À Solitária [Parte III]

_Alice chegou em casa, sacolas nas mãos, foi para a cozinha fazer o almoço. Enquanto preparava o macarrão, pensava na conversa que ouviu, pensava em seu trabalho, pensava em seus planos para futuro, mas o que incomodava era a falta que sentia de sua família. Estava sozinha em todos os aspectos, pois era uma moça simples, cheia de sonhos bobos, não cabia naquele ritmo de cidade grande e relacionamentos superficiais, estudara por vários anos a sedutora psicologia, e agora temia tanto o ser humano, por conhecê-lo que tinha que admitir, seu romantismo era antiquado e uma ilusão tola...

_Comia sentada diante da TV, alugara alguns DVDs pensando em ocupar seu sábado, sempre tão monótono, as almofadas feitas pela mãe eram macias, e tinha o cheiro das mãos daquela guerreira tão admirável, sentiu as lágrimas brotarem nos olhos, mas se lembrou que prometeu a si mesma ser forte. Pausou o filme, lavou toda a louça, se jogou no sofá, pegou as agulhas de tricô, pretendia terminar o cachecol que prometera a sua amiga que em breve viajaria para a Europa, sorriu pensando no sucesso dela, e tinha imenso prazer em dar um presente útil, que certamente ela usaria bastante.

_Eram 18h55min, ela acabara de acordar, agulhas para um lado, a lã embolada a seu redor, estava muitíssimo atrasada! Correu para o banho, o coração a mil, nem tinha pensado e que roupa vestir, há quanto tempo não comprava roupas! Tinha seus terninhos de trabalho, mas não era o tipo de roupa que caberia para um passeio com um rapaz como Luiz, ele era leve, simples, saiu do banho enrolada na toalha em desespero, abriu o armários, as gavetas, pensou na mala que nunca terminou de desfazer, abriu-a, tirou algumas blusinhas, umas bermudas, e se lembrou de seus loucos passeios pelos arredores de sua cidade, o coração apertou... Pegou um embrulho, não tinha idéia do que era aquilo, dentro um cartão: “À minha princesa!”, era um vestido leve, com detalhes em renda, algo que viu várias vezes sua mãe dedicar algum tempo, achava que se tratava de alguma encomenda, pois era uma das peças mais caras que ela fazia, não pôde conter-se, chorou torrentes, vestiu e se viu magnífica, era tudo o que precisava para aquela noite! Calçou uma rasteirinha, empoou a pele do rosto, levantou o olhar com o rímel, um pouco de blush, um brilho nos lábios, um sorriso inseguro, estava pronta.

O telefone tocou, pela 3ª vez, ouvira do chuveiro os outros toques.

-Alo...

-Oi Alice, liguei agora pouco, você não atendeu... Fique até pensando que tinha desistido...

-Estava no banho, desculpe, adormeci a tarde vendo um filme, acordei atrasada...

-Cansaço do trabalho... Entendo moça. Estou te esperando na portaria do prédio, mas não se apresse, afinal, se vamos sair é para ser algo relaxante e não um compromisso estressante –sorriu- atrasos perdôo, só ficaria decepcionado com um bolo!

-De modo algum eu te daria um bolo, afinal, nem sei fazer um!- riram com vontade- desço em alguns minutos.

Pegou a bolsa, deu uma olhadinha no espelho, se sentia abraçada pela roupa, naquele instante sentiu como se amor de sua mãe fosse expresso como uma melodia, dentre tantos filhos, nunca tinha tido atenção especial, na verdade era a única que não tinha o temperamento e a personalidade dos pais, extrovertidos e animados, era recatada, tímida, sempre cuidadosa, e muito insegura, ao contrário das duas irmãs que eram dominadoras e convictas. Estava se analisando, outra vez, mas não doía, pois se sentia reconhecida, e aquilo foi o estimulo mais forte que teve para descer pelo elevador sem ligar para outra que quisesse seduzir Luiz, ele não era dela, mas seria sua companhia aquela noite e não deixaria nada estragar aquele momento!

-Desculpe o atraso... Como eu disse, adormeci.-sorriu com simpatia.

Ele olhava para ela com uma expressão de assustado, deslumbrado, quem era aquela mulher?

-Você está incrível Alice! Estou fascinado!

Se estivesse de salto teria virado o pé e caído estatelada no chão, sentia as bochechas queimarem, tamanho seu constrangimento, admitia estar com o ego inflado, mas ao mesmo tempo era o tipo de situação que nunca se sabe como reagir.

-Vou te levar a um lugar lindo moça, temendo que não goste mas correndo o risco...

Foram caminhando lentamente, ele contava com emoção sobre a comunidade que ele e sua mãe, Cecília, tinha idealizado desde sempre, soube então que ele era formado em serviço social e que eram mantidos pelo governo em troca de várias ações. O modo como dizia, com paixão, era tão contagiante que começou realmente a se interessar, ele dedicava tempo e atenção àquela causa.

-Interessante, sempre tive interesse na área social, pena que tomei outros rumos...

-Trabalha na área organizacional, lembro de ter comentado no primeiro dia que nos vimos.

-Sim, clima organizacional, treinamentos e afins, gosto do que faço, mas às vezes acho que o preço é meio alto demais.

-A distância te incomoda não é?

Olhou para ele assustada, não se lembrava de ter comentado isso diretamente com ele.

-Lembro da primeira carta que respondeu, sobre vir de terras distantes e tudo mais, sabe que incomodo ver uma mulher bela como você sozinha em uma varanda, parece um quadro antigo, uma ironia, uma poesia triste, sei lá, parece que não cabe, a meu ver, no que acho justo ou certo -sorriu com todos os dentes- estamos quase chegando.

Estavam andando tinha cerca de 20 minutos. Viu de longe um bar, tinha uma varanda bela, era rústica, com mesas em madeira pesada, iluminação tênue, ambiente aconchegante. Sentaram-se na parte interna, próximo a uma grande janela que dava vista ao parque da cidade, onde árvores iluminadas, e a fonte deixava a refeição certamente mais agradável. Pediram um vinho, era o que combinava com o lugar.

-Um brinde a mais linda mulher que já conheci.

-Um brinde ao homem mais imprevisível que já conheci.

Brindaram e sorriram como velhos amigos.

-Quando estava na feira vi uma moça, alta, morena, de olhos claros, falava sobre você...

-Solange, certamente ela usava argolas grandes nas orelhas, e falava muito alto.

-Exato.

-Uma mulher estranha... A que falava sobre mim?

-Te chamou de cafajeste...

-Isso por que não a tratei como a um pedaço de carne, como está acostumada. –falou com um brilho estranho nos olhos, algo de mago e ressentimento- ela queria só mais um, para dizer com gosto que todos os homens são iguais...

Ele começou então a contar sobre seu modo de pensar, contou que era o único homem entre 3 irmãs, todas moças sérias que sempre ensinaram a ele como ser um homem de verdade, sua mãe, a mulher mais sábia que ele poderia encontrar colocou nas mãos dele a responsabilidade:

-Trate toda mulher como gostaria que um homem tratasse a uma de suas irmãs... E eu sempre penso nisto, pois amo muito minhas irmãs, e quero que elas sejam felizes, então eu trato as mulheres –segurou as mãos dela entre as suas- como aquilo que são: damas dignas de afeto, carinho e respeito.

Temeu que ele sentisse suas mãos trêmulas, ou ouvisse seu coração que batia tão alto que logo saltaria pela boca, segurou para não chorar, estava sem reação.

-Não sou perfeito Alice, mas eu não acho justo fazer quem me cerca sofrer- sorriu- você é a primeira moça da varanda que entra em minha vida, descobri ontem, que a poesia de te observar de longe e te mandar cartas deu um novo sentido ao que eu chamava de poesia, e isto me assustou...

Ficou em silencio por algum tempo, parecia estar em duvida se deveria ou não ter dito aquilo...

T Sophie
Enviado por T Sophie em 04/01/2009
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