AMOR DE PRIMAVERA ...

Final de setembro ... A primavera estava chegando e, com ela, continuava o longo período de chuva, ainda com resquícios do inverno que castigara a cidade de Coruripe, no Litoral Sul de Alagoas. Além da tempestade que castigava a cidade, os relâmpagos riscavam a amplidão, e os trovões fortes e continuados davam a sensação de que estava tudo desabando no firmamento, trazendo um calor enorme, contrastando com o aspecto do tempo.

Como os relâmpagos sempre me causaram pavor, entrei no primeiro lugar que me parecia oferecer mais segurança, que, por acaso, era o restaurante Fênix, que eu costumava freqüentar.

Era o único restaurante considerado classe A que existia em Coruripe, freqüentado geralmente por clientes de poder aquisitivo mais elevado, vindos de outras cidades por motivo de negócios, para as festas religiosas ou políticas, por usineiros e seus familiares e pelos funcionários públicos mais bem remunerados.

Os trovões continuavam cada vez mais fortes e os relâmpagos espalhavam raios dourados em todas as direções, projetando uma luz intensa por toda a cidade. Era realmente uma tempestade assustadora.

Eu estava esperando cessar a chuva e, como estivesse se aproximando a hora do almoço, me sentei à mesa onde costumava ficar, naquele restaurante sempre cheio e barulhento. Enquanto aguardava a minha refeição, de repente se aproximou um moço desconhecido e como as demais mesas estivessem ocupadas, pediu licença para ocupar também aquela mesa.

Eu não costumava compartilhar com estranhos os meus "solenes" momentos de refeições e detestava quando alguém tentava invadir a minha privacidade, mas, percebendo que não havia outro lugar desocupado, secamente disse que ele poderia ficar à vontade (desde que não viesse com conversa fiada, pensei).

Eu fingia que não o estava observando, mas volta - e - meia, descobria um ou outro detalhe interessante no meu imposto companheiro de mesa, que àquela altura já saboreava um vinho tinto como se fosse a bebida mais saborosa do mundo.

Olhando de vez em quando, de relance, percebi que era rm charmoso, muito bem cuidado, e tinha olhos os castanhos e e amendoados, traços de pessoa fina; enfim, não deixava de ser ser um homem muito interessante.

Antes de consultar o cardápio, me perguntou se a comida daquele restaurante era de boa qualidade, se o meu marido não se incomodaria se soubesse que a esposa estava à mesa com outro homem, se eu tinha filhos etc.,e quando respondi que era solteira pareceu-me mais calmo calmo e menos tímido.

De início, eu não me senti à vontade com o rumo que a que a conversa estava tomando e fiquei nervosa ao perceber

que algumas pessoas conhecidas estavam nos lançando olhares lhares atravessados, imaginando não sei o quê...

Como em cidade pequena quase todas as pessoas se se se

conhecem, no mínimo estavam censurando a minha "prosa" forçada com um cavalheiro desconhecido. Contudo, depois de algumas frases trocadas fiquei mais descontraída e até fiz algumas indagações de somenos importância.

Nesse ínterim, ele aproveitou para dizer que era aluno de Engenharia de uma faculdade da Capital, mas trancara a matrícula por incompatibilidade de horário por estar em novo emprego, que o obrigava a viajar, não lhe sobrando tempo para continuar , embora já estivesse em mais da metade do curso.

Como se já me conhecesse há meio século, confessou que mudara de emprego porque trabalhava com sua ex-noiva na mesma empresa em que ela o havia traído com um gerente chegado recentemente de uma filial do interior e, envergonhado, pediu desculpas. Num gesto de confiança, embora fosse ele um desconhecido, eu disse que lamentava profundamente pelo acontecido, que aquilo poderia acontecer com qualquer pessoa e que a minha história não era muito diferente : comigo havia acontecido coisa pior porque eu tinha sido "trocada" pela minha melhor "amiga" , o que tornava a traição muito mais dolorida...

Logo depois de pagar suas despesas, sem comentários, despediu-se, delicadamente, e foi embora com seu ar de tristeza.

Malgrado eu não quisesse admitir, fiquei muito decepcionada com aquela despedida apressada, que mais me parecia uma

FUGA

Cansei de mendigar felicidade,

e te pedir que me ames como eu te amo ...

de me iludir com provas de amizade

e te implorar que venhas, quando eu chamo.

Não vou mais ultrajar minha saudade,

nem vou clamar carinho como clamo,

ou macular tua serenidade

por ter que me aturar quando reclamo.

Não vou mais vasculhar nosso passado,

nem julgar se foi certo ou foi errado

o que fiz por amor ou por loucura !

Quero é me libertar de qualquer jeito

deste amor que sufoco no meu peito ...

... este bendito amor que me tortura !

Fiquei ainda alguns minutos a pensar no que tinha acontecido naquele almoço. Mas a vida tinha de continuar e eu tinha que voltar ao escritório.

Realmente eu precisava retornar ao trabalho e aceitar a minha realidade. Em cidade pequena há uma escassez muito grande de cavalheiros disponíveis e, querendo ou não, eu tinha que continuar a minha vidinha pacata e sem grandes perspectivas. Mas, mesmo desencantada, fiz uma trova que dizia :

Às vezes, na despedida,

num simples modo de olhar,

se diz o que em toda a vida

não se pôde revelar ...

Durante muitos dias ainda alimentei a secreta esperança de que ele aparecesse, mas em vão. Continuei levando aquela vida de sempre: casa, emprego, casa e, de vez em quando, ida ao cinema, e nada mais, porque em cidade pequena não há muita opção de divertimento, mas confesso que aquele homem não saía da minha cabeça ... Era tão forte a presença dele no meu pensamento que parecia que eu já o conhecia há muitos anos... Era uma espécie de "namorado virtual"... " O namorado que era... sem nunca ter sido "...

O tempo foi passando ...

Eu já estava perdendo a esperança que tinha de reencontrá-lo e cada dia a mais ficava ainda mais decepcionada comigo mesma por perder tanto tempo esperando por um milagre que, talvez, nunca acontecesse .

Em setembro do ano seguinte, na mesma data e hora, o tempo estava esplendoroso, com muito sol, temperatura agradável, e eu sentada à mesma mesa do mesmo restaurante em que, pela primeira e última vez, o tinha encontrado.

Eu pensava em como seria maravilhoso se ele estivesse ali, mesmo que fosse só para mostrar os seus olhos castanhos com aquela tristeza quase indecifrável. E, de vez em quando, me perguntava como uma mulher podia trair um homem como aquele, elegante, de traços finos, cavalheiro, e que, mesmo não sendo um " bonitão ", tinha uns olhos castanhos tão lindos, tão expressivos, apesar da tristeza que tentava ofuscar o seu brilho...

De repente, como num toque de magia, ouvi uma voz que me parecia familiar, olhei de relance, e quase sem acreditar no que via dialoguei imaginariamente com o meu Destino. E o meu coração pulsou mais forte, quando tive certeza de que era ele mesmo e pensei então na minha

ESPERA ...

Eu te esperei a minha vida inteira,

muitos anos sofri, e a te esperar,

minha alma transpôs mar, venceu fronteira,

porém não conseguiu te reencontrar.

E eu não achei, amor, melhor maneira

de esta saudade infinda amenizar,

senão pôr água fria na fogueira,

para, aos poucos, a chama se apagar.

Entretanto se em cartas mais amenas

me desses uma, uma esperança apenas,

a vida inteira, ansiosa, esperaria ...

E quando, um dia, então, tu regressasses,

por mais sublime o amor que desejasses,

este sublime amor eu te daria.

Ele dirigiu-se logo para a mesa onde eu estava sentada.

Aproximou-se de mim e, como se quisesse contar um segredo, foi logo me dizendo : " Não acredito que, um ano depois, você esteja sentada no mesmo lugar, no mesmo restaurante, e parecendo a mesma "garotinha" assustada que eu conheci aqui, sem este sorriso lindo estampado no rosto”.

E encostando-se em mim, quase ousadamente me perguntou, tentando parecer engraçadinho :

- Por acaso tínhamos marcado alguma comemoração um ano depois do nosso primeiro encontro ?

E, parecendo velhos amigos, ficamos rindo como duas crianças que apreciavam as mesmas brincadeiras.

Desta vez nem pediu licença, sentou-se logo e eu senti um enorme desejo de que ele me conhecesse melhor ... Mas limitou-se a contar que tinha voltado para o Rio de Janeiro para resolver uns problemas pendentes, mas que nunca me tinha esquecido.

Eu nem podia dizer que não acreditava, porque parece que ele estava em todas as coisas bonitas que eu via, e embora eu ainda não soubesse nem o seu nome, eu não o havia esquecido em momento nenhum, e, para falar a verdade, estava ali quase chorando de tanta felicidade !

Foi aí que, embora não fizesse muito sentido, porque o local não era apropriado , eu lhe disse, quase murmurado:

FELICIDADE

Felicidade é feita de momentos,

e eu sou feliz, amor, por comprovar

ao não tirá-lo dos meus pensamentos,

que ser feliz é ver você chegar ...

E, juntos, misturando sentimentos,

pedimos para o Tempo não passar ...

E o Tempo, sem ouvir nossos lamentos,

revela que é seu tempo de voltar...

À medida que nossa idade avança,

entregues às promessas da esperança,

enriquecemos mais nossa amizade.

E, em cada sua volta, eu vejo que,

ao me encontrar de novo com você,

posso entender o que é felicidade! ...

Nesse dia, um ano depois, tivemos oportunidade de revelar nossos verdadeiros nomes : Douglas e Mariana .

Alguns anos se passaram, mas para nós parece que o tempo não porque parecemos eternos namorados.

Douglas trabalha numa cidade vizinha, onde moram seus pais, mas não deixa de voltar para casa todos os dias porque somos muito amigos e não podemos ficar separados muito tempo pois sentimos muita falta um do outro... Por isso, até hoje agradecemos a Deus por aquele dia de temporal em que nos conhecemos.

Temos dois filhos, e a nossa vida em comum cada dia se torna mais bonita... Temos gostos e gênios bem parecidos, e naquilo em que não combinamos, respeitamos mutuamente as nossas diferenças.

Aqueles olhos castanhos, um tesouro inesgotável de beleza, me conquistaram e abriram as portas para a nossa felicidade... E dessa felicidade nasceu um singelo poema, que mostra a importância que o Douglas deu à minha vida ...

CONFIDÊNCIAS

Meu coração era um “ser” angustiado,

um museu abstrato que guardava

meu tesouro ambulante de lembranças...

Alimentava-se do passado, respirava o passado,

e se negava a viver o presente,

com medo das violências sentimentais ...

Descrente da trilogia do tempo,

se esqueceu de que todo o “ser”,

por menos que viva, passa pelo passado,

vive o presente e morre no futuro

porque, no cenário da vida,

cada partícula de tempo,

é quase ao mesmo tempo

presente, passado e futuro.

Desencantado, o “museu abstrato”

depois de engavetar o meu tesouro maior,

a alegria, a esperança, a felicidade

e meus pensamentos poéticos e devassos,

fechou suas portas e jogou as chaves fora,

no precipício do esquecimento ...

Um dia, como um raio de sol,

você iluminou a minha vida ...

E com as chaves do seu sorriso,

abriu a porta da minha alegria...

Com sua perseverança quase utópica,

abriu a porta da minha esperança ...

Com sua generosidade, seu desprendimento,

abriu a porta da minha felicidade ...

Com o seu imensurável carinho,

despertou meus sentimentos eróticos,

há muito adormecidos.

E com a comunhão de todos esses bens

que ajudou a vida a me devolver,

você me fez deixar para trás o passado,

acreditar no presente e nas possibilidades

que nos pode oferecer o futuro,

despertando, em mim, o sentimento maior :

O amor infinitamente infinito por você ...

E assim, de maneira extraordinariamente feliz, termina a história de um grande amor, como tantos outros, reais ou imaginários, mas sempre com um cunho positivo e incentivador.

Maria Nascimento Santos Carvalho

Maria Nascimento
Enviado por Maria Nascimento em 06/11/2008
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