A Mexeriqueira

Ela não era uma mexeriqueira comum. Era dessas que não ficava na janela da sala por achar que dava má impressão. O negócio dela era outro: gostava de cuidar do bem-estar dos seus companheiros de trabalho, incluindo as classes altas e baixas. Dela não escapava nada, sabia de tudo e de todos. Escutava atrás das portas, corria para atender o interfone e, na cozinha – de onde ela não saía nunca –, ninguém podia atender ao telefone interno, só ela. Não batia nas portas antes de entrar, a não ser que fosse a do diretor, mas, mesmo assim, às vezes “esquecia” de ligar para a sala dele antes de levar o café ou o chá, tirar o lixo ou varrer o chão. Era esperta a coisinha.

Certa manhã veio ela saber qual era o cardápio do meu almoço, ao qual eu respondi não ser nada demais. Ela insistiu e eu desconversei. Era normal, ela insistia sempre. Depois veio perguntar com quem a colega estava falando no celular. Disse que era com um amigo, mas evitei citar o nome, falei que não sabia. Não era só eu, todos tinham medo. O que era feito aqui, era publicado ali e acolá como se fosse assunto de utilidade pública. Depois da briga de namorados lá do departamento do outro andar, a Mexeriqueira passou a ser sinônimo de desgraça. Mas ela não desistia não. Fazia como quem não queria nada e já tinha até inventado um novo método de investigação. Para a minha sorte, fui a primeira a saber qual era. Descobri logo que cheguei ao trabalho um dia desses, quando não achava meu bloco de anotações em lugar nenhum. Tinha deixado na agenda, mas o bendito tinha sumido misteriosamente. A princípio desconfiei, mas aí pensei, “não, não é possível, em ferramenta de trabalho ela não põe a mão, não é particular”, mas eu estava enganada. Num encontro casual no corredor ela me disse, “pelo visto, tem algo importante pra fazer hoje”, não entendi de imediato. Disse um ã? como se não desse a mínima para ela, e recebi outra respostinha dessas que te servem de tapa na cara, “está bonita hoje... parece ansiosa... vai sair?”, aí entendi. Voltei à minha sala e procurei o bloco como se fosse a salvação da minha existência, até que achei. E lá estava: - “R.R. - 19:30 - jantar”. Quando o li e reli por mais uma centena de vezes, relaxei os ombros e pensei, “ela simplesmente não tem a menor idéia do que é isto, mal sabe ler a bichinha...”

Algumas semanas depois, a Mexeriqueira foi transferida. Tinha recebido aumento e o privilégio de servir exclusivamente ao presidente.

Depois da novidade ter deixado de causar surpresas e revoltas, fui chamada às pressas para uma reunião urgente na sala do diretor. Chegando lá, tal qual foi a minha surpresa ao vê-lo acompanhado por sua digníssima esposa e da Mexeriqueira. Ela olhava pra mim e ria, com os olhos e a boca, lambendo os beiços como um gato quando vê sua presa encurralada esperando o bote. De repente, caí em mim: era eu a responsável pela felicidade dela e ela por eu estar ali.

Logo eu, que fugia dela igual o diabo corre da água benta, da cruz e de todo o resto.

Ela e R.R. eram os responsáveis pela minha cara pálida, meu coração acelerado e minha premonição certa de que aquele encontro não acabaria bem.

Olhei para o meu diretor...Roberto Lafaiete Campos Reis, casado, três filhos, bonito, rico e sócio da esposa, que estava ali parada, com os olhos de gavião fixos em mim, sua raiva querendo sair e me jogar para cima e para baixo, para depois me estrangular e cuspir em mim.Tinha destruído a prova do meu crime (o bendito bloco!), mas o estrago já estava feito. Não tinha como negar, mas eu neguei. Não queria chorar ali, na frente dela, mas chorei.Nada disso adiantou.

Me vi assim, da pior forma possível, humilhada, envergonhada, esperando uma defesa que não viria. R.R. só olhava para mim, não falava, não gritava, parecia nem estar ali.

Eu já sabia o que estava por vir e assim se fez, sua esposa me açoitava e a Mexeriqueira ria, discretamente, fina, cheia de si e dona da razão como era.

Perdi o emprego, a dignidade, a companhia e virei mais uma vítima (“o que será que estão falando de mim????”), só por temer demais a Mexeriqueira.

Angélica Nicolosi
Enviado por Angélica Nicolosi em 13/04/2006
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