O Medico e o Monstro

O Médico e o Monstro.

A Filha

Maria Eduarda passou pelo porteiro, que lhe abriu a porta da rua.

- A Beth, secretaria do Dr. Jair Gonçalves já saiu?, perguntou

- Não vi não senhora.... A senhora quer deixar algum recado?

Ela sorriu gentilmente:

- Diga-lhe que volto na semana que vem. Então ate lá!

- Ate dona Duda.

Maria Eduarda Pereira Stermann, a Duda de muitos amigos, era uma mulher de quarenta anos, alta, bem tratada, pele alva e cabelos que variavam bastante. Tanto no corte quanto na cor. Desta vez, estava negro e curto. Pra o seo Severino, porteiro no prédio do consultório de seu medico desde a infância, ela ficava bonita de qualquer jeito. Há mais de vinte anos trabalhando em Copacabacana, no Rio, já tinha visto dona Duda, com aquele sorrisão, mudar os cabelos varias vezes. Em nenhuma vez que estivera ali, ele a julgava menos que linda! Dentro do que seria linda pra os conceitos severinos. Quando dona Duda chegava, geralmente com o motorista, ele corria pra abrir-lhe a porta. Duas coisas apenas seo Severino, em sua simplicidade nordestina, sabia que dona Duda não mudava: a gentileza pra com ele e o perfume que usava. Severino ate então jamais tinha sentido um cheiro mais... mais... A simplicidade severina não dispunha de vocabulário suficiente pra explicar o significava aquele cheiro. Teve uma vez, mais ou menos há uns cinco anos atrás que Severino, de dentro da severina curiosidade, buscou pelos shoppings da cidade aquele perfume que dona Duda usava. Severinamente ele não encontrou. E diante de mais essa severina frustração, seo Severino em sua cama, em seu severino quartinho, revirava em seu sono, severinamente perturbado, na vã tentativa de descobrir o nome do tal perfume. Severino sabia que sua condição severina não permitia que ele tocasse num único fio de cabelo de uma mulher daquela. Portanto se contentaria em ter seu perfume. Não pra ele usar, apenas pra ter pra si, pra colorir sua vida severina.

O Medico

O Dr. Jair era filho que do Dr.Jairo medico de confiança da família de Duda desde que ela podia se lembrar. Dr.Jairo, amigo inseparável de seu pai na escola, decidiram-se por cursos diferentes na faculdade. Dr.Jairo pra fazer medicina e seu pai, advocacia. E com a mesma confiança que um se tornara medico do outro, o outro tornara-se advogado da família.

A Mulher

Maria Eduarda era a filha caçula do casamento de Elvira e Jose Henrique. Um casal que conseguiu manter-se unido ate a morte do marido. Elvira desfrutava do conforto da herança e da companhia dos quatro filhos. E dos três netos. A não ser por Maria Eduarda, que ultimamente preocupava a mãe com um comportamento pouco convencional. Dona Elvira a quem nada deixava escapar, notou uma grande e negativa mudança no comportamento de sua filha caçula.

Primeiro decidiu acompanhar de longe, pensando se tratar de uma questão passageira. Entretanto, depois de algumas semanas, que pra susto de Elvira transformou-se em mais ou menos seis meses.Num domingo, depois do tradicional almoço em família, Elvira conseguiu aproximar-se de Duda e não foi sem dor que viu que as expressões de sua querida filha estavam sombrias. Ela havia perdido peso e exibia em seu olhar uma expressão tão dolorida que nem o grande sorriso e a maquiagem conseguiam disfarçar.

Elvira, emocionada deixou escapar uma lagrima enquanto encarava a filha que conversava com o irmão. A meia distancia.

- O que foi mamãe? – aproxima-se Duda de sua mãe e com um grande abraço a envolve– parece que não esta contente, qual e problema?

- Acho que eu é quem devia perguntar isso a você.

- Por que?

- Ora... você fala como se eu não te conhecesse desde que nasceu.

- Ta mamãe, já que não posso mesmo esconder nada de você. Tenho me sentido indisposta e estou me tratando com homeopatia. Já estive com o Dr. Nelson que me passou alguns florais e varias daquelas bolinhas... Agora, preciso dar um pouco de tempo pra medicação fazer efeito.

- Mas o que ele disse que você tem?

- Fiz alguns exames e o resultado da maioria deles foi ok. Um pouco alta a taxa de açúcar que ele concluiu ser por causa de tensão nervosa. E só isso....

- Ainda bem querida.... Abraçou a filha, suspeitando que aquela pudesse ser apenas parte da verdade.

A Filha

Duda fez o melhor que pode pra sossegar a mãe, cujos instintos conhecia bem. Ela sabia que não havia convencido Elvira totalmente. Entretanto, a mãe teria que ficar com esta versão, já que não tinha outra opção. Não que Duda soubesse.

Tudo começou a mais ou menos sete meses atrás.

Duda gostava de fazer exames de rotina com o medico da família. A segunda geração de médicos de uma família que tratava da saúde da segunda geração de sua família. Uma relação de longa data que Duda fazia questão de respeitar mais por insistência de sua mãe e do irmão do que por convicção própria. Duda era mais solta, uma geminiana por excelência. Essa coisa toda de tradição era interessante e seria bem melhor se o Dr. Jair se atualizasse nas novas terapias.. Medico alopata tradicional, Duda tinha a impressão de que concordava com tudo que ela dizia, com medo de ser desagradável. Desta forma ficava na duvida se ele de fato estava tratando de sua saúde ou se a desprezava a ponto de não lhe ouvir as queixas. Decidiu a muito que este era o jeito do Jairinho e acomodou-se nesta verdade. Quando queria experimentar alguma coisa nova, ou uma segunda opinião, procurava outro profissional e pronto. Já que, a despeito de todas as suas desconfianças, jamais pegou qualquer incorreção do tradicional Jairinho.

Não ate sete meses atrás.

De fato, Duda estava se sentido sem energia, enjoada e julgou estar grávida. Já tinha perdido as esperanças de se casar. Não que lhe faltassem pretendentes. Ao contrario. Mas quando Duda comemorou seus trinta e seis anos , na companhia de mais um dos muitos noivos que teve desde aquele secreto romance com seu primo Dimas pra quem, aos quinze anos de idade, jurara amor eterno.

E o eterno de Duda foi o ate o momento em que ela se encantou com a possibilidade e estudar em Paris. Idéia de sua amiga Martha. Três meses mais tarde estavam em Paris Duda, Martha e Juca. Foram anos maravilhosos que passaram como um piscar de olhos. E naturalmente o romance com Dimas foi esquecido.Em um dos muitos telefonemas que dava pra seus pais, Duda foi comunicada sobre o casamento do primo Dimas com uma nativa daquele interior cheio de mato e mosquitos. Norte de Minas Gerais ou sul da Bahia, não sabia ao certo.

Duda não fez por menos. Telefonou pro primo pra se desculpar por não poder estar presente no casamento. Estava em Paris. E de lambuja contou algumas coisas sobre a sofisticada rotina de estudante parisiense. O primo ouviu tudo com dignidade fingida. Com um meio sorriso nos lábios e com a divertida idéia de enviar de presente um moderno vaso de flores. Naquele lugar, o vaso seria tão útil como um elefante branco... E com o cheiro da confeitaria mais próxima alvoroçando em seus sentidos, Duda desligou o telefone, foi ao croassant e nunca mais pensou no assunto.

Bons tempos aqueles. Formara-se em arquitetura na Sorbone e tinha aberto um escritório em Ipanema com uma turma de amigos. O começo de sempre. O escritório oferecia serviços de arquitetura e decoração. Iam bem, apesar de toda a instabilidade econômica deste país.

Mas sim, indisposição de Duda.

Ela estava sim, pensando em ter um filho. Produção independente com se diz por ai. E procurou então o Dr. Jairo. Ele pediu a ela que fizesse os exames de rotina no laboratório de sempre e voltasse assim que os resultados saíssem. Enquanto isso receitou a Duda o que disse ser vitamina. Duda saiu do consultório com a receita, se despediu da Beth, a secretaria. Desceu e passou pelo porteiro que se derretia quando ela passava por lá. Um severino, pensava sem saber que era esse o nome dele.

Duda passou na farmácia pra aviar a receita do Jairinho quando o balconista trouxe um remédio, cuja caixa tinha tarja preta. Duda olhou sem entender e perguntou ao rapaz porque uma vitamina tinha tarja preta.

- Mas isso não e vitamina, não senhora. É calmante. E dos fortes.

Duda pegou a receita da mão do rapaz, conferiu se era mesmo seu nome que esta nela. Sim, não havia duvida, era pra ela. Duda pensou em voltar ao consultório, mas estava atrasada pra apresentar um projeto a um cliente. Deixou pra resolver depois.

Na manha seguinte, foi cedo ao laboratório com o material necessário pra o exame. Em jejum pra o de sangue. Ficariam prontos dali a uma semana. Tomou seu desjejum na padaria da Visconde de Pirajá com Joana Angélica. Chegou a sua sala animada com as possibilidades de ter sido suficientemente convincente com o cliente que queria construir sua casa na Barra da Tijuca. Condômino fechado. Um grande trabalho. Apesar de animada, sentiu-se sonolenta por toda a manha. Tirou da bolsa a receita pra ligar pra o Jairinho quando Martha chegou pra falar sobre a sala de um apartamento. Ela queria saber se não havia a possibilidade de.... e a receita ficou esquecida. E acabou no cesto de lixo junto com outros papeis sem importância.

Quinze dias se passaram ate que Duda se deu conta de que estava levemente atrasada pra pegar os exames no laboratório. Estava apressada aquela manha, já bastante entusiasmada com o projeto que conseguiu vender pra o novo rico da Barra.

Chegou à recepção, passou o protocolo pra recepcionista que, em troca lhe deu um envelope. Duda estava meio ansiosa por isso abriu o exame ali mesmo e pos se a ler o resultado sem entender nada.

- Maria Eduarda P. Stermann....

Duda ouviu seu nome e virou-se e deu com um homem inquestionavelmente charmoso que sacudia um envelope e sorria de forma sedutora. Ela conferiu o nome no exame que estava em sua mão e viu que aquele não era o dela.

- Parabéns menina... você vai ser mamãe.!! o médico continuava sorrindo....

- Ah, obrigada doutor....

- Salles.... doutor Salles, neurologista. Desculpe-me, mas acho que menina da recepção fez confusão e trocou os envelopes. Este ai e do meu paciente.

Duda estava contente demais pra se aborrecer com aquela bobagem. Agradeceu ao simpático Salles e foi-se. Quando Duda chegou em seu escritório, alguma coisa la no fundo de suas lembranças a fez parar pra pensar. Ela resgatou então, de alguma gaveta de sua memória o erro da receita. E estava assim, perdida em seus pensamentos quando Martha entrou na sala e depois de algumas tentativas pra fazer contato...

- O que houve Duda? Acho que desde que te conheço nunca de te vi com essa expressão no rosto!

Esta tudo bem?

- Sim, esta tudo bem. Só quero ficar sozinha um pouco, pode me dar licença, Má?

Depois de mais alguns minutos de frente pro ensolarado mar em sua janela, Duda pegou o telefone e marcou com Jairinho dia e hora pra mostrar o resultado dos exames, sem contar que já sabia qual era o resultado. Achou que ganharia tempo se não se obrigasse a contar que a recepcionista trocou os envelopes e blá, blá, blá.....

O Monstro

Jairinho se preparava pra atender Maria Eduarda Pereira Stermann. A caçulinha do Zé Henrique, cliente e amigo de seu pai de longa data, pensava Jairo com desprezo. Gente como a Duda não sabia de nada. Eram pessoas que se achavam no mundo pra sorrir, apenas. O pai da Duda, o tal do Zé Henrique deu grande sorte na vida profissional, pois parecia que o dinheiro rolava na casa dele como água!

Enquanto o Dr. Jairo fazia plantões e mais plantões pra garantir o sustento da família, de vez em quando era chamado a casa do Zé Henrique pra constatar que o amigo gozava de excelente saúde; que os filhos do Zé Henrique estudavam no melhor colégio e que a comida da casa do Zé Henrique era muito, muito melhor que a da própria casa.

Gente como a Duda não sabia de nada!

A maior preocupação dela eram as roupas com as quais desfilaria naquele chic escritório de Ipanema que ela chamava de trabalho! Ela nunca tinha estado na emergência de um hospital, depois de um acidente envolvendo vários carros e um caminhão de carga! Gente como a Duda nunca tinha visto o sujeito com as tripas pra fora, gente com a perna esmagada.....

Jairinho, ao lembrar dessas imagens, vomitou na cesta de lixo todo o café da manhã.

Quando se recompôs, de frente pra o espelho no lavabo, ouviu em sua mente, vindo de remotas recordações, a voz de seu pai.

- Você é mesmo um imbecil! Não duvido nada que seja filho daquele mequetrefe que sua mãe arrumou.... Um bostinha!!!! Você deve ser igualsinho a ele! Meu filho é que não é!!! O meu filho esta la no Exercito. Esse sim, puxou a mim, mas você? Nem sei como passou pra faculdade de medicina....

E Jairinho se lembrou da prematura morte do pai. Ataque cardíaco, diziam. Tanta gente chorando... inclusive toda a família do Ze Henrique.

Aquela gente não sabia de nada, ruminava...

A mãe

Maria Eduarda, olhando pro mar pensava que todo o horizonte se alargava cada vez em que era alcançado. Se ela fosse de lancha ate o horizonte que vislumbrava de sua sala, seu horizonte seria traçado com outras coordenadas.

E pensando desta forma, cruzou os braços e se lembrou que seria mãe dali há alguns meses!

Depois da ultima consulta que fizera com a astróloga Vânia, com quem tinha grande amizade e com quem fazia seu mapa todos os anos. Naquele ano, depois das previsões feitas por Vânia:

- Ôô amiga... gostaria muito de dizer que o amor que vc espera esta por aqui, mas infelizmente os astros me dizem não ha nada de mais significativo no campo sentimental!

- Tudo bem, amiga! Eu mesma vou providenciar alguma coisa de especial pra mim. Vc sabe que não gosto ficar muito tempo sem uma boa novidade...

- Cuidado, heim! Também ta previsto por aqui uma nuvem negra pairando sobre a família....

E justo agora que Duda teve a noticia de que seria mãe.

Ta, ela sabia que nem sempre a Vânia acertava, mas pra garantir o sucesso de seu projeto de família, decidira não contar a quem quer que fosse sobre sua gravidez.

O Médico.

Quando Duda entrou no consultório do Jairinho naquele final de tarde, pensou ter visto em seus olhos um brilho estranho, além de parecer mais de pálido do que de costume. Entretanto, manteve o sorriso e cumprimentou:

- como vai primo? Tudo bem?

- tudo bem , prima....sorriu de volta, sem contudo conseguir se tão simpático quando desejaria.

- E a tia e Jandira, ainda fazendo muito tricô?

- Não sei bem Duda, já se passaram algumas semanas desde a ultima vez que estive por la. Estou morando sozinho agora,...

- há, mesmo?

- Bem e então? como esta sentindo com as vitaminas que receitei?

- ah, jairinho, me desculpe mas esqueci de comprar... tem certos momentos la no escritório que nem vejo o dia passar. E quando me dei conta, já era hora de voltar... Mas já prometi a mim mesma que compro assim que sair daqui, hoje sem falta! Os exames....

O Jairinho leu os papeis uma vez, outra vez e sem mudar a expressão, dobrou e devolveu a Duda.

Parecendo muito preocupado, Jairinho com o ar grave disse:

.-o minha amiga, infelizmente as noticias não são la muito boas... E começou a desfiar um rosário de termos técnicos, falando sobre gravidade das coisas que o organismo era capaz desenvolver quando menos se esperava e blá, blá, blá.

Mas Duda não ouviu nada do que lhe foi dito. Sua grave expressão era real não pelos negros prognósticos de jairinho, mas pela lembrança que lhe chegam aos borbotões. A morte do pai, mas especificamente falando. Duda levantou- se de chofre e saiu sem saber se jairinho já havia terminado o seu discurso. Passou pela recepção sem falar nada e, pra espanto do Severino que aguardava, com ansiedade sua saída pra ouvir mais uma vez o som de sua voz e seu lindo sorriso, desta vez, decepcionou-se. Duda passou sem olhar pra nada! Parecia hipnotizada. Severino teve vontade de falar com a Beth mas conteve-se a tempo. Achou que aquela atitude esta muito alem de suas severinas funções.

O amigo

Duda sentia-se atingida por um raio.

Estava com as pernas bambas e não sabia direito pra onde estava indo.

Quando se deu conta, viu-se diante do laboratório em que foi pegar os exames.

- Oi... Estive aqui dois dias atrás pra pegar uns exames e havia aqui um medico... doutor.... doutor ....

- Salles. – completou a menina da recepção.

- Isso. Gostaria de falar com ele. Onde é o consultório dele?

- Ah, ele não trabalha aqui não. Estava aqui aquele dia acompanhando uma paciente. O consultório dele fica ali na Galeria em frente a praça.

- E vc tem o telefone de la?

- Este aqui.

- Obrigada!

- De nada! E comentando com a colega – mais uma pra engrossar o fa clube do doutorsinho....rsrsrs

- Oi ... Eu queria marcar uma consulta com o Dr. Salles. O mais rápido possível!

- Olha, só tem hora pra daqui a dois meses. Mas como a senhora ta com pressa, vou ver com ele o que se pode fazer.

Depois de voltar da sala do medico, Sabrina falou com Duda como se a simpatia do medico fosse, de alguma forma, contagiosa.

- Como é mesmo seu nome?

- Maria Eduarda.

- Ele disse pra senhora voltar hoje as 20hs.

- Nossa! Tão tarde?

- È o que ele pode fazer....

-Não!! Claro... não falo por mim, mas por ele. Depois de um dia...

- Ah, quanto a isso não se preocupe não. O Dr. Salles é daqueles que nasceu pra medicina. Já vi ele sair daqui a meia noite!

- Tão ta. Ate a noite.

- Eu não vou ta aqui. Mas a senhora pode ficar descansada que esta em boas mãos.

Sentiu-se um pouco mais aliviada, sem saber direito o porquê. Ate onde pode entender, seus problemas estavam apenas começando. Ou pelo menos agora que ela tinha pego a ponta da linha.

Gente, qual seria a do Jairinho?

Por tanto tempo o pai dele, Dr. Jairo tratando de sua família e agora ela se vê enganada onde pensava estar segura e amparada? Mas afinal, que pessoa era esse rapaz, seu conhecido desde a infância?

Engraçado como a vida prega peças na gente. Essa coisa toda de conhecer a pessoa desde a infância ....

A gente vive pensando que sabe com quem esta falando, que ter visto a pessoa crescer junto é garantia de domínio da situação... que nada!

O que preocupava Duda era saber o quanto ela estava enganada e por quanto tempo.

O que aconteceu com ele?

O Casamento

Olhando a família do respeitado Dr. Jairo, assim de fora, não se tinha idéia do quão longe se podia estar da realidade.

O menino tímido e pálido que recebeu o nome Jairo Jr nasceu em meio a uma grande crise dentro do casamento dos pais. Sua mãe, mulher de temperamento forte e de grandes ambições julgou ter feito o casamento de sonhos. Logo a realidade tratou de colocar a mulher na cozinha e Jandira viu o tempo passar e seus sonhos descer por água abaixo todas as vezes em que se via descascando legumes pra sopa do jantar do marido.Ela deixou de vigia-lo depois do segundo mês de casamento, quando percebeu que seria inútil tentar descobrir se o marido estava mesmo trabalhando ou em outra companhia.Depois do primeiro ano de casamento, Jandira sentindo-se entendiada com aquela rotina de ficar em casa, tentando advinhar os horários do marido pra fazerem juntos as refeições, viu passar a sua frente, nas areias da bela Copacabana, gente com mais tempo disponível que recomenda o bom senso.

Não era bonita nem feia. Magra e alta, aparentava ter menos idade e menos responsabilidades. Quando o primeiro ofereceu-lhe companhia, não se fez de rogada. Rogério, corretor de imóveis, gostava de dar sua corridinha antes do horário de trabalho que começava sempre depois das duas da tarde.

- Ola... Sou Márcia e moro na Figueiredo – mentiu ela.

Ele deu um largo sorriso e continuou:

- A senhora não conhece muito bem sua vizinhança, conhece?

Sentindo-se corar, Jandira dispara:

- Pensei conhecer o suficiente....

- Ah, não precisa ficar sem graça! A vida é a vida e o mundo é o mundo... Nem sempre da pra gente ficar remando contra a maré! É ou não é????

Jandira respondeu com um sorriso ao mesmo tempo desconcertado e aliviado. Nascia ali uma grande amizade. O Rogério em questão morava dois andares acima, no mesmo prédio de Jandira. Ele também casado com a cabeleleira que atendia a domicilio. Jandira já tinha precisado e gostou muito da mulher. Era quieta, compenetrada, ao contrario da tagarelice comum a muitos profissionais desta classe. E feia! Que coisa! Um nariz horroroso, os dentes que pareciam saltar da boca pequena de lábios muito finos. Era baixinha, como quê incruada!

- Então o senhor é o marido da Sonia, cabeleleira?

- É ... pois é, minha amiga! Cada um com sua cruz...

Jandira sorriu por entender bem a situação do vizinho que se visto com cuidado, parecia-se um pouco com a sua própria. E assim, de parecença em parecença, o tempo se passou, os encontros se tornaram mais freqüentes ate que ambos se mostraram dispostos a divertir-se com o que eles deveriam se conformar. Até segunda ordem.

E ai Jandira ficou grávida.

O Dr. Jairo, por toda a atenção que não dispensava a mulher, sabia bem que aquele filho não podia ser dele. O que deixou Jairo mais mortificado foi a desfaçatez com que a mulher tratou o assunto.

Num domingo depois do almoço, num dos poucos que ele ficou em casa descansando. Junto com o cafesinho, Jandira disse a Jairo:

- Estou grávida.

Ele olhou pra mulher, parada sua frente, branco de susto.

- Como é que é?

- Ué.... estou grávida! Qual o problema? Somos casados, voce tem seu trabalho e eu tenho me sentido muito sozinha aqui em casa. ... Então fiquei grávida.

O Jairo ficou espefacto com a capacidade da mulher. Depois de algum tempo ele consegue dizer:

- Grávida como?

- Por que? Não era pra ficar? , dispara ela com os dentes a mostra.

- Não se trata disso...

- ah não? Trata-se do quê então? Já disse, tenho estado muito sozinha e quero ter um filho.....

O respeitado doutor Jairo ficou sem palavras por seis meses. Pelo menos com ela. A vida intima deles que quase inexistia, daquele dia em diante se extinguiu definitivamente. Ai Jandira se convenceu que havia se casado com um bobo de boa fé. Lembrou-se então de sua santa mãe:

- Esse rapaz não tem espírito! Caminha como um burro de antólhos....

- Ah, mãe, impressão sua. O rapaz é respeitoso. Acho que neste caso é melhor um homem assim, mais calmo do que algum muito saidinho..... Acho que esse não vai me dar trabalho algum.

- Cuidado minha filha. Tudo é bom e só faz sentido na dose certa.

Mas Jandira parecia ter espírito pelos dois.

Imagine que o marido teve que voltar a falar com a esposa adultera que teve a cara de pau de aparecer em seu hospital, sem mais aquela, na hora de dar a luz.

O Dr. Jairo então, a partir deste momento viu-se obrigado a não so falar com a mulher como tambem a desempenhar o papel de marido preocupado e pai extremado pra salvar a própria pele. Jandira ficou abismada com a própria reação: ora chorava diante das fortes contrações e noutra ria desatadamente da situação que só ela sabia. Ate que o menino nasceu. Então ela encarou o marido e disse:

- Nosso menino....

Ele repetiu, com lagrimas rolando pelas faces..

- Nosso menino...

Dali pra frente Jandira tinha muito o quê fazer e nem se lembrava da existência do marido que entrava e saia de casa cada vez mais soturno. Talvez porque Jairo percebia que ela gostava de esfregar-lhe nas fuças como um troféu:

- Olha que gracinha, sorrindo... Ele sorriu pra você também Jairo!!! Ele é tão bonzinho! Quase não da trabalho...

- Claro, você não desgruda! O menino não pode nem respirar!

- Você foi já registrar? Que nome deu a ele?

- Jairo da Silva Jr.

- Só. Não colocou o meu sobrenome no menino? Esse Silva é tão comum.....

- Jairo da Silva Jr. mesmo.

O Paciente

Desde que se lembra, Jairinho vivia protegido pela mãe e torturado pelo pai.

A mãe incentivava a proximidade entre eles o nas raras oportunidades do pai em casa.

Certa vez, quando menino, Jairinho saiu feliz com o pai e seus apetrechos pra praia. Ao chegar o Dr. Jair deixou o menino brincar perto da água durante todo o dia.

Na sua ilusão de menino, Jairinho não associou a brincadeira com a doença da qual foi acometido durante os dias seguintes. So muito mais tarde.

Jandira, desde aquele dia, entendeu o quanto seu marido estava disposto a arriscar pra responder a altura a traição da mulher. Por isso, Jandira mudou de tática.

Quando Jairo pai chegou em casa com o menino já indisposto e enjoado e cor de camarão, Jandira nada disse. Tomou o menino dos braços do pai que sorria sarcasticamente e perguntou apenas:

- Vou ter que chamar seu concorrente ou voce mesmo trata do menino? Já que passaram o dia todo na praia, muito gente te viu la....

O sarcástico sorriso do Jairo sumiu imediatamente. Ele pegou seu bloco de notas prescreveu a medicação necessária e foi ate a farmácia.

Quando voltou o menino, já de banho tomado e deitado na cama com insolação, reclamou pouco quando o pai lhe aplicou uma injeção. A semana a que se seguiu foi angustiante para Jandira, que sofria sem demonstrar ao marido.

Mas jurou que se vingaria.

Um dia.

Jairinho cresceu sob os olhos da mãe e o desprezo do pai.

A principio, quando ainda não sabia das coisas, Jairinho não entendia muito bem aquela situação. Sobretudo depois que começou a freqüentar a escola. Via outros pais e seus colegas agirem de forma muito mais próxima e afetiva. Então Jairinho começou a se sentir muito triste.

Sua mãe percebeu a mudança no filho e tentou saber o que estava acontecendo. E ouviu de um menino de sete anos o inevitável:

- Meu pai não gosta de mim? Ele não vai me buscar na escola e quando ta em casa nem olha pra minha cara.

- Meu filho, seu pai é assim mesmo. Cada pessoa é de um jeito. Você esta reclamando que ele não olha pra sua cara. E pra minha, já viu ele olhar?

Jairinho, com o olhar perdido por um momento, transportou-se pra algum lugar da própria mente como a procurar indícios de que sua mãe dizia a verdade.

- E mesmo, ne mãe? Não, não olha ... E pra cara dele, ele olha? Rsrsrsrrsrsrsr

Passaram –se assim mais alguns anos, sem que Jairo percebesse que seu filho crescia e que não lhe dava mais atenção do que a recebia dele.

E ruminava: “ Esse moleque tem sofrer, esse filho da puta! È a mãe que dá um jeito em tudo.”

No final de semana seguinte, quase que por um milagre, convidou o filho pra almoçar fora.

- E a mamãe não vai? Então também não vou.

- Ah, sua mãe não vai porque vamos só nós que somos homens.

- Se a mamãe não for, não vou.

- Também acho uma boa idéia essa pequenina família se reunir , já que é tão difícil pra você nos dar o prazer de sua presença.

Jairo fechou a cara mais acatou. Foram os três no restaurante da esquina. Uma hora depois estavam de volta. Jairo sentou- se no sofá e como se estivesse prestando atenção ao jogo que passava, pensava de si para si: “ Esse moleque tem sofrer.... Ta tudo muito fácil pra eles.....” mas Jairo tinha tempo mesmo apenas para os próprios pacientes. Ainda mais que descobriu, depois que se casou que sua mulher era um poço de vaidade e que não se preocupava nem um pouco com a felicidade do marido. Depois aquele menino! Seu filho! Imagine..... Mais que mulher era aquela!!!! E vivia e desfilava por ali, de nariz em pe sem o mínimo de pudor. Cadela!!! Mas eu ainda dou um jeito nesse moleque.”

A Mãe

Já se passaram duas semanas desde o ultimo almoço em família e Dona Elvira nao conseguia deixar de ver em seus pontos de tricô os olhos tristes de sua filha caçula. Todos os outros filhos se casaram quando a hora chegou, mais Duda resistia ao casamento como se o mundo estivesse todo a seus pés. Ela confiava na educação que havia dado aos filhos e que, por isso mesmo, Duda sempre encontraria amparo e proteção sob as asas dos irmãos. Mas o fato é que a vida as vezes não nos da tempo pra preocupações extras. Portanto, havia dirigido a educação de todos eles pra o casamento e vida familiar, deixando muito claro sempre que a oportunidade permitia, da importância de se estar em casa, convivendo com outros de mesmo sangue e defendendo o mesmo sobrenome.

Se pelo menos ela tivesse um filho... um não, pelo menos dois.

E estava assim pensando quando olhou pra o relógio e viu que era hora de fazer uma visita a sua filha no escritório.Levantou-se, pediu ao motorista que preparasse o carro porque iam sair.

Uma mulher de alvos cabelos sempre preso num belo coque, como setenta e oito anos, a escorpiana mãe de quatro filhos fazia questão de andar de acordo com a moda que lhe cabia. Tanto no conforto do bolso como no bom gosto das sedas e veludos. Uma mulher que era tratada pelos empregados de Madame, pelos estranhos com admiração, quase um deslumbramento e pelos amigos, a maior parte de longa data, como grande deferência pelo temperamento discreto e amigo. Uma aristocrata nata, era a opinião de muito.

Quando Dona Elvira pisou no movimentado escritório da filha, fez-se um grande silencio em deferência aquela simpática e bela senhora que exibia um sorriso gracioso que perguntava, a meio tom, se podia falar com a Maria Eduarda.

- Mamãe! Como esta?

- Ola minha filha. Posso falar como voce em particular?

- Mais claro!

- O Senhor Silvio pode me aguardar por alguns minutos. Ma, pode continuar aqui a explicar pro seo Silvio o projeto.

- Ah, como vai Elvira?

- Bem- respondeu com uma leve inflexão na voz e um olhar pra filha terno e triste ao mesmo tempo.

- Vem mamãe, vamos aqui pra sala da Ma e foi andando na frente pra esconder da mãe as lagrimas que lhe vinham sem que ela pudesse segurar. Limpando os olhos discretamente, Duda fecha a porta e convida a mãe pra se sentar do outro lado da mesa. Tentou sorrir mas ao invés disso, desabou num choro silencioso e sentido. Ela e a mãe. Depois de alguns instantes tentando se controlar sem conseguir, Duda levantou-se e abraçou a mãe e chorou copiosamente durante alguns minutos. Quando ela conseguiu se acalmar, mamãe Elvira disse em seu ouvido, quase num sussurro:

- Mãe sofre...

- Como a senhora soube?

Dona Elvira olhou pra filha e demorou alguns instantes pra que caísse a ficha. Então ela abraçou Duda e com um profundo suspiro de alivio disse:

- Mãe sempre sabe! Você vai ver, minha filhinha, você vai ver.....

Emocionadíssima, Elvira continuou:

- Só não entendo porque você não me disse nada! Eu mesma sugeri a voce tantas vezes que tivesse pela menos o filho, já que não quer se casar.

- É que tem outras coisas envolvidas e eu não queria que outras pessoas soubessem.

- Sei, ele é casado!

- Não mãesinha, infelizmente o assunto e outro e muito mais serio. Estou este tempo todo tentando encontrar uma forma de resolver mas ate agora não consegui grande coisa. De mais a mais, estamos todos muito ocupados por aqui e não tenho tido tempo pra pensar....

- Mas minha filha, um bebe não é nenhum bicho de sete cabeças! Porque não volta la pra casa?

Neste momento, Eduarda parou e sentiu que esta podia ser a solução. Voltar pra casa da mãe e....

- Ta mamãe, vou aceitar seu convite e vou hoje mesmo.

Elvira se levantou

- Bem então minha visita termina aqui. Vou agora mesmo pra casa preparar seu antigo quarto.

Ate logo mais, querida!

- Ate! Ah, mãe, pede pra Dadi fazer aquela sopa de aspargos? To com saudades...

- Claro querida.

Sentindo que não podia mais adiar aquele assunto, foi pra sua sala e ligou pra todos os irmãos, contou que voltaria pra casa e que queria conversar com todos ao mesmo tempo, naquele sábado. Era quinta feira.

A Outra Mulher

Sonia tinha tido uma quinta feira cansativa. Nesses doze anos de Copacabana tinha conseguido angariar uma boa clientela, sempre atendendo a domicilio. Ultimamente quem não parecia estar muito bem era seu marido, Rogério.

As oito horas daquela noite de quinta, em que voltava pra casa a pe, aproveitando a noite pra caminhar e relaxar um pouco do trabalho, se lembrava de quando o conhecera. Claro que não foi nenhuma paixão a primeira vista, pois ela tinha espelho em casa e sabia que não era nenhum modelo de beleza. Foi no pagode la perto de sua antiga casa, em Cascadura. Ele estava todo de bege e sambava como o quê. Era o mais animado da turma! Ela estava com a Cidinha e como já, ganhava o próprio dinheiro, vestia roupa de marca, estava na melhor mesa e tomava champanhe pra comemorar o seu aniversario de trinta e dois anos. A Cidinha era uma pretinha tão miúda quanto ela e trabalhava de domestica no casarão antes de morrer num acidente. Mais o Rogério veio ate a mesa:

- Nossa, acho que to ficando velho, posso senta aqui?

- Pode sim. Nossa mais voce é animado mesmo... leva jeito... voce é passista?

Rogério sorriu e vaidoso como ele só, coçando o peito por dentro da camisa aberta:

- Não menina, não da pra tanto. Eu gosto mesmo de dançar mas acho que to mesmo ficando velho. Não da pra manter esse pique todo no desfile, mas gosto sim de ir la com a galera se divertir no sambódromo.

- Por qual escola? Ela pergunta

- Portela claro!

- Eu também desde pequena.

- Voce é daqui mesmo? Desculpe,mas como é seu nome

- Rogério e o seu?

- Sonia.

- So daqui, moro na comunidade e....

- Qué toma alguma coisa?

- Opa! Não da pra ser uma cérva não? Esse negócio ai e coisa pra mulhersinha. Rsrsrsrsr

- Claro.... Garçon, trás aqui pro meu amigo uma cerveja.

-

continua.....

Divarrah
Enviado por Divarrah em 10/04/2009
Código do texto: T1532336
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