico tão chateada quando não sou a motivação dos sonhos de ninguém.

-Sim... Foi no final do mês... Mas, acho que algo mudou, não consigo vê-la como antes, está diferente...

Deixei baixar a psicóloga naquele momento, tinha que ser imparcial, apesar da vontade louca que estava de perguntar se era este o motivo de me procurar.

-Acho que ela me traiu com aquele cara mesmo...

-Acha desaforo voltar com alguém que teve outro? O que esta diferente é o orgulho ferido?-cutuquei sem dó.

-Não, o que estou estranhando é não sentir nada em relação a isto... nem ciúme, nem orgulho ferido, sinto como se estivesse do lado de qualquer um, como se ela não me afetasse em nada... Isto é muito pior que um orgulho ferido... Pois não sentir nada, ignorar, é prova de desinteresse.

-Acho que está na hora de procurar uma terapia, já te disse que não posso ser sua psicóloga particular?

Ele me olhou com certo desespero quando brinquei.

-Você não esta entendendo!

-Estou, isto deve ser alguma reação de proteção ao ego, onde deixa de sentir o que afeta, desenvolvendo algum tipo de apatia....

Aproximou-se de mim e beijou-me, calando as bobagens que eu dizia. Quando se afastou, me olhando nos olhos, viu diante de si sua amiga de um modo jamais visto, confusa...

Segurou em minha mão, colocou na palma dela uma papel dobrado, virou as costas e foi caminhando:

-Depois ligo para você.

Fiquei ali, com a mente sugada, inerte, entorpecida de perplexidade, a beira de cair desmaiada pela surpresa...

No papel dizia:

“Flores do meu jardim,

Cansei-me de adubar a terra e regar, onde não se pode florir, vi que nem tudo que parece ter futuro o tem, mas notei, finalmente, que não tão longe há flores nascidas sem este cuidado tolo de mãos, surgiram radiantes e o vento balança-as enfeitando a vida.

Pude abrir meus olhos e ver, que não é o acaso que traz coisa alguma, mas o quanto permitimos ampliar nosso olhar para onde é possível caminhar, assim pude ver uma flor doce, de pétalas aveludadas, que se escondia tímida, mas que era de onde vinha o perfume que me trazia sempre ao jardim, era o toque de arte entre o verde, que, mesmo sem me dar conta, era a única cor de um jardim que eu só sonhava em ver florido.

As flores que sonhei, eram copias da flor que conhecia tão bem, talvez estivesse guardando esta flor, intocada, por crer não merecer, ou apenas, medo de tocar e arrancar-lhe pétalas, mas quero dizer, a esta flor, hoje, que vi que mesmo que me baste apenas te contemplar, quero chamar-te minha, se aceitares vir ser minha arte todos os dias, quero te sentir, flor e perfume, com a ânsia de quem sempre sonhou com uma flor como você”.

T Sophie
Enviado por T Sophie em 03/10/2008
Reeditado em 07/12/2008
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