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A gaveta das meias – A meia-arrastão
 
Parou alguns instantes em frente ao prédio e observou a movimentação: crianças correndo, outras andando de bicicleta, um sujeito com passo trôpego e algumas mulheres conversando nas escadarias.Passava a todo momento gente pelo portão de entrada.Não havia nenhuma guarita isso o deixou um tanto aliviado:

- Um constrangimento a menos - pensou.
 
Minutos atrás, a namorada havia dito a ele numa ligação ruim de celular que estava presa no trânsito.Uma tempestade se aproximava e apesar de nunca ter estado na casa de Katiana, pois só namoravam há pouco mais de um mês, achou melhor esquecer as formalidades e esperá-la dentro do imóvel:
 
-Meu apartamento é o 203 e a chave está num vaso de plantas, na entrada...
 
Misturou-se aos moradores da *COHAB e entrou. A samambaia guardava a chave e acabou derrubando um pouco de terra antes de encontrá-la.
 
Qual uma criança que recebe ordens maternas sobre como se comportar na casa dos outros, Miguel permaneceu sentado no sofá durante uma dezena de minutos.Porém, a mãe não estava ali e as recomendações não haviam sido dadas.
 
Assim, abriu o armário da cozinha para apanhar um copo.Acabou encontrando, por acaso, um pacote de Malboro, ainda fechado:
 
-Não sabia que ela fumava... O que mais Katiana esconderá de mim?
 
Na sala, ligou a tevê e a cena da novela das seis chamou-lhe a atenção: a filha acabava de descobrir um segredo fuçando na gaveta de lingerie da mãe.
 
Miguel sorriu vagamente mau.Olhou pela janela da sala para verificar se não seria surpreendido e seguiu para um dos quartos, justamente o que só havia um grande guarda-roupa e um espelho.
 
Assim como a atriz da telenovela, Miguel abriu uma gaveta.Era a de meias.Nela estavam guardadas várias meias sete oitavos nas cores preto e vermelho, algumas com cores cítricas, e uma quantidade curiosa de meia-arrastão.
 
- Que tipo de mulher usa meias como essas?
 
Mini-vestidos, perucas, tops e saias de couro enchiam os cabides e prateleiras daquele armário de roupas.Na sapateira, Miguel, completamente atônito, encontrou saltos plataforma e botas de cano altíssimo:
 
-Que bela bisca...
 
Estava no ponto de ônibus quando recebeu uma ligação da casa da namorada:
 
-Ei, amor, onde é que você está? Acabei de chegar e...
 
- Vendedora, é? Eu descobri  o que é que você vende, sua mentirosa.Não quero lhe ver nem pintada de ouro! 
 
Confusa, a moça agarrou-se à imagem de Santo Antônio e indagou-lhe:
 
- Por que é que todo namorado que eu arrumo foge de mim quando descobre que eu não vendo roupa e sim caixão, meu santo? Aposto que foram as fofoqueiras desse prédio que contaram tudo para o Miguel....malditas!
 
De repente, Seu Moacir, o morador do 203, que fazia shows como transformista às sextas-feiras na boate Intimus, começou a gritar nas escadas do prédio:
 
-Roubaram minhas meias -arrastão! Pega ladrão, pega ladrão!
 
Katiana exausta e furiosa, bateu com força a porta do seu apartamento, fazendo com que a numeração do lado de fora da porta caísse: 206.
 
Ela continua a fazer promessa para se casar...e  "Moa" ainda faz performances nos palcos...sem as meias-arrastão, que jeito?
 
 
(Maria Fernandes Shu – 28 de abril de 2009)
* em viagem
 
 
OBS: Esse texto é um conto, não uma crônica.Está postado aqui por conta do Desafio.

Este texto faz parte do IV Desafio Recantista de 2009.
Saiba mais, conheça os outros textos com o título precedido por "A gaveta das meias".

http://www.escritoresdorecanto.xpg.com.br/desafio200904.htm


Maria SHU
Enviado por Maria SHU em 28/04/2009
Reeditado em 01/05/2009
Código do texto: T1565327
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