Na Cozinha

Carlos andava preocupado. Depois de passar a vida toda exercendo o papel de homem-macho-dominante e escolhendo ele mesmo quem seria a cozinheira da família, sua esposa havia decidido botar ordem na casa. E a primeira providência a ser tomada seria a demissão da Dona Ana, uma crioula linda, de corpo perfeito e sorriso maroto.

O velho ainda tentou argumentar, dizendo que a moça cozinhava como ninguém, que era de confiança, mas a desculpa não colou. Nem ele mesmo conseguia comer as receitas preparadas pela Dona Ana.

- Cansei, Carlos, cansei!

- Que foi, Rosana, endoidou?

- Não aguento mais essa cozinheira aqui!

- Essa cozinheira tem nome. É Ana.

- Não importa se tem nome ou não. O fato é que chega! Basta!

- Mas eu não to entendendo...

- Não se faça de sonso...eu aguentei essa palhaçada por anos, mas agora chega!

- Mas...

- Não tem mais, nem menos...essa gororoba eu não como mais!

- Não fale assim, Rosana! Você está ofendendo a Ana!

- Não tem conversa...amanhã ela está fora! E tem mais: a partir de agora, quem contrata cozinheira nessa casa, sou eu!

- Mas a Ana...

- Carlos! Ou ela, ou eu!

Carlos ficou desconcertado. Não sabia se a esposa tinha descoberto as puladas de cerca que ele havia dado durante todos esses anos ou se o problema era só a comida mesmo. Ele não sabia o que fazer. Não queria perder sua boquinha de tantos anos, mas também não aceitava a idéia de perder a esposa que tanto amava. Engoliu aquelas palavras e foi para o escritório. Disse que precisava trabalhar. Ele que se orgulhava de ter as melhores cozinheiras do bairro – não que cozinhassem bem, é verdade – agora estaria sujeito a conviver com qualquer uma que a Rosana contratasse.

Duas semanas se passaram e os dois não tocaram mais no assunto. Aquela conversa parecia ter virado tabu, até o dia em que a mulher chegou com a notícia de que finalmente havia contratado uma nova cozinheira.

- Mariana!

- Que foi, Rosana?

- A nova cozinheira. Chama Mariana! Começa amanhã! E olha só: cozinheira de mão cheia, viu.

- Mariana?

- É, Mariana.

O velho escutou aquelas palavras e ficou quieto novamente. Mariana era um belo nome. Se ele tivesse sorte, seria uma moça de meia-idade, charmosa e discreta ao mesmo tempo. Um pitelzinho. Não conseguiu dormir. Parecia uma criança na véspera de uma viagem.

Na manhã seguinte, Carlos se levantou mais cedo que o habitual, preparou o café e ficou ali na cozinha, só esperando a campainha. Ao abrir a porta, o velho ficou em estado de choque. Seus olhos não podiam acreditar no que estava vendo. Uma morena de 35 anos, 1,75m de altura, coxas torneadas, seios fartos e ar pueril.

Ele não conseguiu dizer uma palavra sequer. Deixou a moça entrar e foi para o escritório. Estava radiante. Além da esposa não ter descoberto suas aventuras passadas, ainda tinha contratado a melhor cozinheira que ele já havia visto.

O tempo passou e a moça mostrava-se uma excelente cozinheira. Temperava a carne como ninguém, deixava o arroz soltinho, o frango sequinho e até o chuchu saboroso. O casal comia como nunca havia comido antes.

Tudo perfeito, não fosse o velho, num surto inexplicável, ter tentado se engraçar com a cozinheira numa tarde de quarta-feira. Entrou na cozinha sorrateiramente, chegou perto da moça e encheu as mãos. A surpresa com a descoberta de que Mariana, a cozinheira, era na verdade o cozinheiro, assim mesmo, com “o” no final, foi tão grande que Carlos bateu as botas. Seu coração não aguentou. Morreu.

Rosana não esboçou reação. Depois de anos e anos, finalmente estava livre das traições do marido, e principalmente, satisfeita.