COMPROMISSO INADIÁVEL

Lançou olhos para o relógio pendurado na parede pela segunda vez. Fazia 10 minutos que terminara de almoçar brevemente, já que as tarefas do escritório demandavam ainda mais tempo. Contato com clientes, envio de mensagens eletrônicas, planilhas, reuniões – porém, só uma coisa a preocupava o tempo todo. E o inimigo de braços pontudos parecia zombar dela, pois o tempo teimava em se arrastar naquela tarde modorrenta.

Helena parecia mais angustiada naquela tarde. Em casa, aquele ritual já havia se incorporado a sua rotina há 8 meses, e nos últimos tempos sua preocupação em cumpri-la era tamanha a ponto de sentir uma ansiedade cada vez mais intensa. Lembrara de haver sentido a mesma sensação quando, nos tempos de faculdade, fora a um encontro romântico em um cinema do centro da cidade. Tremor de mãos, pés irrequietos, respiração profunda. Tudo muito parecido.

Decidiu então mergulhar de cabeça no trabalho e tentar esquecer por ora sua preocupação. Tirou até seu relógio de pulso, presente de seu pai no seu 19º aniversário, só para não olhar as horas nem por distração. Bem mais tarde, ao olhar o inimigo pendurado mais uma vez, notou que, para seu alívio, seu expediente já estava bem próximo do fim. Ajeitou as coisas em cima da mesa, guardou documentos, salvou arquivos no computador, desligando-o em seguida, e voou para o elevador. Helena apertou quase que impacientemente o botão, e para sua decepção, o elevador ainda estava no terceiro andar. O seu era o décimo. Começou a andar de um lado para outro, se segurando para não amaldiçoar o ascensorista. Quando o elevador chegou, entrou rapidamente. Nem respondeu ao “boa noite” que ouviu do pobre funcionário. Sua mente estava irrequieta, achava até que sua pressão estava um pouco alterada, nada grave, mas sentia isso. Chegando à garagem do prédio, dirigiu-se a passos apressados para o carro. Viu colegas de trabalho que também se preparavam para deixar o prédio, mas os evitou. Sabia que estavam combinando um animado “happy hour” para aquela noite, mas Helena já tinha um compromisso inadiável. Pelo menos para ela, era bem isso. Entrou no veículo, lançou a bolsa no banco do passageiro, e saiu às pressas. Ao chegar na avenida principal, uma frustração maior ainda: um congestionamento monstro se alastrava pela cidade. Não contava com isso. Ou melhor, contava sim, mas não com um trânsito tão grande quanto aquele. Mãos ao volante, ficou a imaginar que horas eram. Olhou para o pulso. Franziu a testa – Helena esquecera seu relógio na gaveta de sua mesa, justamente para não ver o horário. Ligou o rádio, e o locutor informara que havia um ônibus quebrado exatamente no caminho que ela passaria. Respirou fundo, não tinha o que fazer. Chegaria atrasada, mas, qual o remédio? Tentou relaxar, tamborilando seus dedos no painel do carro. Quase teve o ímpeto de sair do veículo e ir à pé. Descartou esta hipótese. Não falou, mas pensou alguns impropérios ao longo da uma hora e meia que levou até atravessar um percurso que normalmente tomaria apenas vinte minutos.

Ao chegar em casa, lançou sua bolsa em cima da cama e as chaves no criadomudo. Decidiu tomar banho só depois – não daria mais tempo. Ganhou o corredor e lançou-se sobre o sofá, onde sua mãe já estava vidrada na televisão.

- Começou agora?

- Já está na segunda parte. No intervalo te conto como foi.

- Helena suspirou fundo, enquanto um filete de suor contornava seu rosto. Detestava perder uma parte sequer da novela. Seu dia sempre terminava com uma forte enxaqueca.

Marcio Roque
Enviado por Marcio Roque em 20/02/2009
Código do texto: T1449695
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