A noiva abandonada

Esta história eu escutava praticamente desde que nasci. A história do casamento de Sofia, irmã da minha avó. Na realidade, um casamento que jamais acontecera. Por isto que era tão falado e comentado, mesmo depois de 50 anos do fato.

Os passos de Sofia nas noites escuras do casarão eram ouvidos por muitos, principalmente pelos mais velhos, aqueles que a conheceram e vivenciaram seu infortúnio de ser abandonada no altar. Um pedaço do véu de gaze encontrado em um canto da casa. Ou o farfalhar das rendas do vestido branco pelos corredores escuros. Sofia era lenda e era real. Abandonada no altar com apenas 17 anos - minha idade! – enlouqueceu aos poucos, para desespero da família. O noivo desapareceu, simplesmente. Não deixou carta nem explicações. Somente lágrimas. Sofia, enquanto viva, ficava sentada no jardim esperando o amado, durante o dia, sob sol ou chuva, calor ou frio. À noite, vagava pelos corredores, num lamento sem fim. Sua agonia durou pouco mais de um ano, quando a encontraram enforcada em uma árvore do jardim, roxa e com a língua de fora. Morta, as pessoas continuavam a vê-la sentada lá fora e seu espectro aparecia ora para um ora para outro, sempre nas noites escuras do casarão. Das vezes que dormi na casa da minha avó, nunca escutei passo algum. Também nunca fui ao banheiro de madrugada para me preservar de algum encontro sobrenatural.

Porém Sofia visitou meus sonhos quando me apaixonei pelo meu primo. E não foi um sonho muito agradável. Vi-me pendurada na mesma árvore em que Sofia tirara a vida e acordei gritando. Despertei a casa com meus berros e os mais velhos acharam que fosse Sofia. Meus gritos eram iguais aos dela, segundo eles. Odiei a comparação. Desde aquela noite em que eu e Sofia nos encontramos, evitei dormir no casarão. Não queria um fantasma para agourar minha paixão, que no final das contas, foi mais breve que eu desejava.

E Sofia… continuava habitando o imaginário da família de geração em geração. Eu mesma gostava de olhar suas fotos antigas, o rosto inocente, o cabelo escuro descendo pelas costas e a boquinha em forma de coração. Havia também fotos do sem vergonha, claro. Um homem mais velho, de bigodes pretos, parecendo muito sério. Por que ele fôra embora? Por que abandonara minha pobre tia-avó no altar, envergonhando-a na frente de toda a cidade?

Minha avó morreu sorrindo e dizendo enxergar Sofia no canto do quarto em seu vestido de noiva. Mais tarde, o casarão foi vendido. Depois, construíram um prédio de dez andares no terreno. A árvore de Sofia continuou no mesmo lugar. Anos depois passei pela frente do edifício. A cidade crescera. As pessoas que conviveram com Sofia foram morrendo e junto, as lembranças da noiva abandonada. Fiquei parada na calçada, olhando para frente e enxergando o passado. Surpreendi-me quando parou um homem bem velhinho ao meu lado. Os ombros estavam curvados, os cabelos muito branquinhos, mas seus olhos brilhavam intensamente. Ele revelou, sem olhar para mim, sua voz vinha do fundo da garganta:

- Há muito tempo atrás existia aqui uma casa. E nesta casa, morava uma moça muito bonita e eu me apaixonei por ela. Firmamos casamento, mas fiquei doente, achei que fosse morrer e a deixei no dia do casamento. Como você vê, eu não morri. Quando pensei em voltar, descobri que ela estava morta. Sofia, era o nome dela. Sofia. Então eu sempre vinha visitar a casa, às escondidas, para matar a saudade. Parecia que eu a via sentada no jardim, esperando-me. E para minha tristeza, descubro que hoje a casa não existe mais. Acabou de verdade agora. Acho que eu devo partir também.

Ele foi embora, com seus passos trôpegos. E eu fiquei parada, no mesmo lugar, atônita, angustiada, com o meu coração disparado. Pobre Sofia. Se ela não houvesse posto fim a sua vida, haveria uma chance para o amor. Meu coração sangrou. Acho que foi por isto que decidi escrever um livro sobre ela. A diferença é que o final será feliz.

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 07/05/2006
Código do texto: T151870