OVERDOSE

Não resisto a um espaço em branco, nem de um passo em falso fácil desisto. Quero sempre preencher, endireitar. Uns falam em perfeccionismo, outros dizem se tratar de obsessão. Há ainda quem insista na presença constante de conotações sexuais em minha arte. TOC TOC - deixem-nas entrar! Deve ser coisa da cabeça desses prepuciosos, algo que nem Freud explica então. E quem afinal sabe das mulheres? Está o sexo em toda parte. Minhas partes tiram a conclusão ao passar perto de um poste mal iluminado e que, de repente, reacende todo fálico. Quando me excito, sai de mim o líquido tal catarata do Viagra. Em minha expressão, mesmo não expressando nada, imprime no gozo algum mistério. O nonsense faz sentido, penetra ação.

É aí que está a graça, porque de graça nada se dá hoje em dia, a não ser por paixão. O preço que se paga por amar é alto demais e por isso se bebe para ficar na mesma proporção. O amor torna cego quem pagou os olhos da cara. Gosto de escrever em primeira pessoa, falar de terceiros é falta de educação. Isso não significa dizer que tenha imenso tesão ao falar de mim mesma. Muito prazer, queridos, mas nem tudo o que digo sou eu, também tenho muito de pretensão. Quero ser tanta coisa e acho que tão pouca faço... Pouco causo.

Se o mundo me cobra, cobro mais ainda de mim. O mundo é uma Anaconda! Tanta gente não faz nada e enrica, se bem que geralmente quem é rico não faz nada no fim, nem natação. O nada é tão incrível que me faz querer aprender a nadar. Esse "nadar" acarreta assistir filmes em telões de plasma, cavoucar um caviar ali, beber do melhor vinho acolá, viajar pelo planeta, conquistar uma gama de amigos pedintes, sentir um imenso vazio e passar a viver de caridade como que por culpa cristã. Imediatismos. Tudo demais é prejudicial, o excesso leva ao desgaste e o doce preferido, quando rotineiro e muito, fica enjoativo.

Sei lá, só o que quero é trabalhar com o que gosto sem passar fome e sem gastar tudo com remédio. Saúde não se vende, aluga-se só por uns dias, enquanto se eleva a imunidade com otimismo de Best Sellers da auto-ajuda. Mas todos se preocupam com o umbigo como eu faço nesse instante, sem saber se fui lida caso não obtenha retorno. Para quê? Quem tem paciência? Nem eu me suporto, às vezes. Ora, "fui lida"... Tão estranho personificar minhas palavras, tão possessivo isso. Que minhas palavras o quê?! Elas são universais e, ao mesmo tempo, nem servem para tanto. O certo é que nenhuma torta diz "eu fui comida", pois é fato consumado e consumido: ela sempre foi e continuará sendo comida - alimento. Mesmo que se tome um chá de sumiço com ela, o que ficam são arquétipos, as fôrmas fazedoras de novas tortas seguindo um padrão pré-estabelecido por alguém de status superior no ato da criação. Isso até alterarem a forma, na anarquia fast-food do dia a dia. A essência, seja de baunilha ou de chocolate, permanecerá.

Então, quando encontrarem a fórmula da felicidade, com certeza alguém dará um jeitinho brasileiro de tirar uma cópia, lançará mais genéricos e o efeito colateral será inigualável. A verdade é que a maioria prefere esperar por outrem, daí pegam o bonde com meio caminho andado, já achando que do céu cairá todo o bem. Tudo é relativo quando se trata do absoluto. Talvez fossemos mais equilibrados se não falássemos tanto em bem ou mal. Tudo está interligado, não vemos quantas conexões são feitas por milésimos de segundo. Tantos planos de segunda mão por serem deixados em segundo plano sempre às segundas-feiras. Se somos tão preguiçosos, por que razão mal aprendemos a ganhar um lugar que não o primeiro? Somos todos uns limitados.

Minutos antes falava de arte, sexo e outros vícios humanos com exatidão, quando só agora minhas células nervosas deram conta de que a perfeição é logo ali no reino do céu, do mel, do nosso pão de cada dia amassado pelo diabo saído da garrafa. Estou calma, demasiadamente calma. Eu, que há meia hora pensava em morrer por overdose na in(di)gestão de um frasco inteiro de Maracujina líqüida. Que morte patética eu teria, embora fosse por uma boa causa. Efeito: haveria um tempinho só para mim, mais moroso, sem aquela exigência toda do mundo moderno, do mundo que eu pararia por me sentir enfim um Deus, alguém com a identidade preservada por toda uma eternidade.

por: PAOLA FONSECA BENEVIDES