O homem da esquina

As tardes eram muito tranquilas naquela vila. E qualquer um transeunte que aparecesse por ali era sempre muito observado pelas alcoviteiras. Os homens saiam de manhã para os seus trabalhos, deixando em casa suas mulheres e, à tarde quando voltavam tinham todo um relato preparado minuciosamente por elas.

Quinta-feira, mais ou menos duas horas da tarde, aparece um homem que anda de uma ponta a outra da vila. Tinha uma expressão de alguém desesperado: olhava para um lado, para outro, passava a mão na barriga e continuava a caminhar. As senhoras o observavam tanto que caso necessitassem preparar um retrato falado, fariam e certamente não se esqueceriam da pinta no lábio superior daquele homem.

E o homem continuava naquele vai-e-vem. Umas olhavam da janela do banheiro, outras da janela da sala... A gorda do rádio arrastava uma mesa para próximo da janela da sala para não desgrudar de seu rádio; a dos óculos “fundo de garrafa” tirava-os, limpava-os e os colocava forçando a vista para tentar não perder nada. E assim aquela tarde naquela vila parecia um cenário de filme.

Uma gritou para as outras que precisavam chamar seus maridos para tomarem providências, ou acionar a polícia. Algumas deixaram momentaneamente as janelas para ligarem para seus maridos. Aos poucos os maridos começaram a chegar, ofegantes, empunhando facões, foices e um deles exibia uma cartucheira presa ao peito. Este procurou se esconder, ficando em ponto estratégico caso precisava descarregar a arma.

E nada inibia o homem que continuava a andar, esfregar a barriga, olhar para um lado, para outro, num gesto de afobação. “Seria uma doido da cabeça – balbuciou uma delas”.

As outras discordaram: seria provável um ladrão ou aproveitador de crianças...

Os maridos apostos e sentindo que não conseguiam intimidar aquele homem, acordaram em acionar a polícia. Em menos de dez minutos a viatura estacionou. Desceram um cabo gordo, grisalho e com cara que tinha tomado todas no dia anterior, e dois soldados raquíticos, magros e com pouco sangue. O homem ia. Preparam para interceptá-lo na volta.

- Quem é o senhor e o que faz por aqui? Bravejou o cabo gordo.

- Sou João Antero, senhor! Estou à procura da casa de minha tia Alfonsina. Respondeu o homem apavorado.

- Mas não é normal uma pessoa ficar andando de um lado para o outro, como andarilho, assustando as pessoas. Perguntou o cabo, tossindo.

- Mas eu não estou assustando a ninguém, senhor. Tenho razões de sobra para estar andando, como estava...

- Mostre-me seus documentos. O cabo firmando a voz exigiu.

- Aqui estão, senhor! Estendeu o braço entregando toda carteira ao cabo.

O cabo olhou e ao final deu-lhe voz de prisão.

Na delegacia, o homem sendo interrogado pelo delegado confidencia-lhe:

“Dr. meu objetivo naquela vila era procurar minha tia Alfosina. Mas quando iniciei a procura tive uma indisposição intestinal, e precisava que alguém me emprestasse um banheiro. E qual foi minha surpresa: todos me olhavam como se eu fosse um bandido. Minutos depois, infelizmente, mesmo que me fosse emprestado o banheiro não adiantava mais.