O DURO CAMINHO DE VOLTA

O DURO CAMINHO DE VOLTA

Como único sobrevivente de um acidente aéreo, fiquei perdido, no interior de uma densa mata, por cerca de 10 anos. Contando 15 anos, quando do ocorrido, meu caminho de volta teve início, procurando o que comer, como me abrigar e me proteger dos imprevistos ou possíveis ataques de animais selvagens. Obviamente, os obstáculos e dificuldades, além dos perigos que correria ao longo desses dez anos, se somados, não completariam 10% do total imaginado naquela primeira noite de solidão e insegurança.

A vida passa em qualquer circunstância em que nos encontremos e, a somatória dos fatos ocorridos no quotidiano é que nos qualifica, adequando-nos às exigências do universo em que estamos, impondo-nos limites individuais e a argúcia suficiente para que possamos vencer, mesmo em condições adversas.

O grande sacrifício imposto às ações que nos obrigamos nos primeiros dias, diante do desconhecido, são quase que desnecessários no dia a dia, após seis meses de sobrevivência. Ademais, muitos dos inimigos e imprevistos observados nos primeiros dias, passam a ser cúmplices e indispensáveis ao nosso bem estar, colaborando para que consigamos um bom desempenho, demarcando sobejamente o nosso território, autorizando-nos, conseqüentemente, a dominar e administrar aquele universo. Isso é apenas uma contraprova do discernimento que possuímos e inevitavelmente, a maior barreira para que consigamos ser, de verdade, imparciais, não preconceituosos e solidários com os demais seres vivos, nossos parceiros de todos os momentos.

Ao longo dos anos meu caminho foi apenas um, rumo ao norte, estabelecido ainda na primeira semana após o acidente. Muitas foram às cabanas, luas e sóis deixados para trás, tais como caças, objetos de uso pessoal e restos de consumo. A idéia fixa, apenas uma, reencontrar aquele mundo em que vivi até meus quinze anos, com muito conforto, facilidades e milhões de informações disponíveis a qualquer instante.

Nada poderia demover-me desse futuro reencontro, sonhado em todas as noites, ardentemente desejado em todas as manhãs, presente nas minhas lembranças, veemente e reproduzido em angustiosos momentos e carregado de saudades das coisas boas que a vida havia me oferecido.

Foram dez anos de solidão, de esperança, sobrevivendo com o mínimo indispensável. As ambições faziam parte apenas dos meus sonhos, colocados ainda em situações futuras. Era um talvez consiga ou quem sabe um dia encontre a saída mas, desistir jamais ! O tempo era implacável, à medida que enrijecia meus músculos, amolecia meu coração. As lembranças da civilização, da cidade grande, eram cada vez menos significativas. A pujança da mata, o correr das águas, as cortinas das cachoeiras, não tinham rendas, não esmaeciam em suas cores, não se turvavam, não se rasgavam e conseguiam realizar verdadeiras metamorfoses quase que diariamente. Dez anos de solidão e angústia. Angústia que por vezes quase levou-me às raias da loucura ao sentir o peito vazio, o coração sem compasso e a mente à deriva. Porém a fé, a persistência e a expectativa, numa bela manhã de primavera, colocaram-me diante do portal que há dez anos, ansiosamente, buscava. Ali estava eu, atônito, sem palavras, diante das cenas guardadas em minha lembrança dos 15 anos, exatamente iguais, bem ali, novamente ao meu alcance, dizendo-me: Venha! Vamos embora! O que está esperando? Voltei-me, um instante, por instinto, sem anseios ou ambições, nem mesmo desejos ou solidão, só com as lembranças e caminhei, celeremente, sem vacilar, de peito aberto, coração palpitante, simplesmente livre. Apenas caminhei, na trilha que me trouxe em seu sentido oposto, para, enfim, chegar no local aonde escrevi esse conto e, também, de onde lhes enviei, o local do acidente ocorrido há dez anos. Hão de compreender-me porque, sem dúvidas, o tempo é implacável.