DESAFIO LITERÁRIO = AS ESTAÇÕES

Epitácio estava viajando pela última vez como Chefe de Trem.

Sua aposentadoria tinha saído, mas, em vez da euforia da liberdade, estava sentindo o coração pesado como se só então tivesse descoberto o quanto amava esse trem, as várias Estações por onde passava, os colegas que encontrava todos os dias.

Afinal tinham sido 35 anos, a maior parte de sua vida.

Lembrava de quando começara ainda muito jovem e de várias passagens alegres, tristes, engraçadas.

Poderia escrever um livro de formato grande só com suas memórias, mas não era escritor. Suas memórias, ele guardava no fundo do coração.

Em cada Estação ele descia, esperava os passageiros descerem, subirem acomodarem-se e então ele apitava duas vezes, subia o degrau com o trem em movimento e ia correr os carros, conferir as passagens, resolver qualquer emergência que, por acaso surgisse.

Nas Estações menores a parada era rápida e ele mal tinha tempo de cumprimentar de longe os colegas que trabalhavam ali, mas havia algumas onde a parada era maior. Dava tempo de tomar um lanche, conversar com os colegas e observar os jovens que costumavam encontrar-se no pátio para ver o trem passar.

Foi numa dessas paradas que ele conheceu e se apaixonou pela.... (como era mesmo o nome dela?)

Como estava em serviço e os minutos da parada eram poucos para namorar, convidou-a para ir com ele até outra estação para voltar no próximo trem que passava por lá pouco depois.

Isto escondido do pai, pois imaginem se um pai daquela época deixava a filha adolescente fazer uma coisa dessas.

Epitácio nunca mais soube dela. Imagina que o pai descobriu e a botou de castigo.

Foi no trem que ele conheceu algum tempo depois a Raquel, uma professora que viajava todos os dias para trabalhar. Raquel agora era sua esposa e mãe de seus quatro filhos.

Não sei por que há fatos que ficam gravados em nossa memória e outros que caem no esquecimento.

Enquanto o trem corria, parava, ele descia, apitava, tornava a subir, as lembranças lhe acorriam..

Uma vez, uma meninazinha chorava e ele aproximou-se para ver se podia fazer alguma coisa para ajudar. A mãe contou que ela tinha derrubado a boneca pela janela.

- Não chore que depois eu vou buscar a boneca pra você.

A garotinha calou-se.

Epitácio recorda-se do fato e imagina por quanto tempo ela esperou que ele cumprisse o prometido.

Devia ter ficado muito decepcionada quando descobriu que fora enganada.

As noites eram mais monótonas. Os passageiros dormiam e ele tinha que ficar bem acordado e atento para chamar quando se aproximasse do destino e para descer na Estações e dar seus dois apitos mesmo que não houvesse um só passageiro embarcando ou desembarcando.

Pra que apitar se não tinha ninguém ouvindo?

Mas, havia alguém sim, lá na maquina, bem desperto e atento para responder o seu apito que era a licença para partir.

Epitácio ficou matutando, tentando calcular quantas vezes teria usado aquele apito. Para onde se foram os sons alegres que anunciavam a partida do trem?

Onde os dias de sua juventude, os sonhos, as decepções, as alegrias e as tristezas que um dia foram presente e que agora são passado?

Deviam estar no misterioso infinito, no inalcançável arquivo do tempo.

E as Estações continuam lá servindo de palco para outras pessoas, esperando pelo trem repleto de passageiros e por outros Chefes de Trem com seus apitos estridentes.

Maith
Enviado por Maith em 14/05/2009
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