À solitária [parte II]

Chegou perturbada, tremendo de constrangimento, era uma moça do interior, tinha receio de não saber como agir. Procurou com os olhos outras possíveis alunas, na sacola os pinceis e tintas, kit promocional de uma loja, torcia que não fosse uma tinta ruim, viu cavaletes e banquinhos, muitas pessoas próximas, respirou fundo e perguntou:

-O curso de pintura é aqui mesmo não é?

Recebeu o sorriso carinhoso de uma senhora, que a pegou pelos ombros e disse:

-Então é você a moça linda que o Luiz disse que começaria o curso! Pelo visto ele não exagerou, é linda como uma flor- ficou vermelha de vergonha- o professor já deve estar vindo, seja bem vinda, espero que possa se sentir acolhida conosco, pois este espaço aqui é um lugar de multiplicar amor.

O coração da moça se aqueceu, sentia falta de carinho, de reconhecimento, estava só, lutando por suas próprias forças, e agora, saber que tinha, ao menos, uma possibilidade de criar vínculos já era bom.

-Obrigada senhora, fico muito feliz em me sentir acolhida –abaixou os olhos.

A senhora com sua sensibilidade de mãe e avó a trouxe pra junto de si.

-Vou te mostrar o lugar...

Caminharam, foi mostrando alguns lugares, mas quando longe das outras pessoas começou a perguntar:

-Moça parece tão desamparada, me conta, é nova no bairro?

-Na cidade, vm trabalhar na área que formei, em minha cidade não tinha oportunidade, deixei minha família pra trás...-contou sua história...

-Filha, tenho filhas, netas, e sei que você ainda não tem idade para ficar assim sozinha, pode contar comigo, meu nome é Cecília, sou uma das fundadoras deste projeto, e quero que saiba que estarei aqui para o que você precisar!

Os olhos marejaram de lágrimas, abraçou a senhora como gostaria de abraçar a própria mãe, provavelmente umedeceu a linda blusa bordada de Cecília com suas lágrimas, mas sentiu o afeto que lhe faltava à alma havia cinco meses.

A aula iniciou com serenidade, cada uma continuou sua pintura e o professor dedicou a ela atenção quase completa, deram os primeiros traços após escolher a imagem que pintaria, e iniciou o fundo escuro da paisagem. Quando terminou, parecia um quadro infantil, com os fundos escuros e contornos, mas sabia que era preciso que aquela camada de tinta secasse para dar formas e luzes à montanha.

Quando terminaram, muitas moças e senhoras vieram conversar com ela, se mostraram amáveis e simpáticas, disseram de outros cursos, empolgadas; sorriu sem graça, disse de sua rotina apertada, e que só teria mesmo aquela disponibilidade, aos sábados pela manhã, foi em direção à saída, com um sorriso colado no canto dos lábios, pois suas expectativas tinham sido superadas de modo fantástico e do modo mais positivo possível!

-Cuidado moça!

Acertou em cheio a aquarela na barriga do rapaz, derrubou tudo, pincel e tintas, sorte que estava tudo limpo ou a camisa branca se tornaria uma bela arte abstrata.

-Desculpe...-era o rapaz que tinha conversado na semana anterior.

-Espero que tenha gostado de sua primeira aula.

-Sim... Gostei...- abaixou os olhos.

-Está indo para casa?

-Sim.

-Tem planos pra mais tarde? –Levantou os olhos um pouco surpresa, ele tinha um expressão insegura, como se segurasse a respiração.

-Eh... –pensou no que responder.

-Se já tiver o que fazer vou entender, só pensei que poderíamos sair, conversar, é eu te apresentaria algumas pessoas, não sei, distrair um pouco, não dizendo que você não faça isto...-ele emendava as palavras e dizia tudo muito rápido, gesticulava.

-Não tenho nenhum plano, adoraria.

Ele ficou calado, sorriu, mas não sabia o que fazer.

-Então, assim, ainda são 11:30 né, se animar poderíamos sair a noite que é mais fresco e tal... Lá pelas 19:00 o que acha?

-Sim, para mim é uma ótima opção de horário... Mas encontraríamos em algum lugar para ir... Ou passaria na minha casa?

-Você quem sabe Alice.

-Fica combinado as 19, quando chegar na portaria me da um toque que desço então.

-Certo então –fez com o que ia se aproximar mas voltou, olhou pra baixo e pensou e se aproximou- até mais tarde- deu um beijo no rosto e um abraço, ela fez da mesma forma.

Subiu o elevador com o coração na mão, estômago rodando, euforia em estado máximo, ele era lindo! E tinha dito a Cecília que ela era linda nossa! Não podia ser verdade!

Na parte da tarde desceu para comprar legumes na feira, era um pouco longe, uns 20 minutos a pé, o que era ruim na volta cheia de sacolas, mas não tinha dinheiro para pegar ônibus pra tudo o que precisasse fazer, a vida era apertada, se bancar não era nada fácil.

Na feira ouviu duas moças comentarem:

-O Luiz é um canalha, como pode um homem ser assim!

Certamente não era Luiz...

-Ele não me ligou mais, e olha que vejo ele 2 vezes na semana, me trata como se fossemos só velhos amigos, eu sou louca com ele, mas o idiota é um daqueles certinhos que levam as coisas muito a sério, mas sabe amiga, não é bem o que eu quero!-e riram de um jeito extremamente vulgar.

-Ah amiga, não tem homem certinho que não possa ser seduzido, finge que ta triste, deprimira que ele vai te visitar, aí faz aquele joguinho...

O papo começou a ficar pesado, o nível foi baixando, e ela como era uma moça séria, se sentiu incapaz de continuar ali, felizmente o que ouvira não o desabonava, mas, ao mesmo tempo fazia temer se envolver com ele tendo mulheres daquele tipo querendo seduzi-lo...

T Sophie
Enviado por T Sophie em 22/12/2008
Reeditado em 04/01/2009
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