O desabrochar

Uma senhora olhava o televisor. Encarava o aparelho inerte e sem saber o que se passava pela sua cabeça, seu vizinho indiscreto continuava a espionar a vizinhança. Na janela ao lado da senhora encontrava-se um casal. Ambos deliciando-se com os amores da juventude e a novidade das núpcias. O vizinho curioso continuava a vasculhar o prédio da frente quando encontrou algo que o fez parar o binóculo indiscreto.

Sandra, uma garota de dez anos, estava sempre a brincar pela vizinhança. Leandro, o vizinho indiscreto, sempre que cometia suas pesquisas diárias encontrava a garota a brincar de boneca com alguma amiguinha. Jamais se interessara. Mas nesse dia via uma coisa que lhe deixara... impressionado. Não que estivesse espantado, mas maravilhado. Ele era do tipo que amava as mulheres, mas não é como você está pensando. Leandro adorava ver o desabrochar da feminilidade, se deliciava com a vaidade das mulheres já mais idosas que se pintavam como palhaços para tentar esconder as rugas que o tempo lhes dera de presente.

Sandra ainda não se pintava e o tempo era seu amigo, rugas estavam longe de mostrarem-se e sequer tinha seios. Para falar a verdade, pareciam mais duas pitombas. Mas ela não parecia se preocupar com isso ainda. Curtia as felicidades da infância e tudo para ela não passava de uma brincadeira. Por isso que a cena presente era tão fantástica para Leandro, ele que mora naquele mesmo apartamento desde que a menina nasceu, pois pôde presenciar o desabrochar da sexualidade em uma criança.

Desde que completou quatorze anos e ganhou seu primeiro binóculo, Leandro se maravilhava ao conhecer a intimidade dos seres humanos. Seu pai brincava dizendo que seria um paparazzi quando crescesse. O garoto não dava muita atenção, mergulhando cada vez mais na sua 'pesquisa antropológica'. Ao completar seus dezoito anos, anunciou à família que iria se mudar para uma cidade maior e ser um grande antropólogo. Seus pais não sabiam ao certo o que isso significava, mas impressionados com a palavra, ficaram orgulhosos com a profissão escolhida pelo filho. Ah se eles soubessem no que essa profissão se tornou...

Ele realmente planejava ser um grande antropólogo, mas ao chegar na cidade e ver tudo que acontecia ao seu redor, tantos vizinhos, tantas vidas à sua volta, limitou-se apenas a observá-las. Esquecendo ele, ao preocupar-se com as vidas dos outros, que ele também deveria viver a sua.

Mas voltando ao início, este pobre jovem não movia um músculo, não mexia os lábios, sequer piscava os olhos, temendo perder esta cena inédita em sua vida. Ele que já tinha presenciado tantas e tantas vezes senhoras paradas em frente ao televisor, tantos casais trocando juras de amor ou simplesmente rolando pela cama e tantas crianças brincando com bonecas... aos seus quase trinta anos presenciava pela primeira vez uma garota que descobria suas próprias entranhas.

Provavelmente ficará surpreso ao saber que ao longo desta cena Leandro sequer tocou em suas calças. Como já disse, não é mais um daqueles homens que amam as mulheres fogosas e corpulentas, tampouco as puras e inocentes. Leandro é um homem que ama a vida das mulheres mais do que elas próprias. Ao ver aquela garota se descobrindo era como se ele próprio estivesse passando por isto. Não movia um dedo, seus únicos movimentos eram internos e involuntários, mas enquanto os dedos da criança brincavam pelo ventre era como se os seus brincassem em si próprio. Ele não se fantasiava com nenhuma de suas... observadas; tampouco queria ser como elas. Para falar a verdade, a vida de Leandro era a vida delas e vice-versa, se é que você me entende. Jamais quis também envolver-se com alguma delas. Ele era como um cinegrafista do Animal Planet, observando a vida dos seres sem poder interferir nela.

A garota parou ao ouvir um batido na porta. Irritado com a interrupção, ele quis mandar que fosse embora quem quer que estivesse ali. Ela levantou-se meio sem jeito e destrancou a porta. No mesmo momento entrou um rapaz que parecia ser uns dois ou três anos mais velho do que ela. Leandro pôde perceber quando ela corou. Acabara-se a graça. Mudou a posição do binóculo.

Desta vez resolveu observar a rua. Viu que uma jovem do prédio da frente acabara de entrar no seu. Não era de muita importância. Leandro mora em um apartamento no sétimo andar mas mesmo assim pôde ver claramente o cachorro vira-lata que se aproximava da poodle de uma jovem dondoca que conversava com um rapaz de porte atlético. Estava tão empolgada em mostrar seus 'dotes' pro jovem que não deu atenção enquanto a cadelinha tentava fugir do nariz insistente do vira-lata. Só abaixou a cabeça para reclamar dos 'gritos' da cadelinha e ficou assustada ao ver que tinha um cachorro 'acoplado' no traseiro da sua poodle. O jovem, que não tinha ligação nenhuma com a cadelinha, começou a rir; o que deixou a moça furiosa. E lhe contaria o resto da cena se nosso protagonista não tivesse sido interrompido pela campainha. Era a segunda vez que a campainha tocava na semana; na primeira havia sido o síndico para entregar as contas que ele jamais ia buscar. Leandro estranhou a visita mas não hesitou em abrir a porta. Confesso que ficou surpreso ao ver que a jovem que acabara de entrar no seu prédio era a que estava agora à sua porta. Supôs que quisesse reclamar da indiscrição do vizinho; e foi isso que fez. Começou a soltar alguns insultos, mas ele permanecia na mesma impassibilidade de antes, apenas observando. A jovem sentou-se na cadeira e fitou-o. Por incrível que pareça, isto o deixou encabulado. Após mais de dez anos observando as pessoas, havia esquecido como era ser observado.

Vendo a reação dele, a jovem levantou-se e fitou-o mais de perto e mais e mais até encostar em sua fronte. Sem saber o que fazer, ele tentou afastar-se mas ela puxou-o para ainda mais perto. Foi quando ela abaixou-se, ficando cara a cara com a região pélvica dele, parte esta que não se alterou com a aproximação da moça, mas ele acabou cedendo aos seus beijos e carícias.

Desde então nunca mais vi Leandro com o binóculo em mãos ou ao menos olhando pela janela. Ele agora namora a jovem do prédio em frente e continua amando as mulheres. Formou-se em ciências sociais e tem a vida que seus pais sempre sonharam para o filho.

Eu, pelo contrário, continuo espiando a vida dele; e sinceramente, devo confessar que ficou muito mais divertida depois que lhe fiz aquela visita.

Thais Gualberto
Enviado por Thais Gualberto em 04/07/2009
Código do texto: T1681428
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