Violeta......alvorecer

Violeta...

O ceramista remexe em seus antigos papeis e titubeia entre queimá-los ou presenteá-los a uma amiga. Isso tudo é profundamente comovente, mas só não pode é causar lágrimas. Senão, vejam só...

Agora ele está no lugar que desejou, por muito tempo, estar. Um velho edifício de imigrantes italianos. Ali ele mora. No andar de cima tem um quarto e dali ele pode ver a padaria em frente. Isso pode ser uma vantagem, pois sabendo quem são os freqüentadores de tal ratoeira, pode direcionar melhor as vendas. Mas logo pensa: - Não sou um mestre queijeiro!

Dali de cima ele olha + abaixo na rua e vê lá o bar aonde vai tanta gente, parecendo (pelo movimento) ser tão jovem. Então. Que grande vantagem ser o exímio tocador de violão! Encantar a todos com maravilhosas músicas choronas, vales de flores e azuis celestiais. Da janela vê aquele bar, tosse e a tosse é desafinada. Tamborila com os dedos na janela e com isso sente que não conhece ritmo algum. “Posso ser um músico-cantor?”. É negativa a sua resposta.

...alvorecer

Da janela vê um armazém e recorda-se de que tem de tomar conta dos negócios com a atenção redobrada. Pensa numa maneira de os seus empregados produzirem + e com + alegria. Pensa também em incentivar um jornalzinho de arte. Ali na janela, com um quente sol de maio na cabeça, esfrega dois dedos em um gesto típico e sente que as moedas que nunca estiveram em suas mãos, escorregam para o chão. Então sabe que mercúrio não é seu deus.

Bom, suspira nosso bom amigo da janela da casa velha de imigrantes italianos, não tem problema. Pelo menos enquanto eu puder segurar uma xícara e assar um pãozinho. Tudo bem! Tudo bem enquanto o barro estiver entre meus dedos, afinal eu sou um... oh, meus dedos! Nem mesmo ceramista sou!

Está claro que ele ainda não descobriu o que faz. Isso porque os papeis o encobrem e ele imagina que apenas escreve testamentos. Mas ali em frente há uma biblioteca e talvez um dia ele a enxergue. Talvez chegue esse dia e nosso bom amigo considere a hipótese de ser não apenas um sonhador, mas acima de tudo, um mortal.

César Piscis
Enviado por César Piscis em 25/06/2009
Código do texto: T1666003
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