A Fugacidade do Instante

Solitário, cabisbaixo, sem amores. Ele anda pelas ruas a procurar qualquer sentido entre as coisas sem sentido. Perdera há tempos o significado dessa palavra. Em vãos, becos, espaços, dentro e fora de si, ele procurava, já sem forças, razões. O amor passa como um vento frio em seus ouvidos, é tormenta que incomoda seus tímpanos, e que não havia ainda lhe trazido um grito distante de um amor perdido.

Refém das injustiças da vida, ele nunca vivera um grande amor. Deveras não vivera partilhado, mas amara infinitas mulheres observando-as pelas esquinas no seu olhar esquivo e tímido. Andava curvado, deficiência de infância. Usava quase sempre as mesmas roupas. Um grosso par de óculos era frequentemente adjetivo de seus sentimentos, era assim que o viam, nada mais que dois pedaços de vidro, redondos e espessos. Dedicava-se com afinco aos seus projetos e estudos, e era desdenhado por isso.

Nunca tocou uma pele macia, nunca dividiu uma cama com mulher alguma. Nunca soube como é, depois de um frenesi em que se esvaem as forças corpóreas, dormir abraçado a um corpo aconchegante, e acordar, depois do sonho dos deuses, com carinhos no rosto. Nunca respirou ofegante ao encostar sua face à face alheia, nunca olhou profundamente nos olhos, nunca soube identificar um cheiro angelical da pele divina.

Alguma coisa sem nome, indefinível, sem forma, conduzia-lhe ao pavor do contato, e, consequentemente, à sua interiorização. Preteria as pessoas, sua amiga era a solidão. Se alguém, por trás da armação ocular, notava nele toques de sentimento, era privada pela timidez, ele se protegia por trás do par de óculos. Já foi olhado com esmero desejo, mas decidiu fitar as lacunas do chão a encarar o momento que poderia dar-lhe a redenção, a realização de tudo aquilo que imaginava, à noite, deitado em suas dores.

Um dia tentou contar quantas mulheres já havia amado e desejado só por tê-las visto. Decidiu por parar a contagem, perdera as contas ao esvoaçar dos números na mente. Fato é que já passara por várias delas, desejou-as por segundos, amou-a por minutos, sonhou-as por noites. Mas nunca mais as via. Mal dava uma esgueirada de olho, um desvio disfarçado, e ao perceber que não era notado, fitava novamente o chão. Mal sabe ele que é justamente ao abaixar de sua cabeça é que ele era visto, olhado, desejado por algumas delas. Os olhares nunca se cruzaram, e os amores sempre ficaram sem casa.

Em sua malograda jornada, quantos cheiros não deixou de descobrir, quantas sedes deixou de saciar, quantos amores, efêmeros ou eternos, deixaram de existir pelo descruzar dos olhares. Tudo porque o mundo é mundo. Cada qual seguiu sua vida, ia para sua casa se dedicar às suas coisas indefiníveis.

Ele nunca mais verá aquele cabelo tão bem cuidado, aquela pele intocada, aqueles lábios fechados que um dia poderiam ser um sorriso dedicado a si, ou que um dia poderiam lhe dedicar um beijo apaixonado. Nunca ele tocará aquele corpo, aquelas curvas que desejou e amou no instante de um olhar. Na fugacidade do instante podem morar, escondidas, sensações de sublimes amores, e vidas incompletas.

Deitado, ele se culpa por deixar passar o instante-mor da vida. Enche-se de coragem, concorda que no dia seguinte, se algo acontecer, ele usufruirá dos presentes escondidos na fugacidade, mas sabendo dentro de si que, quando o momento chegar, ele novamente fitará as lacunas do chão onde pisa, e onde verá refletida a sua alma cinza e sem brilho.

Luigi Ricciardi
Enviado por Luigi Ricciardi em 02/06/2009
Código do texto: T1627938
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