Coincidências

Lia e sua amiga, Rô, haviam combinado de passar o Carnaval na praia. A casa em que iriam ficar já estava acertada, porém ainda faltava encontrar uma pessoa para dividirem o aluguel. O sonho de Lia era convidar Raul, seu colega de escola, por quem ela era apaixonada. Mas não tinha coragem. Só de pensar numa resposta negativa, afastava a idéia da cabeça.

Numa terça à noite, as amigas conversavam ao telefone. Rô insistia para que Lia convidasse Raul, mas ela se recusava. Até que, ao abrir o caderninho de telefones, um pequeno pedaço de papel caiu ao chão. Ao pegá-lo, uma emoção inesperada tomou conta de Lia. Nele estava escrito o nome e o número do telefone de Raul. Em poucos segundos, reviveu o dia em que seu amado lhe dera aquele número tão valioso e as centenas de vezes que pensou em ligar para ele, porém sem nunca ter tido coragem. Pensou nos livros que lera sobre almas gêmeas e nas coincidências do destino. Mergulhada numa profusão de pensamentos e sensações, contou esfuziante à amiga o que havia se passado. Rô, percebendo que este era o seu último argumento, incentivou-a dizendo que isto era o sinal de que deveria ligar para ele.

Convencida e ainda emocionada, Lia discou o número de telefone escrito no pedaço de papel. Do outro lado, ouviu-se a voz familiar de Raul. Trêmula, respirou fundo e falou-lhe da viagem. Raul agradeceu o convite, mas disse que não poderia aceitar porque iria viajar com os primos. Desconcertada, Lia se despediu rapidamente.

Aquele fim de noite foi terrível para Lia. Decepcionada, xingou todos os livros de auto-ajuda e prometeu nunca mais acreditar em “dicas” do destino.

Duas semanas depois, as amigas partiram rumo ao litoral. Conseguiram arranjar a última pessoa que faltava, uma colega de escola. Estavam todas animadas menos Lia, que ainda se sentia decepcionada.

No dia seguinte, na praia, Lia viu Raul andando na areia com um amigo. Pega de surpresa, chamou Rô para olhar e quase explodiu de alegria. Contou que ele não havia dito para onde iria no Carnaval e que ela esquecera também de dizer. Seria uma outra coincidência? Lia estava certa de que sim. Mudara de idéia quanto a não acreditar mais no destino. Começou a fazer planos, iria tomar coragem para falar com ele. Afinal, esta era sua segunda chance. A amiga dava-lhe forças. Planejaram segui-lo discretamente, até surgir uma oportunidade para uma abordagem.

Para não serem vistas, entraram no mar e ficaram seguindo-os a distância. Um pouco mais adiante, eles se aproximaram de um quiosque. Para não perdê-los de vista, Lia e Rô saíram do mar e foram em direção ao quiosque.

Quando seus olhos se fixaram na mesa onde Raul estava, a decepção de Lia não poderia ter sido maior. Uma moça acabara de chegar e ao se aproximar de Raul, foi recebida por ele com um beijo nos lábios. Lia imediatamente recuou, antes que fosse vista por eles. E, antes que Rô perguntasse qualquer coisa, saiu rapidamente em direção à casa onde estava hospedada.

Trancou-se no quarto e pediu para ficar a sós. Rô, em vão, tentou confortá-la. A cena havia sido demasiadamente frustrante. E logo agora que tudo parecia estar acontecendo a seu favor.

À noite, mais calma, Lia aceitou tentar esquecer o triste episódio indo a uma boate e só voltando ao amanhecer. Lá, encontrou um amigo, Luís, que conhecera há um mês. Conversaram pouco, pois Lia ainda estava desolada com o flagrante da praia.

Na segunda à tarde, Lia e Rô foram caminhar no calçadão. Encontraram Luís, que dissera ter ficado feliz com a coincidência. Mais uma vez, Lia não estava a fim de conversar. Mesmo com os elogios de Rô à simpatia do rapaz, ela não se mostrou interessada.

Não saíram naquela noite, pois Lia estava com dor de cabeça e Rô achou melhor fazer-lhe companhia. Aproveitaram para colocar as fofocas em dia. Lia continuava decepcionada e não via a hora de voltar para casa. Voltou a se ressentir dos livros sobre almas gêmeas e dizia que, na verdade, o que existe são armadilhas do destino. Rô a lembrou do encontro com Luís, de que ele havia falado em coincidência. Mas Lia afirmava que nunca mais iria acreditar em coincidências. Percebendo o sofrimento da amiga, Rô decidiu não tocar mais no assunto.

Regressaram na terça após o almoço. A viagem transcorreu sem sobressaltos, mas dentro do peito de Lia seu coração pulsava com violência. Esperava ansiosa a chegada para fazer uma coisa que considerava inadiável.

Assim que entrou em casa, foi direto para o seu quarto. Pegou no armário o caderninho de telefones e procurou o pequeno pedaço de papel onde estava escrito o nome e o número do telefone de Raul. Como sinal do fim de sua paixão, rasgou o papel ao meio e atirou-o no lixo. Sua raiva era tanta que não reparou que atrás daquele mesmo pedaço de papel estava escrito o nome e o número do telefone de Luís.

Conto publicado na Coleção Nacional de Contos da Shan Editores em 1998.

Aline Ponce
Enviado por Aline Ponce em 06/04/2006
Código do texto: T134953