O ACIDENTE

O ACIDENTE

Certo dia numa dessas viagens pelo Brasil, Jackson se deparou com um acidente. Não foi um fato agradável, mas o marcou profundamente em sua trajetória. Foi um barulho como se fosse uma explosão e lá estava uma cena horrível. A poucos metros de distância a sua frente, obrigando a uma frenagem brusca e urgente, estava um caminhão de combustível virado no acostamento da BR101, após uma colisão com uma carreta carregada de madeira numa ultrapassagem mal sucedida.

A pancada foi na lateral, mas provocou a capotagem de ambas no acostamento e lá estava a cena: uma para cada lado deixando um grande número de pessoas aflitas. Os curiosos se juntavam as dezenas e em poucos minutos haviam tantas pessoas que mal se podia ver o que ocorria.

Parando seu carro no acostamento a mais ou menos cinqüenta metros do caminhão de combustível, Jackson foi driblando as pessoas para chegar mais próximo do acidente. Ao fitar o estrago ocorrido, ouviu o grito agonizante de um homem sob a lataria da cabine do caminhão com a perna presa ao motor.

As pessoas tentavam removê-lo, mas ele gritava muito. Enquanto outros pediam que não tocassem nele até a chegada de socorro, outros pediam para que alguém que tivesse um celular, ligasse para o corpo de bombeiros, polícia rodoviária, resgate ou o “diabo a quatro”.

Em meio a aquela confusão, Jackson emprestou seu celular a um senhor de bigode, muito nervoso, que morava nas imediações, o qual ligou com a voz trêmula e respiração ofegante para o resgate, solicitando a máxima urgência.

Era quase meio dia e o calor infernal maltratava o corpo do homem acidentado que se encontrava deitado no asfalto quente com uma tonelada de ferro sobre sua perna. Cada gota de suor que vertia sobre sua testa lhe incomodava os olhos por misturar-se as lágrimas de desespero. A todo instante uma voz diferente lhe pedia calma e via-se pessoas indo e vindo no maior murmúrio em volta do caminhão que sofrera o maior estrago.

Jackson não conseguia se mover diante daquela cena, e estático na frente daquele homem agonizante, só teve iniciativa para perguntar em voz branda:

- Qual o seu nome?

O homem de cor parda, bigode raso, olhos castanhos e rosto sofrido, lhe olhava com desespero. Sua testa franzida demonstrava sua preocupação, seus olhos lacrimejantes e dentes trincados completavam a cena em que o homem com suas mãos puxava os joelhos na ínfima tentativa de tirar sua perna que estava presa às ferragens.

- Meu nome é Carlos Antônio! Por favor, corta a minha perna! Preciso sair daqui o mais rápido possível!

- O quê? O que você disse?

- Isso mesmo que você ouviu! Corte a minha perna. O caminhão está vazando combustível e poderá explodir a qualquer momento!

As pessoas que se encontravam por perto ouviram o que Carlos Antonio falou e começaram a se interrogar sobre o que se passava. A algazarra começou pelas mulheres que puxavam seus filhos para longe do local temendo o fato citado pelo motorista. Em segundos, se ouvia uma gritaria incontrolável.

- Tem uma serra elétrica na cabine do caminhão de madeira!

Dizia um jovem, pálido, informando a Jackson na possibilidade de querer cumprir o pedido do motorista agonizante.

- Depressa corte minha perna!

O homem, já com as costas queimada do asfalto quente misturado ao vazamento de combustível, implorava, em voz alta, olhando para todos os que estavam próximo, afim de que alguém o atendesse. Jackson permaneceu estático e afônico com tudo que presenciava. Sua cabeça dava mil voltas em anos luz, buscando um raciocínio lógico e urgente para o pedido que ouvira. Muitos reclamavam da demora do resgate, outros estavam socorrendo o motorista da carreta de madeira que estava virada no lado oposto do acostamento. Não lhe provocara danos corporais com risco de morte. Ao final de tudo o que ocorrera lhe sobrara o saldo de duas ou três costelas quebradas e algumas escoriações leves na cabeça e por todo o corpo. Sentado próximo ao acostamento, ainda tonto e meio que fora do ar, Joaquim, o motorista, tomava um copo de água com açúcar auxiliado por uma senhora de vestido longo e lenço no cabelo que se deslocara de sua pequena casa próxima de onde a carreta despencou.

Alguns homens mais proativos procuravam a moto serra proposta pelo jovem a Jackson entre as ferragens da cabine do caminhão de madeira. Em pouco tempo, ouve-se o anúncio em voz alta:

- Achei a moto serra, está aqui debaixo do banco!

Depois de encontrada, a moto serra foi encostada pelo jovem junto ao homem agonizante que pedia por dezenas de vezes seguidas:

- Cortem ligeiro a minha perna!

Neste momento começava mais um dilema. Quem cortaria a perna daquele homem? Quem seria o voluntário de uma atitude tão insólita? A maioria das pessoas já haviam se retirado e o pouco que se restava no local já estavam a uma distância maior que a anterior por conta da cena que poderiam presenciar, ou com medo da iminente explosão anunciada por Carlos Antonio.

Cada segundo era desesperador, e a vida daquele homem estava nas mãos dos curiosos envolta do caminhão. Ninguém teve coragem de cortar a perna do pobre homem, e ele já agonizante, com sua voz trêmula e rouca, com olhar exausto e febril, pede pela ultima vez:

- Por favor, cortem a minha perna!

Naquele momento, ouviu-se um estalo entre a cabine e o tanque de combustível, que vazava, exalando um odor insuportável de gasolina, há muitos metros do local. O calor infernal e a temperatura do asfalto foram decisivos na reação química explosiva, começando a mostrar pequenas faíscas diante deles.

Todos saíram correndo e aos gritos, entravam em seus carros ou corriam a pé e meio ao canavial em suas laterais, saindo imediatamente dali. Não demorou mais que trinta segundos para que o fogo se alastrasse por todo o caminhão, provocando uma explosão imensurável, devastando o matagal que havia próximo a ele.

Jackson parou o carro a quase 1Km de lá e observava a fumaça tingindo o céu. Debruçado sobre o volante do carro chorou quase que desenfreadamente por sua falta de coragem e atitude. Há essa hora, Carlos Antônio estava carbonizado por falta da coragem de mais de trinta homens.

Aos soluços, Jackson vê a equipe de resgate passar por seu carro como uma bala em direção do acidente.

Marcos Sena
Enviado por Marcos Sena em 28/05/2009
Código do texto: T1619162
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