EVANGELISTA DOS ANJOS O BOM PASTOR

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Era Evangelista dos Anjos, um homem robusto, bonachão, amigo duma boa prosa e até certo ponto finório. Vivia do ofício de pastor, que adotara  por vocação. De ambições modestas, seus bens estavam colocados nas mãos de seus fiéis que lhe davam a afortunada felicidade de viver independentemente; que, na verdade, era seu maior bem. Não invejava ninguém e ninguém o invejava. Todos o conheciam por muito religioso e o maior moralista da cidade. Sabia de cor quase toda a Bíblia - Antigo e Novo Testamento. Não lhe escapava ninguém, quer fosse branco, negro ou amarelo, quer católico, espírita ou ateu; a todos queria converter com longos e inflamados sermões. Morava nos fundos do templo e beirando às sete da manhã, começava sua peregrinação pelos bairros da cidade, que só acabava às cinco da tarde, porque o culto, em seu templo da fé, começava às dezenove horas.

Dizia, sempre, aos amigos, que para se ser um bom pregador, dever-se-ia, antes de tudo, não ter paixões. Jamais amar mulher nenhuma. Para ele não era tão difícil, pois ao ver uma beleza perfeita, dizia para si mesmo: “Essas faces, um dia, se enrugarão; esses belos olhos se cobrirão de vermelho; esses rijos seios se tornarão flácidos e pendentes; essa linda cabeça perderá os cabelos. Basta olhá-la com os olhos do futuro que a veria e, então, essa beleza não há de virar a minha cabeça”. Nem por sombras podia imaginar que os olhos do futuro, com uma boa lente de contato, estariam voltados para o butox, o silicone, os implantes de cabelo, etc., etc.

Depois, resistir às tentações de uma boa mesa e a sedução de bebidas deliciosas. E se, no caso, a valentia enfraquecer, bastava imaginar as conseqüências dos excessos: a cabeça pesada, o estômago virado e arruinado, perda da razão e, sobretudo, da saúde. Finalizava dizendo que comia só o necessário, por isso tinha ótima saúde e idéias puras.

Estava, certo dia, a sair de seu templo, para mais uma peregrinação, quando viu duas novas almas passarem debaixo de seus olhos. Uma aparentava bastante idade; a outra era jovem, bonita e parecia muito preocupada, pois suspirava e chorava; o que lhe aumentava a beleza. Evangelista, seguro de não se entregar à beleza da moça, pois nunca teve gosto dessa fraqueza, ficou penalizado com a aflição daquela alma. Imediatamente abordou a jovem com a pura intenção de aliviá-la do sofrimento. A jovem, com o ar mais ingênuo e comovente deste mundo de Deus, contou-lhe que morava com o padrasto e que ele apoderara-se dos seus bens e os de sua finada mãe. Além disso, temia a violência do padrasto. “O senhor - disse-lhe ela - poderia acompanhar-me até minha casa; estou certa de que com sua eloqüência convenceria meu padrasto e me tiraria desta horrível situação que me encontro.” Evangelista, confiante em seu poder de persuasão, não hesitou em acompanhá-la, passar um bom conselho ao padrasto dela e até quem sabe convertê-lo.

Lá chegando, o pregador achou meio estranho aquela casa: quase fora dos limites da cidade, pintada com cores berrantes; muito bem conservada em relação às demais da região. A jovem conduziu-o para uma sala pintada de vermelho e cheirando a incenso de farmácia. Fê-lo sentar em um largo sofá e sentou-se ao seu lado, mantendo as pernas cruzadas, afrontando Evangelista.

Linda (esse era seu nome) pegou uma pasta de documentos que estava na mesinha de centro e, apertando a pasta contra os seios, baixou os olhos (de onde escaparam algumas lágrimas). Diz ao pregador que ali estavam relacionados os bens que seu padrasto havia se apoderado. As suas frases eram cheias de comoção, que se redobrava sempre que os dois olhavam-se. Evangelista pega a pasta apertada contra o peito de Linda e, nesse ato, sua mão roça o seio de Linda.  Sentiu, então, maior desejo de socorrer aquela criatura tão honesta e, desgraçadamente, infeliz. No calor da conversação, o pastor aproxima-se de Linda para aconselhá-la mais de perto; deu-lhe conselhos tão carinhosos que nenhum dos dois podiam mais se concentrarem na pasta. Evangelista, naquele momento, esqueceu que era pregador, que tinha idéias puras, esqueceu de tudo; nem mais sabia onde se achava.

Já estavam naquele ponto em que não se tem volta, momento em que o instinto mata a razão, quando, de repente, entra em cena, o padrasto de Linda. Saca o revólver e ameaça matar Evangelista. Linda agarra-se ao padrasto, para proteger o pastor, que estava mais branco que vela de igreja. Implora-lhe, sucessivamente, perdão. Este, diante da insistência da enteada, amaina sua ira; diz-lhe que poderia perdoar tudo, mediante uma consolável quantia. Evangelista que nem conta bancária possuía, queria sair dali ileso e o mais rápido possível. Não encontrou alternativa, senão oferecer como pagamento do perdão, a escritura do terreno onde edificara o seu templo da fé; que, com certeza, iria ser transformado em um magnífico bordel.

Evangelista dos Anjos (ou da anja) logo após entregar a escritura do terreno para o padrasto de Linda, desapareceu, levando consigo uma cara lição: o quanto perigoso pode ser uma beleza perfeita, aflita. Nunca mais foi visto na cidade. ®Sérgio.

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Se você encontrar erros (inclusive de português), relate-me.

Agradeço a leitura e, antecipadamente, qualquer comentário.Volte Sempre!

Ricardo Sérgio
Enviado por Ricardo Sérgio em 06/03/2009
Reeditado em 06/08/2013
Código do texto: T1473096
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