O CANO DA PIOLA.

O CANO DA PIOLA.

FlavioMPinto

Onaireves ficava “por conta” quando a ele se referiam como Cano da Piola. Não sabia o porquê. Nunca havia morado lá, nem siquer passava por perto nos seus périplos diários. Porquê a turma do bar era assim? Não entendia. E ainda considerando que a todos despendia a maior consideração e estima.

Quando um deles lhe olhava e falava “cano da Piola” com um sorrisinho maroto nos lábios, era motivo de irritação. No entanto , pensava, “ o que vem de baixo não me atinge “ e deixava correr o barco. Uma rusga antiga.

A Piola , ou melhor a sanga da Piola, dava nome a uma região abaixo do Gazapina e margeava o pátio das casas na Hugolino Andrade. Na parte mais alta, na rua, um imenso buraco contendo um pontilhão, que por seu turno, apoiava uma tubulação preta e comprida que levava água da Hidráulica para a zona do Fluminense e adjacências. Na parte mais baixa, na sanga propriamente dita, a gurizada se divertia pescando lambaris, sapinhos de cola , brincando de navios e as lavadeiras executando seu ofício e caprichando no uso da goma e do ferro a carvão. A sanga ficava a mais ou menos 50 metros de onde hoje é a rua calçada.

E Onaireves era um cidadão baixinho, gordinho, mais parecendo um barrilzinho de chope. Desempenhava a função de Guarda Noturno na Pinheiro Machado e nas horas vagas fazia dentaduras. Tinha bom padrão de vida, em que pese o sustento de nove filhos. Bica, sua patroa, também era gorda. A propósito, a cada ano Onaireves aparecia com uma cria nova não se sabendo nunca se a Bica era realmente gorda ou estava grávida.

Era o casal Peñarol: ele bem pretinho e ela meio aloirada. Viviam felizes e cheios de filhos e carinho.

O que mais intrigava Brizonildes, assíduo frequentador do bar do Baixinho, era como aqueles dois corpos se uniam. Difícil entender como, sempre falava no bar para sua turma. Ás vezes jogava dez mesas de sinuca e a dúvida não lhe saía da cabeça. Mas como? perguntava.

Tinha de descobrir. Daria um jeito. Além disso a performance do Onaireves assustava e o convencia de que algo havia por trás. Ah, que tinha, tinha. Qual era o segredo do amigo? A cachaça com cravo e canela que tomava ao sair do trabalho? Os dois ovos amarelados retirados do recipiente de vidro do bar? Ou a Norteña bem gelada? Que mistério? Ou a Bica? pelo jeito não, e não.

Ia investigar.

Por sorte o casal morava em uma casa sua de aluguel a preço de amigo e não foi difícil ir até lá a pretexto de consertar o telhado e uma parede.

Brizonildes, solteirão, vivia dos aluguéis de casas que comprara e tinha tempo para tudo. Até para investigar, ou bisbilhotar, o amigo.

Diariamente ás 7 da noite, lá ia o guarda noturno para seu serviço: quepe amarrotado pelo uso, talabarte preto bem lustrado e cassetete e um apito estridente como guarda de trãnsito uruguaio enfiado no bolso da blusa e pronto para ser usado a qualquer imprevisto. A cada esquina , depois da dez horas, dava seu apito característico informando que estava tudo em ordem. Trocava informações com outros guardas só com silvos de apito. Conhecia todo mundo e todos o conheciam.

-“ Aí vai nossa segurança” , proclamava Simão por detrás do taco de sinuca e um cigarrinho de palha encardido no canto da boca. Os outros amigos balançavam a cabeça concordando.

- “Vai ser hoje”, se diz Brizonildes.

E assim o fez. Foi até a casa do guarda explicando da necessidade do conserto e colocou um pequeno cano no quarto do casal para espionar.

“ Se ele faz alguma coisa é de dia, pois de noite trabalha. Amanhã tô aqui.”

A partir da manhã seguinte começaria seu trabalho de futricar a vida dos Peñarol.

Desapareceu da sinuca e os amigos perguntavam, quando ele aparecia para tomar sua cerveja, o que estava acontecendo.

“ Negócios” respondia e mais nada.

Até que um dia chega a resposta

Era sagrado: Onaireves saiu do trabalho, foi até o bar tomar seu martelinho com cravo e canela, comeu os dois ovos cozidos e amarelados do pote de vidro, tomou sua cerveja desesperadamente. Foi para casa feliz da vida. De tanque cheio.

Brizonildes já estava a postos.

E aí começaram. Era Bica prá, Biquinha prá lá , Onair prá cá, meu amor prá lá, e muitos abraços e outros carinhos. Foram se deitar.

Tão logo tiraram a roupa, o bisbilhoteiro sai esbaforido e chega correndo no bar.

-“ Descobri o mistério do Onaireves- é o instrumento- preto e comprido como o cano da Piola!. Não volto mais lá. Caso encerrado”.