A Vingança.

Anita era uma garota linda. De estatura mediana, tinha suas medidas quase perfeitas. Busto, quadril, pernas, membros formados nos seus dezoitos anos. Como uma tenra alface, seu corpo estava pronto e seus hábitos - típicos de adolescente - afloravam. Um fato que preocupava sua mãe era o seu pessimismo. Se algo dava errado, ela imaginava as piores conseqüências. Além disso, ela tinha um sério problema. Desde muito cedo demonstrava um verdadeiro pavor por aranhas. Onde quer que fosse, se encontrasse uma - mesmo pequenina e inofensiva-, tinha que matá-la. Era um alívio vê-la esmagada sob os pés, e quando alguma se escondia, travava-se uma verdadeira batalha para encontrá-la. Seu exercício predileto era empunhar uma vassoura e sair pela casa esmagando os pequenos aracnídeos que pacientemente armavam suas teias nas paredes. Como se não bastassem os pardais que devoravam os ovos e larvas, Anita encurralava a fêmea indefesa e, quando a pobre criatura morria, ela expunha seu troféu. Em sua casa tudo era revistado diariamente. Quando achava um ninho de filhotes, todos aparentemente imaturos e de má formação, ela os exterminava e ia contando: um, dois, três enquanto a mamãe aranha, afastada, esperava sua vez.

Fora seus traumas, a vida ia bem. Seu namorado, um pouco mais velho, formado em biologia, não se cansava de lhe expor razões que desabonavam a sua conduta. Mas eles se amavam, apesar das diferenças, tudo faziam para se darem bem.

Numa tarde ensolarada de outono foram ao motel. Como de praxe, Anita vistoriou todos os cantos da suíte, do terraço e do banheiro. Certificando-se de que não havia nenhuma aranha nas paredes, encheu a banheira e se entregaram enquanto o sol se escondia no horizonte. Nos momentos de descontração, seu namorado, mais uma vez, se encarregou de lhe aconselhar sobre o lado inofensivo dessas aranhas caseiras, mas ela ignorava. Sempre temendo o pior, acabou por adormecer nos braços do amado. O que ele não notou é que ela mergulhou num tedioso pesadelo. As suas palavras sobre o lado biológico defendendo aqueles animais causaram furor em seu cérebro. No sonho, eles se entregavam; mas, em cada canto viam-se várias espécies à espreita. Quando foram para suas casas, ela notou sintomas típicos de gravidez - enjôos, tonturas, desejos absurdos - em proporções avassaladoras. Com o passar dos dias, o ultra-som lhe encheu de pavor. Sempre temerosa, viu, desesperada, o diagnóstico. Em seu ventre havia sete fetos. Aquilo não era uma gestação, era um berçário ambulante. Cheia de tensão, mal chegou aos sete meses, os médicos iriam fazer-lhe uma cesariana, mas não houve tempo. Em situação completamente alheia a sua vontade, foram brotando de seu ventre, prematuros e debilitados como seu pensamento mais pessimista previa.

Após o conturbado parto, cinqüenta dias foram necessários para que a prole deixasse à incubadora. Muito debilitado, cada filho mal mexia os membros e ela tinha que fazer tudo sozinha. Chegando a casa, revistou todos os cantos e, por via das dúvidas, espalhou inseticida por todo o aposento mantendo a porta fechada.

Minutos depois, acomodada no sofá, recebeu a presença de amigos que queriam conhecer sua família. Aparentando ser natural disse: “Eles estão dormindo”. E foi ao desespero – “...no quarto!!! Eu os tranquei no quarto cheio de inseticida”!!!! Num ímpeto, arrombou a porta. Em meio ao forte cheiro que emanava naquele local pode ver cada um de seus filhos, que mais pareciam casulos, irem expirando e, no alto da parede, uma aranha contabilizava cada morte. Com um grito viu-se em pé no corredor do motel, amparada pelo amante e cercada por diferentes tipos, nus, seminus; jovens, velhos, pares homossexuais. Foi difícil acalmar os freqüentadores daquele antro de prazer. Todos assustados, queriam saber do que se tratava. Certificando-se de que fora somente um sonho e recebendo os primeiros cuidados clínicos, foi para um hospital. Depois dos exames de praxe, ainda meio atordoada, acabou por aceitar a proposta de seus familiares em fazer um tratamento psicológico. Meses e meses nos consultórios, convivências com animais e terapia coletiva consumiram dias de sua conturbada adolescência, até que recebeu a mais bela notícia dos médicos: estava curada. Aquilo soava como um mantra, uma doutrina: estava curada.

De tanto repetir essa afirmação e ciente de que suas suspeitas eram infundadas aceitou ir passar o primeiro fim de semana na praia. Só ela e o namorado.

Já na estrada, ele voltou a bater na mesma tecla: tudo estava bem, não era preciso se preocupar... Assentindo que sim, ela não menciona a presença de alguém que estava varrendo e lavando a casa a beira-mar, nem a reserva de inseticida e de preservativos na bagagem. Durante o tratamento, preocuparam-se com o seu restabelecimento, o que realmente aconteceu: estava controlada a sua aracnofobia; o que ninguém se lembrou foi do pessimismo, aquele sentimento destrutivo que só Anita conhecia. Mas isso era uma outra história. Com semblante enigmático, ela ajusta o óculo de sol, ajeita-se na poltrona e seguem na viagem.