O GUARAPUAVA

Drogas versus drogas parecem que não existe um fim, as conseqüências estão por toda parte. Pobre e ricos estão nesta linha de tiro e correm os mesmos perigos. Este é um dos maiores dilema da humanidade.

A boa educação, falar claramente sobre seus efeitos será um passo a frente contra esse mal, porque o que hoje parece ser bom, amanhã se torna uma praga. O usuário começa roubando, depois matando para satisfazer o maldito vício. Inicia-se ao enganar os familiares, depois parte para outros atos ilícitos, tentam fazer de tudo para conseguir mais uma pedrinha de crack.

As histórias são tantas que não podemos imaginar quantas lágrimas já foram derramadas. Elas somadas dariam um rio, daqueles que dificilmente secariam. Famílias e mais famílias ainda serão destruídas pelas mesmas feridas e cicatrizes que surgem com o uso da droga.

Esta história que contarei, merece louvor. Um moço conhecido por Guarapuava, morador em nosso bairro. Ele nasceu de uma família abastada na cidade em que lhe apresenta seu apelido, seus pais começaram uma luta árdua com este filho. Menino com doze anos envolveu-se com amiguinhos de rua, abandonou a escola, começou a fumar e beber. Seus pais perderam as rédeas dos problemas, O menino viveu sem rumo, dias e dias perambulando de um lado para outro, não tomava banho, ficava com as roupas sujas. Não queria saber da família. Os cigarros e cachaça não foram suficientes.

Guarapuava começou com a maconha, cheirar cola de sapateiro. Sua vida piorou, seus pais procuravam pela cidade toda, quando o encontravam, no desespero era repreendido com ferocidade. Davam-lhe uma surra e castigavam sem direito a sair de casa, com falta de liberdade, a vez de melhorar, piorou. Ele fugiu de casa e da cidade, resolveu vir para capital, Curitiba. Estava sozinho, sem ter para onde ir, sua vida virou um inferno. Dormia embaixo de marquises, pontes, bueiros, suas cobertas eram caixas de papelão. Em qualquer lugar ou canto, ele se acomodava e sentia fome e frio, então tentava dormir. Uma família notou aquele menino franzino, sujo, apiedou-se da criança, ofereceram comida, cama, deram roupas novas, um banho e assim parecia outra criança.

Convidado para fazer parte da família, ele aceitou. Viveu muito tempo sem drogas, moço educado, gentil, fazia suas orações antes das refeições. Comportadíssimo, atingiu a maior idade, fez amigos, trabalhava, mas sobre seu passado não comentava, parecia não ter existido. Parecia haver a certeza que o jovem estava salvo, que não retornaria as drogas. De repente, nova surpresa abandonou o segundo lar, voltou morar na rua. Começou a fazer novas besteiras, envolveu-se com drogados, ladrões e assassinos. A recaída foi arrasadora, brigava, apanhava vivia machucado, suas roupas sujas de barro, o rosto inchado e sangrando, o cabelo longo pastoso, barba por fazer, não se penteava há muito tempo, piolho notava-se ao longe. A sua vida parecia estar chegando ao fim.

Alimentava-se pouco, vivia em valas, sujo de fezes e urina, o cheiro era sentido a dez metros, vivia uma vida de cão sarnento ou pior. Drogava-se todos os dias. Sem esperanças, pedia de porta em porta, tudo que ganhava trocava por crack. Embebedava-se e onde caía, ficava dormindo horas sem noção do tempo perdido. Ao acordar, voltava a mesma rotina.

Algumas vezes minha família lhe dava prato de comida e roupas usadas, mas sabíamos que estas eram trocadas por drogas. Era seu jeito de suprir o vicio. Um farrapo humano. Ele fazia muitos amigos e não roubava. Isto é uma das poucas coisas que um viciado não faz, quase impossível, mas ele era fiel a certos princípios.

Num dia de Natal chegou em nosso portão, pedindo um prato de comida e desejando-nos um Feliz Natal. Isto comoveu a minha esposa e a nossa filha. Sabiam de suas necessidades e disseram-lhe:

_ Guarapuava, hoje você é nosso convidado especial!!! Você almoçará com fosse de nossa família. É um prazer tê-lo em nossa companhia.

Mas ele respondeu:

_ Não, obrigado. Quero apenas um pão para matar minha fome. Estou sujo, mal trapilho.

Ele estava emocionado, disse-nos:

_ Eu não sou digno deste convite. Não estou apropriado para entrar na sua casa, me arrume um prato de comida que comerei aqui fora mesmo.

_ Guarapuava? Hoje você entrará em nossa casa e comerá em nossa companhia.

Ficou envergonhado, com olhos cheios de lágrimas, mas era possível ver o espírito radiante de alegria. Sua amizade e ver que alguém estava o vendo como um homem fez seu orgulho transbordar. Ele sabia que teria um dos melhores natais de sua vida porque não passaria sozinho como nos anos anteriores. Ficamos admirados com sua educação, o modo como se serviu, a conduta de um nobre, sua delicadeza, como se comportou a mesa. Tratamos como se fosse de nossa família, por ser bem recebido, acabou nos contando um pouco de sua vida.

Após terminar de arrumar seu prato, de cabeça baixa, percebemos que muitas imagens estavam passando na mente dele e disse-nos:

_ Eu sou a ovelha negra da minha família, tenho irmãos advogados, políticos. Meus parentes são fazendeiros mas me envolvi com drogas. Fugi de casa ainda pequeno, não sei nada sobre eles, nem eles sobre mim. Se estou vivo ou morto...

Ao observarmos seu gestos, notamos que teve uma boa educação, seu comportamento nos emocionou. Contou que vivia em maus lençóis.

_ Sabem meu grupo é de assaltantes e arrombadores... muitas vezes apanhei por não gostar de roubar!! Eu saia com o grupo mas não participava de seus negócios. Eu queria era beber a cachaça e participar da roda de crack que ali encontrava-se. Eu não tinha que pagar e saíamos pela madrugada, caminhando a esmo, fazendo arruaças. Ao passarmos em frente da sua residência, essa mesma que neste dia de Natal estou acolhido, o grupo comentou - Hoje vamos arrombar esta casa, deve ter muita coisa para trocarmos por crack!! – e neste momento tive que intervir e gritei - Aqui não!! Eles são meus amigos. Vamos para outro lugar!! – Tive que falar com firmeza e coragem. O grupo riu de minha cara, mas acabaram me obedecendo.

Naquele dia ficamos sabendo que fomos poupados de sermos roubados, pelo gesto do amigo Guarapuava, leal a nossa amizade e as todas as vezes que matamos sua fome, foi eficiente naquele momento, e nos mostrou gratidão. No dia seguinte soubemos que três casas de nossos vizinhos tinham sido saqueadas, o Guarapuava nos livrou de um grande prejuízo, por sermos caridosos com ele.

Este homem está a quarenta anos vivendo uma vida miserável, no fundo do poço. Tentou ir mais longe à ironia do destino e cavou com suas próprias mãos a sua sepultura. Não conseguiu e estava desesperado, doente sem esperança. Piorando a situação, acabou envolvendo-se numa briga de rua, por causa de uma mulher, também viciada em drogas. Ao defendê-la, levou uma facada, e caiu no meio da rua. Abandonado em uma poça de sangue, que se formou em sua volta foi socorrido pelo SAMU. Guarapuava ficou internado dez dias no hospital, ele escapou da morte por milagre, acordou de um pesadelo, sem saber onde se encontrava.

O médico que estava ao seu lado, tentou lhe acalmar e fez-lhe uma pergunta:

_ Você quer continuar vivendo? Gostaria passar alguns meses com seus amigos? Você ama a sua vida e quer ter saúde? Responda-me, com sinceridade.

Ele respondeu:

_ É o que mais quero, é viver dignamente!

_ Rapaz, então me escute. Caso você não consiga largar as drogas hoje...não passará de um ano. Deixando o vício terá vida longa!! Pode ter certeza no que estou falando, você teve a segunda oportunidade, aproveite que esta poderá ser a última.

As palavras do médico lhe tocaram fundo, pensou um pouco e disse:

_ Doutor, eu te juro. A partir de hoje serei outro homem.

Guarapuava teve alta e sumiu da vila por cinco meses. Ninguém sabia dele. Nós pensávamos que tivesse morto. Um dia, estávamos passeando na avenida e encontramos um moço, roupas limpas, cabelo aparado, barba feita, sapatos engraxados. Não acreditamos que aquele homem era o viciado de ontem. E perguntamos como conseguiu deixar as drogas, que vinha usando por mais de quarenta anos. Respondeu:

_ Olhe, amigos...depois daquela facada, dez dias em coma num hospital, escapar com vida somado com o susto que o médico me deu; vocês queriam o que? Eu senti que era o momento de viver. Abandonei a maldita droga, fiquei decidido, não usarei nada que me faça mal! Eu sei que sou capaz, só quero voltar a ser feliz. Aconteça o que acontecer vou derrotar este maldito vício. Não percebia, mas deveria ter tomado esta decisão antes. Hoje estou voltando da cidade onde nasci. Encontrei meus irmãos. Eles pensavam que eu tivesse morrido há anos. Vocês não imaginam a festa que aconteceu na minha família. Eu queria saber imediatamente sobre meus pais, mas a noticia não foi agradável. Infelizmente, meu pai morreu primeiro, mas soube que minha mãe esperou-me em vão por mais dois anos. Adoeceu e morreu chamando por mim, dizendo meu nome. Chorei muito pelo mal que causei a eles, talvez vá pagar por tudo isto. Hoje, em plena recuperação sinto-me feliz. A vida é cor de rosa. Eu estou morando aqui no bairro na casa de um amigo, consegui aposentar-me, com um salário mínimo. Com este dinheirinho consigo sobreviver.

Despedimo-nos naquele instante e ele saiu andando calmamente. Fiquei olhando e pensando, sendo pessimista: - quero ver até onde conseguira manter a sua promessa, Guarapuava.

Passou dez anos e Guarapuava?? Ele está bem. Vivendo dignamente e continua fidedigno, sem drogas. Ele vem mantendo a palavra de uma vida nova. A história desse homem é um milagre para quem foi um trapo e sobrevivia a todos os tipos de drogas que podemos imaginar. Não quebrou o seu juramento, homem de caráter. Hoje ele é um exemplo de coragem e de perseverança. Sair de um abismo em que ninguém acreditava ser possível, mas como ele mesmo diz: - Eu precisei ver a morte de perto para despertar-me para a vida!!

Ilario Ieteka
Enviado por Ilario Ieteka em 21/12/2008
Código do texto: T1346909