Embaçado

Eu de novo. Peladinho. Não reclama, foi você quem provocou. Chamou de moleque, tá lembrado? Mas não sou moleque, não. Já fui. Dia desses. Fazia aquele tipinho quase trinta. Quase homem. Quase. Agora a cicatriz é outra. Pulou do joelho direto na cara. Tá vendo aqui? Quem escondeu isso de mim nos meus vinte e poucos? Falo apontando o dedo, sim! Foi sujeira sua tentar disfarçar. Ficou embaçando quando mais precisei. E não é papinho pra defender marca de sono, não. Se pé de galinha fosse lembrança, comprava um par de muletas pra coitada e seguia em frente. O problema aqui é você. E sua falta de transparência. Exagero meu? Desde os vinte besunto o cabelo com Bozanno. Com álcool! E você sabe. Diz! Sabe ou não sabe? Avisou até pra mudar o lado do corte. E agora vem me dizer que não viu os fios caindo. E o cabelo branco, cara! Branco! Primeiro deixa chegar perto e responde sorrindo. Depois fica me seguindo pelas costas? Isso sem falar no peso que você trouxe pra minha vida. Mal localizado. Por isso parei. Você é liso demais. Eu não. Mas também não sou burro. E pra garantir que você não termine de foder a minha imagem, vou ficar aqui. Até que o tempo me devolva. Eu de novo. Peladinho. Pro seu azar.

* Conto escrito para a Oficina Narrativas Breves (e outras nem tanto) com o cabra Marcelino Freire. O briefing? "Fiquei peladão na frente do espelho e foi isso que eu vi."

Felipe Valério
Enviado por Felipe Valério em 07/05/2009
Reeditado em 07/05/2009
Código do texto: T1580648
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