Enganada eu? Jamais!

Não, eu não seria mais outra vez enganada. Dessa vez eu rebati:

- E o seu número?

Ele me fitou espantado. Não é possível, deve ter pensado. Mas, logo o avisei:

- Não que eu não acredite em você. É precaução!

Ele ficou calado. Pensando que sim, eu era a louca da vez. Mas ao invés disso, ele me olhou nos olhos, passou a mão por detrás da minha cintura, me enganchou nele, veio com seu rosto para cima de mim e eu é que fiquei assustada. Mas fechei os olhos e mandei ver num longo beijo.

Sim, digo que foi um beijo roubado. E, além disso, roubou meu coração junto. Parecia que eu beijava o ator do filme que acabávamos de assistir. Mas quando abri os olhos e o vi lambendo os beiços, fiquei encabulada, e disse que aquele papo de telefone, eu ter o dele, era irrelevante. Pode ficar com o número do meu celular, mesmo. Mas liga, hein? Vou ficar esperando! De manhã? Ok! Eu também te amo!

Ele foi embora, saiu com o carrinho zero dele, sem placa ainda, deu um cavalinho de pau na esquina e sumiu. Eu fiquei ali ainda, chupando meus lábios para ver se o sabor de pipoca ainda me remetia àquela boca incrível.

Fui embora a pé, minha casa era perto mesmo. Dei um tchau para o pessoal do cinema e fui, pensando ainda no meu homem. Meu... Ele se dizia meu. E eu lhe dizia sua! Ai que romântico!

Cheguei, destranquei a porta, Tô na área, mãe, gritei. Ela deu um ronco em resposta, estava no quinto sono. Também, o filme acabou duas e meia da manhã e a minha mãe tinha que acordar as seis para trabalhar. Não era à toa que ela estava babando, não é? Entrei devagarzinho, sem fazer barulho, ainda me imaginando beijando aquele deus-grego, ai, ai.

Troquei de roupa e fui dormir. Mas rolava e rolava na cama pensando no meu benzinho. Se eu tivesse o celular dele, eu passava uma mensagem de texto pra ele. Da próxima vez eu pego o telefone dele. Virava, revirava, a coberta caía no chão, eu levantava e me recobria. Eu estava morrendo de calores. Já pensou ele aqui em casa? Aqui nesse meu cochãozinho maciozinho? E foi assim, depois de uma hora e pouco de rolação pela cama que acabei dormindo.

Acordei com meu celular apitando. Pulei da cama. É ele, pensei. Corri para pegar o celular, aonde está o maldito? Ah, aqui debaixo do travesseiro. Nossa, dormi com ele na cama. Quando peguei-o na mão, era somente o despertador. Ai que nervo! Só não joguei o telefone no chão porque era novinho, tinha comprado dois dias antes de conhecer meu amor.

Era hoje de manhã que ele ia ligar. Disse que antes do meio-dia é certeza. Mas ainda faltava muito para chegar meio-dia, o que, eram sete da madruga ainda. Tudo bem, sete da manhã. Mas para quem acorda sempre dez e meia, onze horas, sete da manhã é madrugada ainda. Entretanto não deixei de tomar um belíssimo café da matina, com o café passado na hora, hum.

Todavia às dez e meia eu já estava careca de tanto puxar meus cabelos. Por que ele não me liga? Será que não gostou do beijo? Será que estava com uma espinha na testa? Ele não gostou da cor do meu batom? Qual o motivo de demorar tanto para me ligar?

Corri na lista telefônica, qual era mesmo o nome dele, Arnaldo, Osvaldo, Edivaldo? Só sei que terminava com “aldo”! Puxa, mas eu sou uma anta mesmo! Nem pra pegar o telefone dele! Eu sabia que ele ia me dar um bolo, todos me dão bolo. É sempre assim. Homem que não dá bolo não é homem. Pode ser um E.T., uma biba, ou até traveco. Mas ele tinha um jeitão tão masculino! Como disse, era um deus-grego. Oh, meus deuses do Olímpo, me ajudem nessa hora de desgosto! Faça que meu amor me ligue agora!

Observo o celular e nada. Nenhum toquinho, nenhuma mensagem de texto, nenhuma chamada à cobrar. Nada! Por que, meu Deus? POR QUÊ?

O celular começa a vibrar, é um sinal. Depois começa a tocar! Ai, Jesus, é ele, tenho certeza que esse número privado só pode ser ele. Vai ver ele não queria ser reconhecido. Deixo o celular vibrar e tocar umas duas vezes antes de atender, para fazer um charme. Vai que ele não gosta de mulher afobada e grudenta. Por isso, esperar um pouquinho antes de atender.

- Alôu? – digo, com uma voz bem meiga e adocicada.

- Filha? É você, minha filha?

O que minha mãe tá me ligando?

- Que voz de prostituta é essa no celular da...

- Sou eu mesma, mãe! – a interrompo, com a voz agora seca e ríspida.

- Eu liguei aqui do celular do Robervaldo pra te avisar que tem um bolo no forno. Eu esqueci de colocar na mesa pra você tomar café, filhinha.

- Tudo bem, mãe, eu já comi.

- Já? Mas que horas você acordou?

- Acordei sete horas.

- Nossa, então é por isso que hoje de manhã caiu um temporal!

- Sem gracinhas, mãe. Estou esperando uma ligação, tchau.

- Que ligação?

- Oh, mãe, uma ligação... Só isso, beijo, beijo...

- Mas... – desligo o celular.

Não é possível. Deve ser a lei de Murphy, só pode! Minha mãe nunca me liga, mas quando eu tenho que receber uma ligação importantérrima, então ela me atrapalha, percebe que eu existo. É sempre assim, sempre nos momentos menos propícios que acontecem as coisas.

Mas olho no relógio da parede, onze e meia. JÁÁÁÁÁ??? E ele ainda não me ligou? No entanto, e se ele ligou enquanto minha mãe conversava comigo? Ai que raiva! Então ele pensa que eu não dou a mínima para ele e já parte pra outra. Sinto que as lágrimas vêm aos meus olhos. Não, disse a mim mesma, não vou chorar! Vou ser forte! Vai que ele tenta ligar de novo. Vai que ele não desistiu de mim para ficar com outra. Vai que eu sou importante para ele.

E com esses pensamentos felizes fiquei até meio-dia e quinze. Depois, sem pensar no que estava fazendo, joguei o celular no lixo, gritei feito uma histérica, chorei pelo amor perdido, xinguei a mãe dele de tudo que é nome. Decidi então que não, não vou sofrer mais por homem. Homem é dor de cabeça, isso sim.

Mas que ele era um deus-grego, ai, ai, isso ele era sim. E que deus, hein!