AMBIÇÃO DESMEDIDA

Assaltos, roubos, violência são fatos peculiares das grandes cidades. Isso é o que se costuma imaginar. Pois a ganância de muitas pessoas que se consideram espertas e oportunistas, algumas vezes, extrapola o limite das metrópoles e termina modificando a vida dos moradores humildes de Maragangalha, zona rural do pequeno município de Salvador-BA.

Foi tudo muito rápido e imprevisível. O sol atingia o seu ápice, aumentando, consequentemente o calor daquele lugarejo. Por volta de meio dia, eis que, repentinamente, um bimotor é visto fazendo voo rasante e descontrolado, espatifando-se em seguida num terreno descampado de uma fazenda, chamando a atenção dos moradores daquela região e adjacências. Os quatro ocupantes morreram in loco. Até aí um fato profundamente lamentável e triste, pois toda morte de seres humanos gera consequências desagradáveis. As vítimas desse acidente não eram turistas, mas funcionários de uma Transportadora de Valores e na fatídica viagem eram os responsáveis para trasladar vários malotes recheados de dinheiro, somando a fabulosa quantia de R$5.600.000,00 (Cinco milhões e seiscentos mil reais). Então é aquela história: se o referido acidente envolvesse apenas os quatro ocupantes, o que seria lamentável para a família e parentes das vítimas, não resta dúvida, a repercussão que ocorreu sobre o mesmo não seria tão redundante, uma vez que o tal voo transportava essa exorbitante quantia em dinheiro vivo, isto é, pronto gastar com o que quiser. Portanto, esse súbito acidente aéreo naquele pacato lugarejo transformou-o da água para o vinho. O que antes era tranquilidade transformou-se num verdadeiro pandemônio.

Inicialmente, pela curiosidade dos moradores, assustados pelo barulho da queda da aeronave. Isso foi motivo suficiente para que muita gente se dirigisse ao local. E como o acidente ocorreu numa área desabitada, onde só havia alguma plantação, graças a Deus não atingiu nenhuma casa, o que evitou numa tragédia maior. Quando as primeiras pessoas curiosas e assustadas chegaram ao local, imediatamente constataram, sem nenhuma perícia que, além dos quatro corpos mutilados, havia quatro malotes intactos próximos da pequena aeronave destroçada. Ninguém perguntou ou muito menos se interessou foi em saber como um acidente dessa natureza não provocou um incêndio com maiores consequências. O certo é que, num gesto ousado e rápido, os primeiros curiosos resolveram violar o primeiro malote. O susto só não foi maior porque no seu interior tinha algo que todo mundo sonha, deseja e quer: dinheiro, sim muito dinheiro. Na hora ninguém ali titubeou. Cada um pegava a quantidade que conseguia e corria para suas casas. A notícia se espalhou como rastilho de pólvora pela adjacência humilde, pobre, repleta de tugúrios. Inclusive, ali perto havia um acampamento de SEM TERRA, mais precisamente nas proximidades de uma fazenda conhecida como Nossa Senhora das Candeias.

Não é necessário nem dizer como logo se formou uma grande “romaria” desorganizada em busca do inesperado tesouro alheio. Foi como se até os mortos ressuscitassem movidos também por alguma ganância além túmulo e se infiltrasse entre os vivos (por sua vez, paradoxalmente, mortos de curiosidade e ambição desmedida). Todos, sem exceção, queriam a todo custo, pegar o seu quinhão daquela montanha de dinheiro. O certo ou errado é que tudo aquilo parecia um sonho, o qual não demorou muito se transformar num triste pesadelo. Em poucos minutos todos os malotes foram violados e o rico conteúdo escafedeu-se. O dinheiro era tanto que aquelas pessoas alucinadas, ou melhor, atordoadas não tinham a mínima noção da sua quantidade e muito menos onde guardá-lo. Acostumados apenas manusear surradas notas de pequeno valor, como por exemplo, 1,00, 5,00 e 10,00, quando pegavam agora em cédulas de 100,00 que muitos viam só mesmo na televisão, a dúvida de alguns foi patente:

-“Esse dinheiro é muito novo e bonito para ser verdadeiro!” - dizia alguém assustado e incrédulo.

- “Sabe, parece uma pegadinha da televisão!” - murmurava outro.

Cada uma daquelas pessoas humildes e agora larápias por impulso momentâneo procurava guardar, ou melhor, esconder a sua parte de forma mais inusitada possível. Só não ocultava sob o colchão, pois era um lugar muito manjado e comum. Alguns colocavam uma parte num envelope e enterrava num lugar estratégico no meio da plantação; outro corria ao cemitério e ocultava algumas cédulas em algum túmulo qualquer. Até no sino da pequena capela do lugarejo foi escondido algum dinheiro, sim senhor. E olha que não foi o Padre. Ou terá sido o sacristão? Bem, o certo é que alguém subiu lá e guardou uma pequena quantia. Se for parte de alguma promessa, só mesmo Deus sabia! Mesmo após surrupiarem toda a carga daquele bimotor espatifado, os moradores de Marangangalha não conseguiram dormir tranquilamente. Aquela primeira noite foi muito apreensiva para quem pegou ou não alguma quantia. Para os mais afoitos aquela noite era sempre uma criança. Não perderam tempo. Começaram a gastar aquela grana de várias maneiras. Os mais precavidos aproveitaram aquela oportunidade única e repentina para saldar logo algumas dívidas em algum comércio ou com algum agiota. Outros mais comemoravam aquela façanha inesperada nos vários bares da região, enquanto outros se dirigiam para os cabarés, zonas de prostituição, onde as mulheres foram disputadas, literalmente. O certo é que a farra correu solta pela noite a dentro. Até que o astro-rei, paulatinamente surgia no horizonte infinito, anunciando mais um novo dia aos habitantes do planeta Terra.

Então, logo a notícia repercutiu através dos meios de comunicações: O acidente com o bimotor transportando quase seis milhões de reais que caiu em Maracangalha será investigado o mais rápido possível. A apreensão, o medo não seria maior se no cerne da notícia não fosse o conteúdo da carga, despertando a cobiça de vários estranhos. E foi realmente o que aconteceu. Em pouco tempo, a perícia chegou ao local para resgatar os corpos das vítimas. Ao mesmo tempo vários carros de polícias invadiram o lugarejo e começaram as investigações, para não dizer, invasões nas humildes residências. O objetivo era resgatar o dinheiro que fora saqueado pela população. E tudo foi tão rápido quanto aquele acidente aéreo. E se alguém ali pensasse que poderia simplesmente se esquivar, dizendo, por exemplo: “não sei de nada” ou “não vi nada”, pensando que estava tirando o seu da reta, estava livre, isenta de alguma investigação mais séria, poderia tirar o cavalo da chuva. A polícia não estava ali para conversar, perguntar apenas. Ela queria o dinheiro, isto é, os seis milhões de reais. E os “homens” que eram chefiados por uma delegada, Maria S. demonstravam logo que não estavam ali para fazer turismo. A carga milionária saqueada era o objetivo. O certo é que, sem muito esforço ou ameaça e intimação já conseguiram certa quantia com alguns distraídos bonachões, os quais não demonstraram nenhuma reação ou constrangimento ao devolver uma parte do dinheiro saqueado. Quem sabe, ficariam até aliviados ao devolver algo que não lhes pertencia. Só que o pior estava a caminho. Nesse mesmo dia, e mais precisamente, na segunda noite após o acidente, aquele povoado recebeu uma invasão de “visitantes” de todos os tipos. Alguns chegavam a exagerar na busca do dinheiro. Muitos deles, sem identificação policial nenhuma, invadiam as casas deixando seus moradores atônitos e revoltados. E além dessa aberração, todas as pessoas do local eram consideradas suspeitas até provas ao contrário. Até Padre ou Delegado não estavam isentos de uma possível investigação, diga-se de passagem.

Infelizmente aquele acontecimento desestruturou a vida pacata daquela pequena região. Todos estavam e andavam apreensivos, inseguros. Principalmente as crianças que, por sua vez, não entendiam patavina daquela estranha movimentação em todas as casas, ruas, roças e até no pequeno cemitério. Os adultos também andavam assustados, incomodados. Não viam a hora de aquelas pessoas intrusas os deixarem em paz novamente. Mas, pelo visto, a ganância, a petulância, a ousadia e a violência daquelas pessoas invasoras falavam mais alto. Pois em alguns casos, alguns forasteiros, fardados ou não ameaçavam com chantagem quem não quisesse colaborar, dando algumas pistas seguras, precisas.

Pensando bem, se ali perto tivesse algum Banco, a estas alturas estaria com depósitos fabulosos, com certeza. Sendo assim, inegavelmente ficaria mais difícil para os penetras e até mesmo para a própria polícia botar a mão naquela grana, a qual estava espalhada e devidamente escondida tais quais sementes ou grãos plantados, provisoriamente em algum esconderijo estratégico, tão logo a poeira abaixasse seriam resgatados para o seu devido uso. Se o conteúdo daquela famigerada carga acidentada fosse, por exemplo, droga, aí sim seria bem diferente, pois com o auxílio de cães farejadores e adestrados a missão não seria assim tão constrangedora. Mas dinheiro? Pelo que se sabe, os únicos animais que sabem procurá-lo são os homens, seres humanos sedentos por ele. Para adquiri-lo não medem esforços, principalmente quando a ganância os impulsiona a abocanhá-lo de maneira fácil e em grande quantidade, usando apenas a astúcia ou o cargo que exercem num determinado ambiente.

Devido o pandemônio em que se transformou aquela pequena localidade, as pessoas mais velhas, mais ponderadas preferiam que a carga daquele bimotor fosse outra qualquer, menos dinheiro, pois este assunto, este acidente tinha virado aquele lugar do avesso, literalmente. E sentados num banco da pracinha assim dialogavam:

-“Seria melhor que todo aquele dinheiro tivesse caído no mato, no mar ou até num rio... Já que ia cair em algum lugar...” - falou alguém.

- “É isso mesmo”. “Ou mesmo, infelizmente, como os ocupantes já estavam mortos, que ao cair incendiasse logo tudo”.

- “Em todas as hipóteses - falou um terceiro - em qualquer lugar que acontecesse um acidente dessa natureza, as consquências seriam idênticas!”.

- “A ganância das pessoas é absolutamente igual em todos os lugares do Planeta!” - filosofou um professou que também participava da conversa na pracinha.

- “Mas também tudo é por causa da televisão que divulga e mostra a notícia com detalhes e até certo exagero!”.

-“Quando será que esse pesadelo vai acabar meu Deus?” - perguntava um beato que estava ali por perto.

-“Talvez quando os policiais e os ladrões forem embora daqui, quem sabe!”.

Assim alguns moradores de Maracangalha passavam o tempo trocando ideias na pracinha, confabulando sorrateiramente, esperando o tempo passar. Pois, durante o dia a polícia agia arduamente. Ora entrando nas casas, ora abordando pessoas nas ruas. E quando a noite chegava quem pensasse que poderia dormir em paz, estava equivocado. Barulhos estranhos eram ouvidos nos quintais. Por incrível que pareça, até sobre as árvores, como se fosse macacos famintos, os larápios e meliantes oportunistas tentavam encontrar algum dinheiro escondido e amarrado entre os galhos. Mas o cúmulo da ousadia, da petulância desenfreada foi a violação de túmulos. Um absurdo! Uma aberração! Um disparate! E o pior ainda estava por vir: a invasão da capela, lugar sagrado. Pois até aqui os vândalos vasculharam tudo, apesar das súplicas do padre assustado.

O que é paradoxal em toda essa história, sem dúvida, uma entrevista da delegada responsável pelo caso da queda do bimotor, que entre outras asneiras, proferiu com empáfia: “A polícia agiu dentro da normalidade”. “Nenhum incidente foi registrado”. Quem dera tal afirmação tivesse um pouco de fundamento, de verdade. Pois, é como diz o pensamento: “De longe, todas as montanhas são azuis!”. Pois só as pessoas residentes naquele lugarejo estavam cientes dos transtornos causados por aquele acidente e, obviamente, pela atitude precipitada das pessoas que, impulsionadas pela ambição desmedida e logo a seguir pela invasão em massa da polícia e larápios movidos com más intenções, que chegavam a confundir todos os moradores de Maracangalha, que passam a sonhar com a vida pacata novamente.

Parodiando o famoso escritor russo Tolstoi, autor do renomado romance ANA KARÊNINA, assim termino: Todas as pessoas que moram em pequenas cidades são parecidas entre si, as que residem nas grandes cidades, vivem cada uma a sua maneira.

No meu entender creio que, se a carga daquele pequeno avião não fosse assim tão valiosa não atrairia tanto a cobiça, a ganância das pessoas e a repercussão não seriam assim tão grandes e, ao mesmo tempo, desastrosa, chegando a tirar a paz dos moradores de uma pequena região brasileira.

João Bosco de Andrade Araújo

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Enviado por JOBOSCAN em 10/04/2009
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