Apenas um Colchão de Palha

Minha história poderia ser a de qualquer um dos meus conterrâneos. Pobreza, fome, doença, dor, miséria sempre estiveram presentes na minha vida, porém nunca perdi os alvos que estiveram à minha frente; sem eles não teria forças para prosseguir.

Bem que percebia a diferença gritante que havia entre meus colegas e eu. Todos eram pobres, mal tinham o que comer, porém, não viviam em confronto com a realidade. Aceitavam o que a vida lhe oferecia. Enquanto eu reagia de forma contrária. A cada momento hostilizava tudo que me envolvia. Chorava escondida por não ter uma roupa descente, por possuir apenas um par de sapatos ressecos e ultrapassados comprados em liquidação de janeiro para ser usado no Final do Ano. Odiava não poder levar meus amiguinhos em casa e mesmo se pudessem me visitar não teria nada, nenhuma bolacha para lhes oferecer.

Dormia em cima de uma tábua. Não havia camas porque meus pais não podiam comprar. Mas um dia minha mãe voltou de uma visita que fora fazer. Descobriu que uma mulher estava vendendo dois beliches com quatro colchões a um preço razoável. Ela feliz da vida veio buscar o dinheiro e voltou com pressa para trazer a ¨grande pechincha¨ que tinha conseguido.

Limpamos o quarto tirando ¨aquelas tralhas horríveis¨,e, felizes da vida aguardamos com ansiedade a volta da nossa mãe com as almejadas camas ¨novas¨. Duas horas depois ela entra com os ¨lindos beliches desmontados, os colchões ¨aguardavam¨ lá fora.

Nós pulávamos feito cabritos, e, rodeávamos mais do que carrossel em volta dela e do meu pai que acabara de chegar do trabalho. Imediatamente ambos se esforçaram por armar os beliches. Nós apenas ficamos como observadores, cochichando e rindo feito bobos.

Os colchões tinham muitas manchas, porém não queríamos saber do que eram. Manchas escuras, claras, pareciam sangue... Minha mãe muito zelosa passou um pano umedecido numa mistura de água com água sanitária,¨bem fortes¨para matar os micróbios.

Fomos dormir, nos sentindo no paraíso. Sono pesado, sorriso nos lábios, mal percebíamos as picadas que recebíamos. Depois de uma semana, descobrimos o motivo das benditas picadas e do porquê da ¨pechincha¨: tanto as camas como os colchões estavam empestados de percevejo. Como nós não tínhamos percebido logo, e a nossa casa não era rebocada, os malditos se espalharam e se multiplicaram em cada buraquinho.

O que antes havia sido barato tornou-se muito caro e prejudicial, pois minha mãe teve que comprar latas e mais latas de Baygon; Tínhamos calombos e feridas pelo corpo todo. Resultado:Camas e colchões foram parar no quintal e aí começou uma verdadeira batalha. Percevejo x seres humanos. Quem venceu a batalha? Quem? Ouvi bem? Sim, os percevejos!

Não pudemos ficar com as lindas, almejadas e necessárias camas. Minha mãe se desfez delas rapidamente. Os colchões tomaram o mesmo rumo. Todos voltaram a dormir nas ¨deliciosas tábuas¨e passaram-se tempos até que entrasse camas na nossa casa; só que a partir daí, só camas e colchões novos.

Hoje tenho cama e colhões a vontade, e quando decidi jogar um colchão fora, pedi para meu esposo colocá-lo na caçamba logo cedo.No que ele fez prontamente,enquanto eu continuava na minha faxina corriqueira.

De repente, meu esposo volta para casa com um semblante decaído e quando me falou haviam lágrimas nos seus olhos:

_Filha, estou com uma dor no peito!

Apreensiva fui logo imaginando um problema cardíaco. A pressão subira?

Ele rapidamente desfez àquela falsa impressão, mas continuou demonstrando estar sob um peso monstruoso e inquietador:

_Fui colocar o colchão no lixo, mas um senhor me pediu para levar para casa pois estava precisando de um colchão para colocar seus filhos que estavam dormindo em ¨situação precária.

Com lágrimas escorrendo pelo rosto, acrescentou:

_Se eu tivesse condição iria numa loja e compraria colchões novos! Estou de coração partido...Ah,se eu tivesse condições!

Aquele fato me fez recordar os dias que minha mãe andava a procura de ¨qualquer coisa¨que trouxesse certo conforto para os seus filhos. Por muitas vezes até no lixo tirara¨objetos¨que serviriam para alguma coisa. E em tempo de crise, chegara a vender os copos que vinham nas promoções para poder fazer a feira da semana. E até mesmo, apanhara fruta e verdura debaixo das bancas.

Nas horas das refeições era a última a comer, e sempre que havia galinha as partes que lhe ¨apetecia¨eram os pés da penada. Muito raro vi no seu prato um pescoço ou pedaço de carcaça.

Ela era magérrima não porque quisesse ser, nem porque fosse seu ¨calibre¨, mas as necessidades do dia-a-dia lhes impunham a falta de carne.Era só pele e osso.

Quantos pais estão vivendo à mesma situação, e quem sabe até pior? Quantos filhos estão chorando em oculto uma dor que ninguém quer solucionar?Quantas crianças estão jogadas ao relento sentindo fome e frio sem ter quem lhes estenda a mão? Quantos velhos estão abandonados e rejeitados porque uma sociedade que cultua a juventude e a beleza lhes nega um espaço? Quantos bebês estão sendo descartados como uma garrafa, uma lata que se joga por aí? Quantos jovens não têm nenhuma expectativa de um futuro porque em qualquer esquina trocaram seus sonhos por um punhado de droga?

É hora de sairmos desse comodismo e colocarmos uma gota de amor nesses botões que um dia poderão tornar-se belas rosas. Basta uma gota. Seja eu, seja você essa mão de ajuda. Um sorriso, um abraço, uma orientação, um carinho, um minuto apenas não nos custarão nada. Mas para alguém fará diferença, quem sabe para a vida ou para a morte.

Ione Sak
Enviado por Ione Sak em 14/02/2009
Reeditado em 12/01/2010
Código do texto: T1438819
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