MILHO E MARMELO

- Neguinho você já plantou aquelas duas cuias de milho?

- Já sim senhor.

- Então pouco tempo? Quem lhe ajudou?

- Ninguém não senhor. O senhor não me viu usando a matraca?

- Vi, mas vi também o tamanho do roçado e a quantidade de milho e to vendo que você voltou muito cedo. Foi pouco tempo para o tanto de serviço.

- Ôxe, pai. Eu sei usar matraca. Eu sei fazer o serviço direito.

- É, vamos ver. Sua mãe quer que você encha a jarra.

- Vou buscar duas latas, amanhã eu encho o resto. Vou tomar banho lá na cacimba mesmo.

- Que avexo da moléstia é esse?

- Eu vou prá festa na rua.

- Hum, logo vi que tinha novidade nessa pressa toda.

Antonio, chamado carinhosamente Neguinho por todos da casa não espichou a conversa. Tinha pressa. Já havia anoitecido completamente. A festa na rua era para S. José, padroeiro das plantações de milho em todo nordeste. Era o início do ciclo anual da fartura. Se a chuva continuasse assim, fininha, criadeira, correndo em pequenas veredas para se acumular nos barreiros, haveria alimentos para todos até o próximo ano. É o ciclo familiar que se inicia em 19 de março, dia do santo que é o pai, o provedor da casa e que se conclui com a tripla festa junina com os santos Antonio, o casamenteiro, João o santo menino protetor dos rebanhos de cabras e ovelhas que é o mesmo profeta que lembra os deveres religiosos e Pedro, o velho pescador base familiar da igreja. Tempo de alegria, bonança e muita festa. Tempo de arranjar namorada que era a intenção de Neguinho quando quase acaba com o perfume da irmã mais velha. Neguinho era o oitavo, sete mais velhos e sete mais novos que ele numa família de quinze filhos. Era o fiel da balança, herdou o nome do pai, homem de poucas palavras e de muita ação para manter ordem numa família tão grande.

- Não vai jantar não, menino.

- Vou não senhora mãe. Eu como na rua.

- Eu acho que Neguinho está enrabichado por alguém. Ele nunca teve essa pressa toda para ir numa festa de igreja.

- Mãe olhe o tanto de meu perfume que Neguinho gastou.

- Quando ele voltar avise que vai vender uma marrã dele para comprar outro frasco de perfume para você.

Com passos largos Neguinho chegou à rua. A festa estava animada. Muita gente. Celinha a filha do farmacêutico estava linda demais com aquele vestido azul e ficou mais linda quando aceitou o convite para dar uma volta na roda gigante. Os dois estavam enrabichados um pelo outro. Foi uma noite linda, só interrompida pela chuva grossa que pegou os dois ainda na roda gigante. Encharcados, tiveram que se despedir porque a mãe de Celinha mandou ela entrar para não pegar um resfriado.

O tempo que não para, transformou aquela noite em dia e o dia em semana...

- Neguinho venha cá.

- Que é que o senhor quer pai?

- Eu quero que você venha comigo até o roçado.

- Já vai limpar?

- Não é outra coisa.

Andaram na chuva fininha que continuava a cair alternando com dias de sol intenso.

- Você disse que tinha plantado com a matraca, não foi?

- Olhe pai, eu comecei com a matraca, mas depois eu plantei mesmo com a mão e o enxadeco.

- Muito bem! Veja o resultado desse seu serviço labojeiro.

O chão parecia que ia levantar vôo. Os pedaços de terra sendo erguidas pelos brotos do milho plantado aos punhados em covas rasas demais e muito juntas umas das outras.

A vara de marmelo manejada com habilidade por Antonio pai, lembrou a Antonio filho que milho deve ser plantado três grãos por cova num intervalo de sessenta centímetros. O serviço teve que ser refeito com enxadão desde a preparação da terra até o novo plantio com a matraca. As pernas e as costas lapiadas pela vara de marmelo ardiam por causa do suor, mas no dia da festa ele pegara na mão de Celinha.