COSTUMES DE UMA CIDADE DO INTERIOR DE MINAS

COSTUMES DE UMA CIDADE DO INTERIOR

O fato aconteceu num sábado logo após a quaresma do ano de 2006, depois do nascimento de Jesus Cristo, nosso querido e amado irmão. A cidade era pequena como tantas do interior mineiro e do Brasil. Como ocorria em outras cidades e comunidades rurais era costume tomar banho de verdade somente aos sábados, isto se houvesse na cidade algum acontecimento social de relevância. Nos demais dias da semana o costume era tomar banho de cavalo. Tal banho consistia em lavar as parte mais suadouras e pudentas usando uma tina, uma bacia ou apenas um vasilha com água e sabão preto, mormente de fabricação do próprio lugarejo.

Naquele dia ele resolveu que não iria tomar banho ou que só o faria à noite antes de deitar-se, depois de um fausto jantar preparado pela sua diligente mulher.

Ele acordou cedo, ao ouvir o primeiro canto do galo carijó e do galo garnisé. Ele fez o café, passou uma água nas mãos e no rosto e foi deliciar-se com pedaços de broa de fubá feito pela dileta esposa. Ato contínuo saiu para o alpendre e enquanto vagava os olhos no horizonte azul da matina sorvia bons tragos de cigarro de palha e ficava a matutar o que faria de bom naquele lindo dia ensolarado de abril e naquela fresca manhã de inverno.

Sua mulher acordou às sete horas. Seus filhos dormiram um pouco mais uma vez que não tinham compromisso para aquele dia logo pela manhã. Sua mulher depois da higiene foi ao café. Depois foi até o alpendre e perguntou ao marido se havia tratado das aves e dos animais e se tinha ordenhado as vacas, recebendo resposta negativa, pelo que levou uma pequena bronca. O homem retrucou que era sábado e que não estava muito a fim de trabalhar logo pela manhã e que não tinha compromisso legal. Sua mulher então disse: Isto é o que você pensa. Está esquecendo homem, hoje é dia de casamento. E o homem argumentou: estou não. Só que a água vai acabar às três horas da tarde.

E o dia passeou pelas nuvens e pelo firmamento. Chegou o horário do almoço. As horas passavam lentamente em sua agonia sabatinal. O homem saiu para a rua a passear, a cumprimentar os transeuntes e para tomar sua tradicional cerveja com os amigos de copo no bar do Cirilo. Ao chegar no bar ele perguntou: A água já acabou? Recebendo como resposta um sonoro NÃO do balconista. Então pediu uma cerveja bem gelada e foi sentar-se à porta do bar à espera dos amigos de gole. O primeiro a chegar foi o Tuquinha, que também perguntou se a água havia acabado. Depois chegaram tantos outros companheiros, amigos e vizinhos com a mesma pergunta recebendo a mesma resposta negativa do balconista.

Com todos já sentados à porta do bar a prosa começou a rolar solta e a amarelinha a ser consumida com gosto. Causos e mais causos foram contados, a vida alheia fora o alvo, como sempre, de boas piadas e de boas risadas. O Tuquinha contou o causo do compadre que comprou um touro forte e lhe botara o nome de Rosalino. Os dias se passaram e o touro nada de mandar brasa nas vacas, mas era preguiçoso e só gostava de ficar deitado à sombra das mangueiras no meio do pasto. Então um peão comentou: Deve ser um touro boiola. O Tuquinha disse: Sei não. Só sei que agora o nome dele é: Ex-Rosalino.

E as horas iam passando. Vez em quando alguém olhava para o relógio e comentava: Será que a água já acabou? E o balconista respondia negativamente. Muitas cervejas foram consumidas pela turma. Lá pelas tantas o grupo começou a dispersar-se, cada um foi para sua casa resfolegar-se e almoçar. A mulher do homem lhe perguntou: como é já tomou seu banho? E a que horas vai desfazer-se desta barba e cortar esta juba de leão do norte? E o homem respondia: daqui a pouco mulher... Daqui a pouco. Primeiro quero mais é encher o bucho de comida. O que temos para comer? E a mulher respondeu: galinhada e couve com angu.

O homem depois do suculento almoço resolveu tirar uma soneca. A mulher foi para o salão de beleza enfeitar-se para o casório e os primeiros foguetes explodiram-se na pequena cidade, hoje, em festa. Até a meninada do lugar estava mais brincalhona e mais festiva. Afinal, nem todo sábado havia casamento na cidade e guloseimas de graça. O Mateus acabara de chegar da fazenda e disse que havia matado três bois e três cabritos, sem contar os porcos de seis meses, tudo para o casamento. A estrada estava patrolada e que havia muitos visitantes na cidade. A festa seria de arromba mesmo e que duraria a noite inteira.

E chegou a tarde. O homem já tinha acordado da sesta. A mulher já tinha chegado do salão. E a maioria das crianças estava de roupa nova e calçado novo. E o homem mais uma vez perguntou: A água já acabou? E a resposta foi negativa mais uma vez. O homem então foi ao banheiro com um espelho na mão e retornou sem a barba e o bigode. E a sua mulher perguntou: E o banho? E ele respondeu: Calma, mulher, uma coisa de cada vez. Primeiro vou tomar um gole de café, segundo vou fumar meu cigarro de palha. Depois vou pensar no seu banho, pois, me dá arrepios só de pensar na água.

E as horas passavam e veio as três horas da tarde, hora em que o Mané desligava a água da cidade. E naquele dia a água não acabou. O homem, resmungando e praguejando contra o Mané, teve que banhar-se. E anoitecera outra vez. E aquele sábado, ao menos a metade da população, naquele sábado de casório, teve que banhar-se e os parentes e amigos tiveram que assistir o casamento da Bebel com o Zé Aparecido, naquela noite, de banho tomado e de roupa limpa. Parte da população estava cheirando a água de colônia. Só não direi o nome da cidade em respeito aos seus diletos cidadãos nem direi o nome do homem, pois, a discrição e o nome do santo estão na boca do povo e o caso é apenas mais um onde a água é um bem precioso e que, tradicionalmente, todo santo dia, acabava às três horas da tarde na cidade, menos naquele sábado, dia 29 de abril, quando Bebel, finalmente, disse o sim para o Aparecido, e, resolveram juntar as fazendas, as escovas de dentes e os trapos. A festança em comemoração ao casamento foi limpa e rica e durou até o domingo.

E a partir daquela data a água nunca mais acabou aos sábados naquela cidade, tendo o Mané perdido o emprego na prefeitura. Alguns meses depois comentou-se, no bar do Cirilo, que o Mané também não gostava de tomar banho nem aos sábados.

Bebel engravidou-se, e, agora o comentário geral era o de que todos tomariam banho para o batizado do rebento de Zé Aparecido, que estava previsto para um sábado, como o de costume naquela pacata cidade interiorana mineira.

F I M.