.45

Dia estranho.

Fumei minha cigarrilha com um certo desespero que pairava no ar.

O dia estava bem quente e o clima bem ruim.

Minha pele ardia no calor. Ir ao mercado diariamente era a hora mais detestante do dia. Caminhar 500 metros se tornou um sacrifício.

É o segundo dia que não vou trabalhar.

Quarta-feira:22:30 minutos: meu colega de apartamento entra em meu quarto e diz que foi assaltado. Quando ele disse a palavra “assaltado”, minha alma encheu de ânimo. No momento dessa palavra descobri que o que faltava em minha vida não era vida, mas o risco de perdê-la.

Não sei, algo dentro de mim me chamou para o perigo.

Mandei-o acionar a polícia, não que isso ia resolver alguma coisa, mas eu só queria dar mais emoção a cena.

Dentro de mim levantou-se algo que estava caído. Vesti minhas vestes e escovei os dentes. Eu sempre esqueço minha carteira, ou meu celular, ou minha identidade, ou minha blusa, ou às vezes calçar o par certo do tênis, mas eu nunca esqueço de escovar os dentes.

Obviamente que a policia não veio. Nenhum policial quer dar atenção a um mini bairro de pessoas patéticas de classe média, mesmo assim fiquei em frente ao meu edifício, na espectativa de algo mais ocorrer. Mas nada ocorreu.

Então resolvi conversar com o porteiro de onde moro e soube que ele poderia me arranjar uma .45 por R$350,00. Se eu já estava contente, com essa notícia fiquei alegre.

Rapidamente falei que compro... e comprei.

Uma .45 está a minha frente agora, e a trato como uma pessoa. Converso com ela, fico apreciando sua beleza, retiro a munição e atiro no vazio, somente para sentir o click do apertar do gatilho.

Muitos pensam que a função dela é a morte, mas para mim a função dela é a vida.

Passei horas ensaiando cenas de assassinatos: minha ridícula vida privada.

A verdade é uma só: preenchi minha lista com todas as pessoas que queria que morressem (ou eu matesse). Meu coração de rancor se transformou em ira; e minha ira é o calculo perfeito para vingança.

Vingança é a palavra que mais admiro, pois vejo justiça nela. Vejo a consensial ternura entre o justo e o vingativo. Toda justiça penal parte do principio da vingança, pelo método racional eles medem o valor da punição vingativa. Mas quando se mora em um país de merda, não se tem justiça... portanto, não existe vingança.

Entendi que minha vingança só pode ser feita por mim, e minha avaliação irá partir do principio que todos devem morrer. A pena de morte é o único meio justo de me satisfazer.

Então tenho uma nova amiga. Ela se chama Sra. Vingaça e ela será minha procuradora, minha representante que irá falar tudo aquilo que meu coração quer falar.

O que eu sinto nasce do coração, estende-se pelo meu peito, passa pelo meu braço, atinge minha mão e faz meu dedo pressionar a alavanca para a Sra. Vingança falar.

Eu sempre pensei em como as pessoas que eu iria me vingar ficariam momentos antes de suas mortes.

Seriam 2 prazeres: o poder e a vingança.

Poder e vingança são irmãs. Eu amo o poder e a vingança. Não por que as tenho, mas é justamente pelo fato de não a ter que as amo.

Minha .45 me oferece poder e vingança a partir da minha vontade.

Já não tomo meus anti-depressivos, meus medicamentos para crise de pânico e meus calmantes. Eu deixo brotar em mim algo parecido comigo: feito de tristeza, crueldade e morbidez.

Ainda me pergunto: “Por que ainda não cometi um crime?”

O que faz alguém pensar que estou errado. Quem são essas pessoas que pensam que podem me julgar. Elas não sabem o que passei nem o que essas pessoas representaram para mim.

Minha .45 me entende. Ela está ao meu lado. Ela é minha amiga. Ela gosta de mim.

Minha .45 é tudo que eu preciso para poder viver.

Não importa o que faço, não importa minha vida, não importa quem sou... só importa o que eu sinto.

Plínio Platus
Enviado por Plínio Platus em 21/02/2009
Reeditado em 03/04/2009
Código do texto: T1451135