O Jantar

- Você já pôs óleo e sal na água? – o rapaz tentava auxiliar em algo enquanto arrumava a mesa e cuidava dos preparativos para o jantar.

- Já sim, não se preocupa, eu já vou por a carne moída na panela – a garota, concentrada, refogava alho e cebola em uma panela média.

A cozinha, pequena e aconchegante, garantia a proximidade do casal que se esmerava na preparação de um jantar especial. Com cuidado, ela mexia vagarosamente na panela agora acrescida de carne, o silêncio temperando a comida de uma maneira toda especial...

- Eu vou por o macarrão na água então? Tudo bem?

- Tá. Eu vou por um pouco de pimenta do reino aqui, pode ser? – com um sorriso de canto de boca, a garota, que sabia da preferência dele por comidas não apimentadas, deu uns passos e pegou o vidro de pimenta – Nossa! Droga, eu preciso fazer uma ligação, esqueci, é aniversário de um amigo meu!

- Vai lá, não tem problema não, eu faço o molho pra você, pode deixar que eu tempero.

Não havia telefone na casa; com algumas palavras e uns passos apressados ela saiu porta afora, ligou o carro e partiu em busca de um telefone público.

A casa estava mais solitária do que nunca. Enquanto a carne moída na panela era temperada (com sal, pimenta e um tablete de tempero concentrado) o pensamento motor deste jantar pegou-o de assalto. Todo o deleite da convivência entre eles, dentro em pouco se alteraria muito... O cotidiano de almoços, jantares, sorrisos, conversas, prazeres, toques, sonos, sonhos e suspiros, deixaria de ser. O cotidiano - menos enfadonho ou mais atroz? - transformar-se-ia em saudade, porém com a esperança dos encontros; e com a beleza que a distância proporciona.

Há um ditado que diz que para se conhecer uma pessoa verdadeiramente tem-se que comer um saco de sal junto a ela, dia a dia, no tempero das comidas, nos molhos etc.

- Quanto sal será que já comemos juntos? - imaginava ele. O suficiente pra me deixar sentindo um vazio, e para me deixar feliz, por saber que nossa força continua e que a distância nós vai servir de combustível, para ser cada vez mais, para viver cada vez mais, para amar cada vez mais!

Um motor de carro lá fora, e em seguida o barulho na porta acusou a chegada da garota. O molho já estava quase pronto, com todos os ingredientes pedidos, com a carne cozida e com o molho de tomate misturado a ela.

- Não o achei em casa... Mas tudo bem. E você conseguiu aí? - ela entrava perguntando, enquanto deixava suas coisas em cima do sofá da sala.

- Acho que já está pronto, o molho ficou um pouco oleoso, mas... Não sei parece aguado...

- Ah! Que nada, parece muito bom, é só deixar mais um pouco no fogo. Eu nem vou provar porque sei que está delicioso, e, além disso, tem o efeito surpresa, Hahaha. Ah, você pode pegar o vinho, por favor?

Pra ela, a situação também não era fácil. Apesar da felicidade que sentia por voltar a morar na casa dos pais, mudar totalmente seu cotidiano e se distanciar de pessoas que tanto ama não seria fácil.

- Então é isso, está pronto, vou escorrer o macarrão.

Ele levou a panela até a pia e fez o anunciado, enquanto ele fazia os preparativos finais; ela cuidou para que o macarrão voltasse a ficar dentro da panela, dessa vez já pronto, sem água.

O vinho tinto fino suave foi pego, um “Miolo”. Sentaram-se à meia luz com os pratos já cheios da apetitosa macarronada e as taças cheias do bom vinho, companheiro de tantos momentos triste-alegres como aquele.

A mesa era estreita, os comensais postos um à cada ponta, separados por pouco mais que um metro de distância. Entre eles, pratos, taças e uma garrafa de vinho, nada mais, as defesas haviam ficado do lado de fora da casa.

O computador ligado garantia uma trilha sonora significativa para ambos. O que reinava, para surpresa (ou não), era um espírito de primeiro encontro, com direito a todas as sensações desses intrigantes momentos.

A comida tinha gosto de despedida e um evidente sabor de esperança.