CONVERSA FIADA

Conversa Fiada

João passou a vida toda andando descalço, sem se preocupar muito com a sua saúde, que era de ferro. Ainda menino, raramente pegava uma gripe. Alguma doença mais séria então, nem pensar. Mas idade chegou para ele.

Criado na praia, com jeito de bicho do mato, inteligência definitivamente não era o seu forte. E quando precisou enfrentar uma forte dor no peito, entrou em pânico. Não saia mais de casa e resolveu se esconder da vida. Cansada do marido o dia inteiro dentro de casa, a esposa tanto fez, que convenceu o caboclo a procurar um médico.

No dia da consulta João acordou apreensivo. E pela cara que o bicho voltou para casa, toda aquela apreensão tinha mesmo razão de ser. A mulher ainda tentou perguntar o que houve, mas nada nesse mundo fazia o cidadão abrir a boca e contar o diagnóstico.

João estava inconsolável. Sua cara estava péssima há dias. Até a vontade de comer o homem havia perdido. Preocupada com a situação do maridão, a esposa criou coragem e falou com o patrão de João, que aceitou dar uma força e conversar com o jagunço. Seria uma conversa de homem para homem.

- Ô João, que cara é essa?

- Nada não, dotô.

- Deixa disso, João…eu sei que você não tá legal…

- Ô patrão, não é nada não…só uns probleminhas lá em casa…

- João, João…antes de ser o seu patrão, sou seu amigo…

- Não se preocupa não, dotô…é só problema de pobre…

- Assim você me ofende…

- Ah, sabe como é, né…

- Olha, sua mulher conversou comigo…sei que você foi ao médico e depois ficou assim…o que aconteceu?

- Aquela viada falou com o sinhô???

- Ela quer o seu bem, João…

- Eu ainda mato aquela rapariga…

- Diz João, o que o médico falou?

- Ah dotô…é complicado…

- Complicado?

- Tô muito doente…mas na verdade, eu prefiro morrer…

- Ô rapaz, não fala assim não…

- Ah dotô, se fosse com o sinhô, o sinhô ia querer o mesmo viu…

- Anda João, desembucha!

- Tá bom, patrão, eu vou falar…é o seguinte, tive uma dores aqui no peito e já não sabia mais o que fazer…deu um medo danado…

- Sei…

- Ai a Cileide falou pra eu ir procurar um médico…a bichinha tanto me encheu a paciência, que eu fui…e agora tô assim, arrasado!

- Mas o que o médico disse, João? O que foi essa dor no peito?

- Ah, a dor no peito não era nada não…era gases…dei uns peidinhos e tudo se resolveu…

- Mas então?

- O problema foi depois, dotô…o sacana do médico disse que eu tava ficando velho, que eu tinha que fazer uns exames…

- Que exames?

- Tem uns que não tem problema não, dotô, mas tem um lá, que chama exame de próstata! Sabia que o médico quer enfiar o dedo no meu cu? E ainda disse que se não fizer isso, eu posso até morrer!!!

- É João, um dia essa hora chega para todos os homens… e é muito importante fazer esse exame.

- Aaaaahhh dotô…o sinhô sabe que eu não tenho frescura, não sou medroso nem nada, mas dedo no meu cu homem nenhum enfia não!!

- Deixa disso, João…esse exame todo homem tem que fazer…eu mesmo já fiz…

- O sinhô???

- É João…é normal…e super importante…isso pode salvar a vida de qualquer homem…

- Ah dotô, não sei não hein…não gosto dessas coisas…

- Você prefere correr o risco de deixar sua esposa ai, sozinha no mundo?

- Isso nunca, dotô!

- Então João…

- Tá bom dotô…o sinhô me convenceu…eu vou lá!

- Vai sem medo, João…todo homem faz isso um dia…

João agradeceu a conversa com o patrão, a preocupação e colocou na sua cabeça que fazer o exame seria mesmo fundamental para sua vida. Desistiu dos seus preconceitos e estava realmente decidido a procurar o médico para fazer o tal exame.

- Obrigado mesmo, viu dotô…não sei nem como agradecer…

- Que isso, João…ah, mas tem uma coisa, viu?

- Que foi, dotô?

- Só não pode gostar, hein!

João não foi visitar médico nenhum. Morreu de câncer na próstata seis meses depois daquela conversa.