HORMÔNIOS

Certas feitas estávamos no plantão noturno, quando chega uma jovem de 15 anos, acompanhada do pai que, desolado, não sabia mais o que fazer para resolver o problema da filha.

Segundo ele a moça tinha um distúrbio hormonal muito sério, já havia até vendido uma casinha para a filha se tratar em São Paulo e nada adiantara, ela continuava com os seios crescidos e engordara bastante. Para completar agora estava sentindo muitas dores no “pé da barriga”.

Ele estava muito apreensivo:

Só tinha duas filhas. A mais velha era uma menina boa (80% dos homens da cidade também concordavam com ele), mas “se perdeu” e tinha um filho sem pai.

Mas esta não, era a princesinha dele, ainda era “moça” e faria qualquer coisa para que ficasse curada desse problema de hormônio. Daria a vida em troca de sua saúde. Era realmente comovente e verdadeira a ansiedade daquele pai. Conversou bastante, desabafou e por fim disse ao doutor:

- Faça o que for necessário doutor que eu pago.

O doutor respondeu que não precisava pagar nada – o hospital era público – e que faria o que estivesse ao alcance e quando nossos olhos se cruzaram o diagnóstico já estava definido... Há fatos que não precisam de palavras para que entendamos.

Educadamente o doutor pediu para que o pai nos deixasse a sós. Ajudei a moça a se acomodar na maca e o médico começou a examiná-la. Ela estava com muita dor se contorcia toda dizendo que lhe doía à barriga. Então veio a pergunta que não podia mais calar:

- Quando foi sua última menstruação? Disse o doutor.

- O mês passado... Não lembro o dia. Responde a paciente.

Novamente o doutor ao olhar-me confirma o diagnóstico e diz:

- Faça a medicação.

Administrei uma medicação para dor, chamei o pai e o doutor explicou que a levasse para casa que a dor iria passar.

Quando a paciente deixou o consultório ele comentou:

- Ela está grávida, o que você acha?

Assenti com a cabeça e ele continuou a falar:

- Não tive coragem de dizer isto ao pai, coitado. Ela está em trabalho de parto, como é o primeiro filho vai demorar um pouco... Vamos ver se ele descobre sozinho, aquela medicação não vai resolver nada, daqui há algumas horas a dor voltará e terão que tomar providências.

Já era cerca de uma hora da manhã quando o pai voltou com a menina, novamente, cheia de dores. Conversa mais algum tempo, reclama, lamenta e, mais uma vez, o doutor pede que nos deixe a sós.

Dirige-se para a menina dizendo:

- Há quantos meses você está sem menstruação?

Ela permanece calada, o doutor pergunta de novo:

- Você está grávida de quantos meses?

Ela começa a chorar e diz que o doutor a está ofendendo, que é uma moça “virgem” e nunca conheceu homens. O pobre do médico, já nervoso, não agüenta e desabafa:

- A única mulher que teve filho sem conhecer homem foi a Virgem Maria... Eu sou médico e você não me engana, está grávida, não posso precisar o tempo, mas está entre sete e nove meses. Você está em trabalho de parto menina, assuma e acabe logo com o sofrimento do seu pai, não vê como ele está? Eu não contei para poupá-lo, ele é um homem de bem, mas você deve falar. Não vai tomar medicação nenhuma porque não adianta... A criança vai nascer.

A moça começou a dizer que era mentira e fez uma cena... Chamei o pai e o médico, mais uma vez disse:

- Fizemos o possível. Desta vez o senhor vai para casa, se ela não melhorar, procure um ambulatório. Lá ela será submetida a alguns exames e com certeza encontrarão uma maneira de tratar desse problema de hormônios.

Fomos descansar e por volta de quatro horas lá está de volta a menina, desta vez com a mãe. Esta já sabia que a filha estava em trabalho de parto, foi mais fácil de conversar e tomar a decisão mais acertada.

Levei a moça até a sala de parto, preparei tudo e chamei o doutor. Passamos cerca de meia hora tentando realizar o exame de toque, mas ela não deixava: fechava as pernas. O doutor já estava ficando roxo de raiva, pensei até que ele ia voar no pescoço dela, entretanto, respirou fundo e falou olhando para o relógio na parede:

- Minha filha, já falta quinze para as cinco... Já é hora de você abrir essas pernas para a criança nascer.

Não conseguimos nada. A menina simplesmente não abria as pernas. Ficava ali se contorcendo, mas firme na sua decisão de não deixar a criança nascer. Fui até a mãe e comuniquei:

- Ela não deixa... Não abre as pernas e não podemos forçá-la. Vai ter que procurar outro hospital, talvez seja mais conveniente que a senhora providencie uma cesariana... A criança está em sofrimento...

Mãe e filha saíram, o plantão terminou sem mais ocorrências e fomos para casa descansar.

No dia seguinte, quando cheguei ao trabalho, imagine quem encontrei na porta do hospital? Isso mesmo a vovó com o bebezinho no colo, toda sorridente:

- Dona Ceiça, vim trazer o "hormônio" para a senhora conhecer.

Era um menininho lindo e o parto foi normal. Finalmente a moça ficara curada do problema de hormônios...

Ceiça Lima
Enviado por Ceiça Lima em 30/05/2009
Reeditado em 30/05/2009
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