RELAÇÃO

Tô um pouco de saco cheio, pra falar a verdade, de falar com você quando você passa por mim.Fico meio sem jeito, já, sabe? Nunca tivemos lá muito assunto, se é que só não nos dispusemos a conversar por uns sete minutos apressados nestes dois anos em que nos conhecemos, e qualquer outra possibilidade de prosa, foi-se reduzindo a um “oi” esporádico, um aceno, até chegar no levantamento de sobrancelhas de hoje. A pressa do nosso cotidiano conseguira reduzir até mesmo uma hipotética amizade. Ficara no pré-prelúdio para num curto espaço de tempo, transforma-se no que é hoje: esta ginástica facial diária.

Embora não tivéssemos tido esse tempo, esses sete minutos de prosa pelo menos duas vezes, ou uma na semana, por optarmos em fazer qualquer coisa sempre de alguma relevância efêmera como cantar numa bandinha de garagem e sonhar com o futuro desta, ler um livro bobo recomendado pela nossa tia-avó ou uma revista de horóscopo na menos drástica hipótese (imagine!), o mais estranho de tudo é que a gente não se arrepende de não ter feito diferença alguma na vida um do outro. Pra gente parece de bom tamanho erguer a sobrancelha, “dizer” que se conhece, bancar o “popular”, o simpático.

De fato, se arrepender de não ter o que nunca se teve soa um tanto estranho, mas pra se envergonhar dá! Aliás, é esse meu sentimento pela gente: uma vergonhazinha. Já faz dois anos. Dois. Tempo-muito e só duas sobrancelhas pra arquear!

Por conta disso, andei pensando em uma solução. Não é que eu seja frio, antipático, mas temos de tomar uma atitude sobre a nossa relação – se você concordar, claro. Pensei em não nos encontrarmos mais pelos corredores. Os meios são simples: ou a gente passa pelos corredores opostos, ou podemos vir no mesmo sentido, vindo um pouco mais atrás do que o outro!

Boa, não?Evitaria para ambos encarar esta vergonha que se instalou, além de conseguirmos relaxar a sobrancelha pela primeira vez em dois anos um na frente do outro! Um gesto autêntico e despreocupado, enfim. Só vejo vantagens...

Bom, também há outra hipótese para mudar a relação que seria a de pararmos pra conversar, mas esta é tão remota, uma vez que não abrimos mão do nosso demarcado afã juvenil sempre dotado de uma prioridade torpe, que esta nem proponho. Mas ta aí. Existe, né?

Espero que você compreenda o meu lado e tente não ver maldade.Foi até meio interessante viver isso com você e, por mim, continuamos proporcionalmente amigos, e, como, no fundo, quem foi rei nunca perde a majestade, em algum lugar do meu coração, onde quer que esteja, continuarei levantando as sobrancelhas pra você...

Juliana Santiago
Enviado por Juliana Santiago em 24/01/2009
Código do texto: T1401596
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