INJUSTIÇA OU GRATIDÃO?


     Os dias sempre, ou quase sempre são iguais, contém 24 horas, uns chovem, outros nublados, outros com sol. Mas... Astutamente existe aquele dia que por obra do acaso ou dedo do destino, são realmente negros. 
     Mas... Volto a afirmar que tudo não passa de momento ímpar do cotidiano.                                    
     Na vida, tudo se transforma.
Bom, assim era a vida de Eleutério Aguiar, um homem que passou pela vida e deixou suas marcas. Embora nunca reconhecido ou compreendido, mas mesmo assim conseguiu deixar suas  marcas.                                                 
     Quando criança, no colégio, Eleutério fora um aluno dedicado a sua língua mãe, “O Português” dedicava-se a leitura, passava a maior parte do dia embrenhado em bibliotecas regionais, diga-se de passagem, quando existiam em todos os bairros da cidade.
Com isso seus horizontes começaram a  expandir, sua visão do mundo foi se tornando mais interrogativa e dependente de mais e muito mais esclarecimentos.                                                                              
     Foi quando um belo dia, ao chegar à biblioteca da Lapa, situada à Rua Gomes Freire, conheceu uma mulher dos seus 32 anos. Ele, um jovem, com apenas 17 anos, já escrevia crônicas extremamente utópicas sobre o comportamento humano e sexual.                                                                 
Mafalda Férmion, uma professora de literatura, socióloga e como não poderia fugir à regra, ligeiramente louca, para não radicalizar seus modos modernos de pensar e agir. Nascia uma parceria selenita.                                                                                                                       

      Após um breve dialogo de loucos, resolveram tomar um café e aprofundarem-se em um colóquio cultural mais extravagante.                     
A coisa começou mais ou menos assim:                                             

     - Rapaz!

     - O que pensa estar fazendo com este livro em mãos, você conhece este autor?
     - Conheço, ele foi casado com a avó da sua mãe!
E era homossexual! Só não convivia socialmente como tal, pois a discriminação seria eminente.
O conservadorismo hipócrita o crucificaria e talvez, o levasse à fogueira das bruxas medievais, tal intelectualidade dos atrozes, a primeira linha da sociedade  carioca.          

     - Você é um adolescente totalmente destemperado e arrogante!        
     - Vem aqui para esta biblioteca ler ou para ficar paquerando as colegiais?

     - As duas coisas. Agora, não tenho culpa se de vez em quando, aparece uma mulher chata para se meter aonde não é chamada e dar palpite errado na vida dos outros.                                        
     - Você acaba de ser incluído na minha lista de amigos insuportáveis.
     - Mas no fundo eu gosto mesmo é dos homens ou adolescentes insuportáveis. Os certinhos eu dou meu desprezo.
     - Bem vindo!
     - Meu nome é Mafalda Férmion.                                                         
     - O meu é Eleutério Aguiar, mas, me chamam de Aguiar, minha mãe teve a infelicidade de me dar este palavrão como nome.
     - Fazer o que, não pude escolher.                                                            
     - Mas não é bem assim, Aguiar.
     - Vamos tomar café, pois tenho algo a contar sobre seu nome.                                                                  
      Ok! Vamos lá!                                                                                         Assim os dois atravessaram a rua e dirigiram-se a um bar com mesas ao fundo como na época era tradicional.
Sentaram-se à mesa,  pediram ao garcão o tal café.                    
       Desta forma Mafalda começou a falar sem uma pausa se quer. 
Aguiar ouvia atentamente a explanação da mulher:

    
                                                                                                                          
Eleutério foi o décimo terceiro Papa da igreja cristã, entre 175 e 189. Pensa-se que tenha origem albanesa e sucedeu a São Sotero.     
     O seu pontificado foi inicialmente pacífico, pois o imperador Cômodo, embora odiado pela aristocracia romana, não perseguiu os cristãos. Segundo a tradição, Eleutério recebeu cartas de Lúcio, Rei de uma parte da Bretanha, pedindo o envio de missionários para instruí-lo na fé cristã.                                                     
     Eleutério atendeu ao pedido iniciando assim a obra de evangelização, enviando os padres São Damião e São Fugácio para batizaram o Rei Lúcio, sua Rainha e grande parte da população. Esta história merece o cepticismo dos historiadores por não ser suportada por relatos concretos.                                                  
     Eleutério resolveu a questão de origem judaica, sobre a distinção entre alimentos puros e impuros, libertando os cristãos de restrições alimentares. O seu pontificado foi marcado pela luta contra a doutrina montanista, considerada excessiva, e pelo estabelecimento do costume de considerar o papa como Sucessor de Pedro. Eleutério estabeleceu ainda as primeiras normas para a celebração da Páscoa.” 
Assim, exatamente assim, Mafalda conseguiu conquistar a admiração de Aguiar, a recíproca foi verdadeira. Com isso, anos passaram e os dois andavam lado a lado na longa estrada da cultura.
A poesia tornou-se fundamental no dia a dia de Aguiar. Muito embora tenha escrito vários contos.
A poesia era a vertente do rapaz, sentia-se totalmente à vontade. Não respeitava regras clássicas. Um verdadeiro anarquista poético literário. Escrevia o que pensava e achava ser correto e ponto final. 

“Morreu dormindo, não houve tempo para certos assuntos pendentes com a própria Mafalda.
Mas, o estranho caminha ao lado do sobrenatural. E é muito curiosa a forma que se manifesta. E Mafaldo foi vítima de uma experiência que poucos têm oportunidade de desfrutar.”                                                                                                                    
      Um belo dia, Mafalda sentou-se ao mesmo lugar de sempre no bar na Lapa com Aguiar e falou-lhe:                                                                           
     - Aguiar. Adoro tudo que você escreve, acho-o fantástico. Mas creio que você deve reavaliar seus rumos literários. As pessoas são muito conservadoras e bairristas. Enquanto for vivo, nunca concederão a você reconhecimento algum. O Brasil é isso. Você melhor que ninguém, sabe do que estou falando. Vivenciamos uma sociedade hipócrita e discriminadora.
Falar a verdade é proibido. A censura descabida da incoerência o fará vítima das suas próprias palavras.                                                                                        
     - Sabe Mafalda, hoje aos 42 anos de idade, não me importo com isso. Não escrevo para fazer ninguém me idolatrar. Escrevo por necessidade de pensar e interagir meus conceitos mais saudáveis e críticos do mundo ao qual assisto passar em minha frente diuturnamente.
O que menos me importa é o que eles pensam ou virão a pensar e falar. Muito embora a covardia seja primórdio da ingratidão. Nada me deixa desanimar dos meus propósitos mais fiéis.

“As palavras fazem a conexão dos meus pensamentos e anseios às minhas verdades”
Procuro visualizar o passado presente do futuro inescapável. Assim, quando a noite toma a luz do dia e me enaltece com sua sabedoria negra, mas tão brilhante como o sol, deixo-me ser levado ao sono da sabedoria eterna e imutável.   
Ao amanhecer, existe sempre uma nova explicação, por que não dizer: ”Inspiração” que acaba a me conduzir ao um extremo prazer de reeditar meus pensamentos, lamentos ou virtudes. Erros ou acertos. Mas a humanidade necessita destas palavras. Pena que a incapacidade sensitiva seja tão atuante nos dias em que vivemos. As pessoas simplesmente ignoram o óbvio e deixam-se levar pelas mentiras tecidas pelas línguas irresponsáveis e dos cultuadores de princípios dúbios e destruidores. Um momento destes qualquer, a morte virá ao meu encontro. Com ela a satisfação de um dever cumprido. Pelo menos minha consciência estará límpida e clara como uma nascente, a qual saciou a sede da curiosidade de tantos ingratos ou ignorantes promíscuos.
A inexistência de cultura é fruto da incapacidade de compreensão do lógico e inegável.
A indulgência é fator preponderante nos dias atuais, tão quanto maior como a introspecção.
Minha introversão, hoje acalenta a satisfação de chegar aonde cheguei, não sei onde me levará, mais com absoluta certeza, não vou para.                                                                                
     - Mafalda, minha amiga e mestra querida!
Palavras não dignificam quão seu valor em minha longa e penosa jornada.
Mas, carrego em meu seio a certeza da tua sabedoria infinita a qual fui presenteado ao compartilhar por todos estes anos.
Entendo de forma sublime sua acentuada preocupação com meu destino ou futuro literário. Deixo-lhe a certeza que:                            Em momento algum, arrependo-me do que escrevi, falei ou vivi!
Muito pelo ao contrário.
Reeditaria tudo, e de maneira mais fria e contundente. Parágrafo a parágrafo, linha a linha, estrofe a estrofe.
O dia que deixar de lado minhas verdades e minha emoção. Serei mais um vegetal, um homem lobotomizado por uma sociedade inculta e tacanha de um País retrogrado.
Portanto:  “A não publicação dos meus livros não me causam frustrações nem muito menos tristezas.
Sinto somente a cada dia maior a certeza do caminhar na direção correta.
Não basta escrever o que todos gostam.
Verdades ou pensamentos são fatos distintos.
Não temos os dedos das mãos e dos pés do mesmo tamanho.                            
     Os diferenciais fazem uma complexa variedade de comunicação, pensamentos e condutas.                                                         
     Bem, como no caso dos pés, o perfeito equilíbrio, das mão a facilidade do manuseio sobre varias medidas e compostos das mais diferenciadas, bem como a forma dos objetos e utensílios.
     - Mafalda, sinto findar meus dias. Não quero que sofras ou que sintas minha partida como uma perda. Mas, desejo sim: Que distribua gratuitamente minhas obras em todas as entidades, em outros órgãos que estejam ligados a cultura e pensamento.
Não adianta fomentar o inaceitável. A posteridade enleva a razão. Com isso, a minha missão estará cumprida e talvez quem sabe?
Existirá uma outra dimensão a qual terei absoluta condição de reconhecimento e compreensão.
Não vivemos um ciclo de desperdício. A vida é complexa ao ponto do aprendizado constante e da sabedoria mental ser fatos preponderante para o sentir-se útil.
Mesmo sobrevivendo à miséria, ao anonimato.      
Existe uma energia interior que contempla e sacia todas as necessidades, nos envia a tal da felicidade momentânea qual acaba por difundir-se em força de viver, vencer cada momento seja ele qual for.
Por isso minha mestra.
Sinto-me gratificado.
Em quanto por acaso não me procure à morte, viverei compondo, criando textos, contos, poesias, crônicas e pensamentos. Falando sempre do que considero fundamental falar. Não existe como me calar. Seria abreviar, postar-me ao falecimento. Contudo, sinto completamente pronto e conformado à sua espera, sem dor ou ressentimento.                                                                                                    - Por último, gostaria de fazer algo que durante anos contive-me em revelar-te. Sei, és solteira, hoje aos 60 anos de vida louca e criativa, cheia de sabedoria, cultura que chaga ao extremo do absurdo de considerá-la uma deusa do saber.
Dignifico-me a convidá-la a dormir junto a este ser estranho. Passaremos uma noite inteira entregues ao amor. Este que tantas páginas dediquei ao longo da minha existência. Em contra partido, não aceito uma negativa como resposta, por ser sabedor dos seus anseios desde a primeira abordagem que me fizeste.                                  
     - Aguiar seu quarentão maluco. Levaste quase 25 anos para vir me dizer que você quer fazer amor comigo!
     - Você é mais louco do que havia imaginado todos estes anos. Você não imagina quantos dias passei desejando em ter-te em mim!
     - Noites e noites de desejo. Sonhei ser amada por ti.
     - A cada poesia que lia, sentia tua energia circular dentro do meu corpo, em minha alma.
     - Hoje vem você com esta cara de menino pidão e me faz embasbacar de contentamento.
     - Hoje estou mais velha, não sou mais a mesma Mafalda. Porém, revigoraste meu ego, me despertaste os desejos mais ousados ao me fazer este convite. Não há de esperar muito para tornarmos este acontecimento de desejo  realidade palpável.      
     - Ansiei por entregar-me a teus braços e a teus caprichos dominadores, faça-me á mulher sexagenária mais mulher do universo.                                                      
     Assim, Aguiar e Mafalda partiram em direção ao amor. Foram para casa. A noite foi realmente longa. Como se uma explosão de contentamento mútuo. Vinhos, beijos, loucuras sexuais das mais atrevidas e insanas.                                                           
     Ao amanhecer, Aguiar não mais fazia parte do mundo dos viventes. Ele já havia morrido há cinco dias. Isso deixou Mafalda estupefata!
Ela sabia que e Aguiar havia morrido. Mas amou e sentiu tudo, ouviu, falou, teve seus orgasmos para valer, sentiu-o homem dentro dela.                         
Mafalda sentou-se e quase enlouqueceu!

Até hoje é detentora deste amor por Aguiar!
    

Foi o renascer de uma juventude sexagenária.
Hoje passou a escrever, tentando imortalizar um homem chamado Eleutério Aguiar.
Assim caminha até o dia do reencontro final!
Ou não? 
Injustiça ou ingratidão?

 
                            Carlos Sant’Anna 


  

                                                                                                                                                                                                                  


  
 
                                                                                                                                                                                    
Bruxo das Letras
Enviado por Bruxo das Letras em 28/04/2009
Reeditado em 19/03/2010
Código do texto: T1564445
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