Experimental 


     -  ...e o que foi sonho seria verdade certo dia. Tão certo quanto é o dia e a noite. Mas estamos lidando com homens e mulheres, que, na verdade, também são humanos... 
     - Como os da nossa classe, doutor? 
     - O que mais me impressiona é o fato de estarmos sendo dissociáveis e egoístas. Um tanto ruim, não é mesmo? Mas o que é isso? Chorar é preciso... 
     - Doutor, o senhor é analista ou louco? 
     - Quem, eu? 
     - Claro! Ou o senhor acha que eu também falo com as paredes? 
     - Calma, minha querida, isso apenas faz parte da min... da rotina psiquiátrica... – e pigarreou antes de continuar - é como se nós fizéssemos parte de um grande jogo: eu, o louco; e você, minha musa. 
     - Hein! – a essa altura, certamente, ela já estava ficando louca. 
     - É isso, darling... Inclusive o relatório exige esse tipo de conduta... 
     - Tudo em nome da ciência... 
     - Certo! Voltemos donde paramos. Eu dizia que o ser humano é um misto irreverente, indolente, inconseqüente e absolutamente deprimente de falta de caráter e bondade sufocadas... Gostei da rima... – filosofou o médico, para em seguida gargalhar. 
     - Não é nada disso... 
     - Já imaginou se eu estivesse deitado aí nesse divã, e a senhora aqui, sentada nesta cadeira, vomitando... 
     - Que nojento! 
     - ... palavras e fantasmagóricos destinos, enquanto o passado, que repito, não me importo, amotinado e sem glória, resolvesse abençoar nossas vontades, levando-nos ao paraíso? O templo profano dos motéis? Os mesmos que as luzes da cidade não conseguem ocultar? 
     - O que o senhor quer dizer com esse discurso, que eu sou leviana? Sexo e amor não podem ser siameses? 
     - Exatamente. É por isso que todas as donzelas (?), como a senhora, encontram-se na atmosfera da leviandade e do desprazer. Belo passado! 
     - Que passado doutor? Eu não tenho passado ou futuro... 
     - Mas você se dá de presente... 
     - Exatamente. Sou presente e me orgulho. Ao menos posso usufruir homens que nos tratam como brinquedos e... 
     As palmas debochadas do doutor Fernando interrompem por alguns instantes o discurso, que se tornara acalorado. 
     - Fernando, você me deseja, não é? 
     - Não se empolgue, querida. Eu não sou um desses... 
     - É superior? É isso? Você se julga melhor que eu? Só porque é médico, tem mestrado, usa essa roupa branca, doutorzinho? 
     - O seu tempo acabou. 
     - Sentiu-se ofendido, foi? – e, num rompante, despe-se, deita-se no divã e o provoca. 
     - Vem, profissional gabaritado... Vem perder o juízo... Vem que pra você eu não vou cobrar... 
     - Eu não posso... Eu... 
     - Você é o quê? 
     A porta da sala se abre. O secretário entra... 
     - Nandinho! 
     - Nandinho? Belo presente...