Uma confidência sobre o zapping noturno

Quando bateu seus olhos, já pesados pela alegria, em Lauanda, Jéferson Cláudio já sabia o que queria. Ela estava ali. Sorriso fácil, dança sensual, ancas firmes e olhos pintados, além de um copo enorme de caipirinha já pela metade.

Cláudio sentiu seus batimentos acelerarem, procurando algum tipo de papo instantâneo, “gente boa” e eficiente. Em segundos, dezenas de lembranças e, poucas, novas idéias varreram sua mente embriagada.

Pensou muito no carnaval e nas “baixadas” mais toscas que surpreendentemente deram certo. Não, desta vez não funcionaria, Lauanda não era deste tipo de menina. Era nitidamente patricinha, e bonita, demais para cantadas como “me dá um gole que te dou um beijo”- ou “sabe que eu sempre reparei em você”- funcionarem. Cláudio teria que usar, a seu contragosto, de métodos mais lentos e ortodoxos...

Mas de repente, como se alguma coisa - quem sabe sorte ou destino - conspirasse paradar uma folga a sua cabeça , Jéferson avistou um atalho. Um amigo de anos atrás dançava lado a lado com a moça. Talvez esse “atalho” o distanciasse ainda mais de seu caminho, mas já era um começo.

Abraçou o cara como se ainda lembrasse de seu nome, ou como se sentisse realmente saudades dos dias em que ele pegava sua prima. Ele, por motivos óbvios, retribuiu da mesma forma. Esperou. Esperou seu amigo anônimo perguntar alguma noticia de seu antigo caso, para que depois, como quem não quer nada, saber sobre a moça a seu lado. "É a minha irmã!" Respondeu ingenuamente o rapaz. Os dentes de predador de Cláudio já se abriram em direção a presa. Sentiu cheiro de mulher.

Posicionou-se perpendicularmente aos dois, mas com seus olhos já fitando os da menina. Lauanda, por sua vez, fez que nem deu bola e continuou dançando com suas amigas.

Começou pelo básico, embora esse não fosse o seu estilo, era o mais correto a se fazer, "o que faz? qual é o seu nome? da onde você é?"... Recolheu algumas informações para traçar seu plano de ataque.

Sim, Cláudio estava certo, aquele espécime requereria um pouco mais de atenção. Decidiu manter um papo até que alguma coisa acontecesse, talvez o nível alcoólico da moça aumentasse- ou surgisse uma outra oportunidade.

A banda, comovida com o empenho de Cláudio, decidiu dar um empurrão, mandaram um forró, daqueles que tocam em toda festa. Logicamente nosso protagonista entendeu o momento. Mas logo percebeu que seu plano tinha um defeito... ele não sabia dançar. Era simplesmente duro dos quadris.

Mas encarou o desafio e enquanto tomava Lauanda pelos braços, foi falando em seus ouvidos o esforço que estava fazendo apenas para ficar mais próximo dela o possível.

Em outros tempos essa teria sido uma tática horrível, admitir logo suas intenções afastaria quase que instantaneamente a presa. Mas em tempos difíceis como hoje, qualquer coisa um pouco diferente, ainda mais uma metalinguagem aliada a uma sinceridade obtusa como essa, surte um efeito pavoroso.

Cláudio sabia disso, e ao notar o sorriso, agora, maroto de Lauanda percebeu que era hora. Parou com a dança, porém não soltou sua mão. Olhou nos olhos e emendou a sua obra-prima, aquela que sempre usa para ter certeza que não encontraria resistência ao bote, “ sabe, gostei tanto do nosso papo, gostei tanto de conversar com você, que acabei esquecendo o que eu vim fazer aqui”.

Após lançar a melhor de suas armas, Cláudio apenas esperou Lauanda proferir sua sentença de morte. “O que você veio fazer aqui?” Respondeu a moça agora com um sorriso mais maroto ainda, acreditando na sensibilidade do rapaz.

Se sua boca já não estivesse ocupada, num dos maiores beijos que já deu em alguém, Cláudio teria dito “isso!”, como sempre fazia antes de atacar, mas desta vez foi diferente.

Não conseguira terminar a sua obra, se afobou, o sorriso de Lauanda o desarmou, parecia já não ser mais o machão calculista que costumava a ser.

Curtiu alguma coisa que nada tem haver com conquista ou vitória. Nem com vaidade ou auto-afirmação. Sentiu pela primeira vez: Paixão. Ficou sem ar, já não estava ali mais por esporte. Nesse jogo, Cláudio perdera. Teve medo...

Repentinamente parou o beijo e disse, ainda com as pupilas dilatadas pelo susto, “ vou ao banheiro e já volto”.

E nunca mais voltou...

Daniel Malanski
Enviado por Daniel Malanski em 25/05/2006
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