Reencontros...

Reencontrei Gustavo na reunião de 10 anos de formatura da turma de 1980, do Colégio Madre Domênica. Seus olhos continuavam intensamente verdes, seu sorriso ainda seduzia alunas e professoras. Beirando os 40, mantinha um físico que provocava arrepios às meninas de mais tempo.

Ainda lecionava espanhol, mas em cursinhos, A disciplina de colégios, disse ele, castrava-o.

Há 10 anos, Gustavo ainda não chegara aos 30 e Estela, professora de artes, estava chegando aos 50. Era uma bela mulher. Alegre, inteligente, era a mentora da nossa turma.

Casada, sem filhos, fazia de nós, suas alunas, amigas, companheiras de muitas risadas.

Tinha por ela, uma estima muito especial. Conhecia-a desde minha infância, pois ela fora amiga e colega de minha mãe.

Era com crescente apreensão, que eu acompanhava os ardentes olhares trocados entre Estela e Gustavo. Sabia da sua seriedade em questões de ética e moral e que um “caso”, iria abalá-la emocionalmente de uma maneira muito marcante.

Quanto a Gustavo, os olhares que lançava à Estela, não eram exclusivos. Ele adorava a sensação de saber desejado, admirado.

Cheguei a sondar com outra professora sobre o interesse de Gustavo por sua filha Ingrid e ela respondeu entusiasmada, que após a formatura ele provavelmente a pediria em casamento. Pensei que ela estava sendo mais ingênua que Estela.

Apesar dos meus parcos 18 anos, já percebera que para Gustavo tudo não passava de um exercício de sedução. Um jogo, uma brincadeira. Talvez nem houvesse maldade. É provável que ele sequer percebesse, diante do seu imenso narcisismo, que estava brincando com os sentimentos de suas admiradoras.

Passada a euforia da formatura, festas de final de ano, revi Estela. Estava abatida, emagrecera, esquecia de sorrir. Decidira separar-se. Há muito sua relação com Mário deteriora e, algo mais que ela não confessava, fora a medida que faltava para a tomada dessa decisão.

Nada questionei. Abracei-a e desejei que reestruturasse sua vida e que fosse feliz.

Chegando março, ela me ligou pedindo para encontrá-la no parque, onde costumávamos caminhar. Havia uma imensa tristeza em sua voz.

Ela estava abatida, disse estar fazendo terapia, pois não conseguiria seguir em frente, sozinha. Esperei pelo desabafo.

A separação acontecera no final de janeiro. Fora morar num pequeno apartamento, primeiro lar que tivera com Mário. Fizera mil projetos. Ria sozinha, de felicidade, antevendo a vida maravilhosa que teria ao lado do grande amor de sua vida.

Essa felicidade durara exatas duas semanas. Encontrara com Madalena, mãe de Ingrid, aquela que pensava que seria pedida em casamento por Gustavo. Madalena estava enfurecida, pois soubera por um primo, amigo de Gustavo, que este viajara com a namorada, para conhecer sua família e marcarem a data de seu casamento.

Estela, contida, indignou-se solidária à amiga e, ao chegar a casa, desabara.

Por várias vezes tentara falar com Gustavo, por telefone, mas ninguém atendia.

Escutei-a em silêncio, sentindo sua dor. Pensei ser melhor nada falar. Sabia que ela daria a volta por cima. Admirei sua coragem de acabar com um casamento de tanto tempo e, de me contar o real motivo. De falar de sua frustração ao descobrir que Gustavo não passava de um garotão bonito, fútil e inconseqüente.

Às vezes penso quão estranhos são os relacionamentos entre as pessoas. Estela tem a idade de minha mãe, mas sua confidente sou eu. Entendemo-nos. Ela é minha irmã mais velha.

Acompanhei a lenta recuperação de Estela. Não foram poucas as vezes em que vi seu rosto querido banhado em lágrimas, mas jamais vi desespero. Vi aceitação, resignação.

Estela não é uma pessoa que se entrega. Não demorou, voltou a sorrir e fazia chistes sobre o que aconteceu. Eram brincadeiras entre nós duas, pois não abrimos esse segredo a mais ninguém.

Fez novas amizades, algumas viagens. E conheceu Ademar. Professor como ela, sessentão, sempre bem humorado, disposto e apaixonado por ela.

Estela é uma referência para mim. Caiu, reergueu-se sem jamais perder a esperança de encontrar a felicidade.

Revendo Gustavo, percebi que ele em nada se modificara. Decidi questiona-lo sobre os corações partidos que deixara para trás.

Aproximei-me dele e fui recebida pelo mesmo belo sorriso padrão e sedutor. Ele não me reconheceu. Não fiz rodeios. Perguntei se lembrava da professora Estela, de Ingrid, de Ramona, Mirna... Seu sorriso apagou, como se a pilha tivesse falhado.

Disse que jamais dissera a nenhuma delas coisa alguma que pudesse fazê-las pensar que estava apaixonado. Elas haviam tirado conclusões erradas. Interpretaram mal. “Viajaram”, esse o termo que ele usou.

Senti pena daquele quase quarentão charmoso. Bonito, fútil e inconseqüente. 22/12/2008