Turbulencia

George Luiz - Turbulência

- Quer outro travesseiro para acomodar melhor seu filhinho na poltrona?

- Ah, obrigada,acho que vou querer sim.

O vôo para o Rio de Janeiro e São Paulo estava relativamente vazio. A classe turística abrigava pessoas de várias idades e origens. Não havia bebês a bordo.Em compensação, pequenos diabinhos de ambos os sexos, entre os três e os seis anos de idade, já começavam a martirizar os adultos mais próximos e seus próprios pais.

- Já imaginou, Rogério? Doze horas de vôo até o Rio, nessas poltronas mínimas sem conseguir dormir direito?

- Fale por você,Letícia. Eu vou dormir como um anjo.

- Claro, com esse sono de pedra. Você consegue dormir até encostado num poste ou numa árvore.

- Faço melhor, querida. Consigo dormir numa poltrona com sua mãe recitando naquela voz de taquara rachada,o namo-ro da empregada do 402 com o porteiro da noite.

- Não fale assim de minha mãe! Ela é super atenciosa com você.

- Tudo bem, nada contra ela, mesmo ela mandando fazer va-tapá no almoço de domingo, sabendo que eu tenho horror a côco.

- Foi um descuido dela, Rogério.

- Sei, seguido de outro descuido quando a sobremesa, man-jar de côco com calda de ameixas veio para a mesa...

- Você é muito injusto com a mamãe, ela adora você.

- Claro, com a mesada que você tira do meu bolso e dá a ela para complementar a pensão do falecido marido...

- Como você pode ser tão mesquinho?

- Mesquinho? Ta bom, você está certíssima.Cuidado quando passarmos pela alfândega na chegada com essas compri-nhas que você acabou de fazer em Paris.

Pela pequena escotilha a seu lado, Jaime só enxergava a luz de vôo piscando na extremidade da asa.Seu amigo Walter o-lhava, quase hipnotizado para a passageira loura de suéter preto, muito justo, delineando seu busto escultural.

- Essa loura, Jaime, você reparou?

- Sim, o que foi?

- Bem, não quero dar uma de grande macho, mas tive um casinho saboroso com ela há meses atrás.

- É mesmo ? Que interessante ! Ela é filha do coronel Oswaldo, vizinho de apartamento dos meus sogros. É casada.Ele iria adorar saber disso...

- Espera aí, rapaz ! Talvez não seja ela. Essa luz meio fraca e a distância...posso estar enganado.

- É, espero que esteja mesmo. O coronel,dizem, é um ex- tor-turador, da época da nossa “gloriosa” revolução de 64.

- Nossa ! Vamos mudar de assunto...

O casal de meia idade, ocupando duas poltronas bem no fundo do avião viajava com visível tensão nervosa.

- O que você acha, Julia? Preciso mesmo ir ao toalete.

- Então vai, Antonio. O avião está voando tranqüilamente.

- E se houver uma turbulência quando eu estiver no meio do caminho?

- Ora, não seja agourento. Se houvesse uma turbulência, o comandante informaria pelo alto-falante.

- E se isso acontecer quando eu estiver sentado no vaso sanitário?

- Não se preocupe. Os toaletes têm cintos de segurança.

- É, acho que vou lá então.

Na primeira fila, um passageiro de terno e gravata, viajava agarrado aos braços de sua poltrona. A seu lado a esposa cochilava tranqüilamente. No painel que separava a classe turística da primeira classe, uma cortina sanfonada impedia que os passageiros da cabine menos sofisticada vissem o interior da outra. Um comissário de vôo da primeira classe abriu a cortina e avançou seu rosto. O passageiro de terno e gravata olhou-o aterrorizado. O rosto do comissário estam-pava uma careta,um esgar horrível. O passageiro, pálido de medo apertou ainda mais os braços da poltrona.

- Aaaa...tchim !

O comissário tinha apenas avançado seu rosto para dentro da classe turística para não espirrar na sofisticada primeira classe. E nisso quase provocara uma crise cardíaca no ino-cente e apavorado passageiro.

- Por favor moça,mais um uísque com uma pedrinha de gelo.

- Que é isso, Eugenio? Nem uma hora de vôo e você já está pedindo seu segundo uísque?

- Desculpe,querida, mas não consigo relaxar.

Por cima da poltrona, um pequeno demônio de rosto angeli-cal derramou um pouco de refrigerante gelado na cabeça do passageiro a sua frente. O grito indignado desse último,acor-dou quem já estava dormindo. Uma aeromoça quase correu para ele. No toalete, sentado no vaso sanitário, Antonio estre-meceu horrorizado. Por que acreditara no que Julia lhe dis-sera? O avião devia estar caindo !

Amanhecia a bordo, a costumeira romaria para os toaletes começara, Os passageiros mais ansiosos começavam a reu-nir sua bagagem de mão.

- Senhores passageiros: Neste momento estamos sobrevoan-do a costa do Espírito Santo. Estaremos chegando ao Rio de Janeiro dentro de pouco tempo. A temperatura local neste momento é de vinte e nove graus centígrados e o tempo está encoberto com chuvas ocasionais.

A loura de suéter preto conversava com um senhor de aspecto severo a seu lado.

- Vou te dar o número do meu celular,querido.

- Então eu posso telefonar a você a qualquer hora?

- Pode, sem problema. Liga sim.Vou te proporcionar uma noite inesquecível. Ou uma tarde se você preferir...

- Humm, você faz de tudo mesmo, numa cama?

- Tudo o que você imaginar e alguma coisa mais, você não vai se arrepender.

Walter saboreava o sucinto café da manhã.

-Cara ! Você está vendo o que eu estou?

-O que, Jaime?

-A loura estonteante, a filha do coronel.

- Sei, o que é esta vez?

- Rapaz! Ela está dando o maior mole para o coroa ao lado dela !

- É natural. Afinal ela é uma garota de programa. O Augusto, da editora já utilizou seus serviços algumas vezes, Disse que ela é uma delicia, depravada demais.

- Seu filho da mãe! E você me enganando com esse papo dela ser filha de um coronel, casada, morando no mesmo prédio de seus sogros...

- Ora,Walter, se eu não tivesse inventado isso ia ter que ouvir sua estória mentirosa de como tinha conquistado a garota, e como no motel você tinha finalmente conseguido comer sua bunda gloriosa.

- Canalha ! Não é a toa que seus romances são bestsellers..,

- Que você lê sem ter que comprar e autografados por mim.

- Qual ...você não tem jeito mesmo...

- Senhores passageiros estamos iniciando a aproximação ao aeroporto internacional Tom Jobim. Atravessaremos uma pequena zona de turbulência. Solicitamos que permaneçam em suas poltronas e coloquem seus cintos de segurança.

A loura estonteante apertou a mão do senhor a seu lado. Ele puxou a mão dela, discretamente, para o zíper de sua calça,

a loura não protestou...

Com um leve tranco o Airbus tocou a pista e rolou tranqüilo por ela até parar em frente ao salão de desembarque de passageiros.Das primeiras a deixar a aeronave, a loura rebo-lava discretamente ao caminha pouco a frente de sua nova conquista. Um tipo diferente de turbulência estava come – çando. Localizava-se exatamente em seus deliciosos qua-dris e lindas ancas...

George Luiz
Enviado por George Luiz em 11/06/2009
Código do texto: T1643660
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