Chato Crônico

Isaías nascera com uma doença, pelo menos a tratavam como tal. Era incapaz de mentir, ou melhor, esconder sua sinceridade. Excesso de verdade e incapacidade de ser falso definiam seu perfil. Isaías sofrera desde seu nascimento de algo que os médicos diagnosticaram de chatice crônica. Não poderia ser diferente, ninguém suportava ouvir a verdade.

- Meu filho tem andado estranho doutor!

- E aí garotão? Tudo bom?

- Não!

- Dá esse remédio a cada 8 horas durante 7 dias e não volte mais aqui.

Na escola não era diferente.

- Bom dia criançada!

- Bom dia professora – obviamente Isaías não fazia parte do coro. Estava tendo um dia péssimo.

- Alguém aqui não fez a lição?

- Eu.

- Por que não Isaías?

- Preferi assistir desenho.

- Você acha que tenho cara de idiota?

Isaías não fazia por mal. Era um menino doente!

- SIM!

Isso sem falar nos almoços aos domingos com toda a família reunida. Os cochichos entre os tios não tinham fim.

- Nosso sobrinho Isaías é meio estranho né?

- Você tá de implicância. Ele é só uma criança. E aí Isaías, tava com saudade do titio?

- Não só não estava como ouvi a mamãe reclamar a semana inteira que teria que cozinhar pra esse monte de mortos de fome.

- Humpf! Moleque estranho!

Claro que sempre havia aquele priminho interesseiro.

- Desembucha Isaías.

- Nossa prima Maria disse que pega fogo cada vez que te encontra.

- Fala mais moleque!

- Ela está grávida e o filho é seu, mas acha melhor esperar você arranjar um emprego pra contar.

- Quê? Toma 10 contos. Caso perguntem por mim fui ser voluntário nas Forças Armadas!

Não era culpa de Isaías. Era um menino doente!

Passaram-se 20 anos e continuava o mesmo. No entanto, estava casado. Ninguém entendia como poderia haver mulher no mundo que suportasse um homem daquele. Sempre metido em encrencas e patologicamente debilitado. Pior era pra conseguir emprego.

- Humm.. Sr. Isaías não é?

- Sim senhor.

- Por que escolheu nossa empresa?

- Por que foi a única porcaria que sobrou. Estou ciente também que paga mal, explora o funcionário e sonega impostos.

- Hum... Como você sabe essas coisas???

- O meu amigo José trabalha aqui há 12 anos e me alertou.

Ex-amigo.

Isaías era assim. Perdia as amizades como quem perde o ônibus. Seu consolo era chegar em casa e encontrar sua querida esposa.

- Oi Isaías. Como foi hoje?

- Três amigos a menos.

- Não. No emprego!

- Não foi. Questionei os valores morais da empresa e fui mal interpretado.

- Ah. Não fica assim não. Vai dar tudo certo.

Isaías então mira os olhos de sua esposa e dispara um longo beijo apaixonado, aproximando os lábios de seus ouvidos e sussurrando:

- Te amo mulher!

Agora está explicado.

Felipe Valério
Enviado por Felipe Valério em 11/05/2006
Reeditado em 12/11/2006
Código do texto: T154412
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