João

I

João da Silva é apenas mais um entre tantos que se pode encontrar no nordeste. Mas ao contrário do que deve estar pensando, ele não mora no sertão, tampouco sofre com a seca. O nosso João da Silva mora na cidade de Recife e estava perto de terminar o curso de direito.

Por mais que eu diga que ele escolheu este curso por motivos nobres, meu (ou minha) leitor(a) perceberia ao longo deste conto que eu estaria faltando com a verdade. Por isso digo-lhe logo: este é (mais uma vez) mais um entre tantos outros que escolhem o curso mais fácil para ganhar dinheiro. Disse ele que não faria medicina pelo simples fato de não ter estômago para isso; mas a verdade era que ele sabia que por mais que suas notas fossem boas, não eram suficientes.

Não tinha nenhum grande amor e levava uma vida medíocre, sendo levado para onde a sociedade o encaminhasse.

II

Era o dia da formatura do nosso João da Silva e ele estava tão empolgado quanto um peixe-boi. Ao menos estava satisfeito pelo fato de finalmente poder ficar longe de todos aqueles colegas tão ou mais medíocres do que ele.

Não há outra palavra que melhor descreva o estado do nosso João: ele estava satisfeito. Não como uma mãe que finalmente põe um filho no mundo, mas como uma vaca que termina de colocar para fora aquele enorme e incômodo bezerro.

Infelizmente, agora vinha a pior parte para ele: arranjar um emprego e conviver em sociedade. Ele não era anti-social... Estava mais para sociofóbico. Sentia-se enojado em meio à sociedade desde a época em que saiu das fraldas. Seus coleguinhas de classe o temiam quando estavam na sua presença e (não encontrei termo mais adequado do que este) botavam pra foder na ausência dele.

É, somos nojentos desde pequenos, por isso não tiro a razão do nosso querido João.

III

Mas se o que não tem remédio remediado está, João foi logo procurar um lugar para trabalhar. Ao invés de procurar nos classificados, foi direto aos escritórios de advocacia que conhecia. Logo no primeiro, encontrou José (ou Zé, como é chamado por todos) que foi seu colega nos anos finais do colégio. Este abriu um sorriso enorme, aquele soltou um sorriso amarelo para não ser questionado pelo "amigo".

-- Ora se não é o João Silva! Sabia que de todos os colegas da escola, foste tu quem eu mais senti a falta?

-- Da Silva. Mas como me lisonjeias com esta confissão. -- disse João com um ar de ironia não percebido pelo distraído José.

-- Ora pois, e o que vieste fazer aqui?

-- Vim saber se há lugar para um novo formando.

-- Formaste-te nas leis?

-- Mas se não! E que curso melhor para mim? -- quem o ouvisse diria que estava empolgadíssimo com a conversa.

-- Tens razão! Mas lembra-te do quanto eu gostava de escrever?

-- Acho que me recordo... -- lá vinha bomba.

-- Pois saiba que estou agora com um livro! -- e tirou um monte de folhas de uma pasta -- Bom, na verdade, ninguém quis editá-lo, mas fiz muitas cópias destas folhas e agora é a única que me resta. É um livro de contos, sempre gostei muito destes.

-- Fico feliz em saber que conseguiste. -- era o momento certo de ir embora. Daqui a pouco ele iria se oferecer para ler os escritos...

-- Como lhe considero desde os tempos da adolescência, ninguém mais adequado que você para ter este último exemplar.

-- Ora o que é isto! Não mereço tamanha honra. Guarde-o para si mesmo.

-- Se mereces! Tenho o original comigo.

-- E se precisares de mais cópias?

-- Mando bater novamente!

-- Nada disso! -- e disse já guardando os papéis na pasta do Zé -- Quando tiveres mais cópias, aí sim, terei o maior prazer em ter teus escritos comigo. Mas nesta situação sentiria-me culpado.

João sorriu para o ex-colega e saiu do escritório. José foi atrás na esperança de ainda conseguir "um dedinho de prosa".

-- Espera! Mas e como encontrá-lo?!

João fingiu-se de surdo e continuou a caminhar, resmungando consigo mesmo.

-- Ora, imagina se tenho âmago de presbítero para perder meu tempo(?) com tamanha baboseira. Ao inferno!

E o inconsolável José, vendo que não conseguiria mais atenção que nos tempos de colégio, virou-se para voltar ao escritório, mas como se não bastasse, um garoto passou correndo e esbarrou nele, fazendo-o derrubar algumas coisas. O garoto pediu desculpas e saiu correndo. Quando o Zé se deu conta...

-- Minha pasta! Meu livro!

O garoto já tinha sido perdido de vista.

IV

Segundo escritório. João entrou e desta vez não encontrou conhecidos. Pra falar a verdade, ele não encontra ninguém por um bom tempo. Ao fim de vinte minutos de espera, uma moça sai toda sorridente de dentro da sala principal. Meio sem jeito, ela ajeita o batom da boca e põe os cabelos rebeldes atrás das orelhas.

-- O que o senhor deseja? -- perguntou ela aproximando-se de sua mesa.

-- Emprego.

-- Mas nós não colocamos nenhum anúncio no jornal...

-- Eu não leio jornais. Só quero saber se há alguma vaga de trabalho para mim.

-- Um momento.

A secretária levantou-se -- o que permitiu que João visse as rendas da meia-calça dela -- e dirigiu-se para a mesma sala de que saíra alguns segundos atrás. Enquanto isso, nosso protagosnista espera, observando os detalhes do que, futuramente, poderia ser seu local de trabalho.

A moça não demorou a reaparecer pela porta.

-- O senhor pode entrar.

João levantou-se e caminhou para onde a secretária estava. Sentiu um cheiro de tutti-frutti vindo de dentro da sala, mas entrou sem nenhuma hesitação.

Sentado numa mesa no meio da sala estava o dono do escritório. Quem o visse diria que era dono de um bordel, pois o dito cujo tinha uma tremenda cara de cafetão. A secretária fechou a porta assim que João entrou e puxou uma cadeira para ele se sentar.

-- Quer dizer que vieste à procura de um espaço no meu escritório?

-- Isso mesmo, senhor. Sei que não colocaram nenhum anúncio no jornal, mas como não tenho o costume de ler classificados ou qualquer outra parte daquele, resolvi arricar-me nos escritórios que mais admiro.

A bajulação era a alma do negócio neste momento, e por incrível que pareça, o nosso João era muito bom nisso. Ele teve bons professores.

-- E já visitou quantos?

-- Este é o primeiro, senhor.

-- Muito me admira que meu escritório seja exemplo para alguém, confesso que fico muito lisonjeado com sua revelação. Mas isso não basta para ser meu sócio.

-- Não, em momento algum tive a pretensão de ser vosso sócio. Quero apenas ser um ajudante teu. Sou um recém-formado nas leis e não acredito poder começar com grandes expectativas.

-- Então vieste aqui atrás de ser meu ajudante?

-- Isso mesmo.

-- Mas não reparaste que já tenho secretária?

João olhou para a moça. Ela estava séria e tinha os olhos fixos nele.

-- Pois vejo, e reconheço que tens muito bom gosto! Mais um motivo para acreditar que me aceitarás como ajudante.

-- Nota-se que é um jovem perseverante. Pois bem, pareces ter os requisitos para trabalhar aqui.

João soltou um sorriso de satisfação.

-- Agora só falta saber se está realmente disposto a trabalhar como nós.

A secretária aproximou-se de João e fez um gesto para que ele se levantasse. Este obedeceu e a moça aproximou-se dele.

-- Você já sabe o que fazer. -- falou o "cafetão"

A secretária abriu a blusa e João não pode esconder o olhar surpreso. Em seguida ela tirou a blusa e fez o mesmo com a saia, ficando coberta apenas pelo colan preto, a meia-calça e o sapato alto cobrindo-lhe a pele. Vendo que o rapaz permanecia estagnado (apesar de assustado), aproximou-se mais deste e despiu-lhe as calças. João olhou para Figueira (era esse o nome do dono do escritório) e viu que este sorria satisfeito. Voltou o olhar para a secretária e viu que esta começara uma felação nele.

Não posso dizer que ele sentiu-se usado. Mas esta situação causava-lhe tanta indignação que ele empurrou a secretária no chão, subiu as calças e foi embora.

-- É uma pena, ele tinha potencial. -- disse Figueira

-- Eu que o diga... -- respondeu a secretária.

V

-- Mas será que não existe nenhum escritório de advocacia suportável nesta cidade maldita?

João voltou para casa e encontrou um fax da mãe. Dizia:

"Meu querido filho,

Agora que já te formaste nas leis, trata de trabalhar, pois não pago mais uma despesa tua.

Ah, eu e teu pai vamos para a Alemanha semana que vem para comemorar tua formatura!

da tua mãe."

-- Como ela ousa chamar aquele gigolô de 'meu pai'? Mas que merda, já estou me arrependendo de ter feito este curso maldito!

Nesse dia João da Silva foi dormir mais cedo para se preparar pro dia seguinte.

Acordou mais mal-humorado do que o de costume, meteu o rosto na pia da cozinha e ficou molhando a cabeça para acordar. Agora estava acordado e banhado (não, ele não era porco assim, mas não tinha o costume de tomar banho de manhã desde criança. Tinha muito frio). Saiu de casa e ficou 'feliz' ao descobrir o escritório de advocacia que havia sido montado no seu bairro há pouco tempo.

-- Se eu conseguir trabalhar aqui, não terei que pegar ônibus nem trem.

Atravessou a rua e direcionou-se ao tal escritório. Era um lugar simples, com apenas uma mesa no meio de uma sala ínfima e duas portas.

-- Bah, não vou ficar esperando por meia hora para ver se alguém aparece.

Foi até a porta e bateu levemente. Uma moça magra saiu da sala com os cabelos desgrenhados e óculos caídos no nariz.

-- Desculpe-me, mas ainda não estamos funcionando.

-- Perfeito. -- esta proclamação deixou a jovem surpresa

-- Quem é você?

-- Teu mais novo sócio!

-- A mando de quem? -- falou ela com um ar de ironia

-- Da providência divina! Creio que assim como tu, acabei de formar-me nas leis e estou à procura de um lugar como este para trabalhar.

-- Desculpe decepcioná-lo, mas não preciso de ajudante.

-- E então? Eu seria teu sócio e juntos tocaríamos este escritório.

-- E quem pensas ser? A troco de que eu faria sociedade com um jovem arrogante e recém-formado, que acabo de ver pela primeira vez e a impressão que tive está longe de ser das melhores?

-- Assim me ofendes.

-- Pouco me importa.

-- Cadela.

-- Vadio.

-- Orgulhosa.

-- Cheio de si.

-- Anti-social.

-- Anti-sociável.

-- Insuportável.

-- Fedelho.

-- Sebosa.

-- Filhinho de papai!

-- Desgrenhada!

-- Gigolô!

-- Meretriz!

-- Porífero!

-- Sucuri!

-- Fuinha!

João tapou a boca da moça e derrubou-a em cima da mesa. Ela, por sua vez, enganchou suas pernas nas dele e fê-lo cair no chão. Sentou-se na barriga dele e segurou-o pelos cabelos. João achou estranho mas não hesitou em soltar-se das mãos daquela loira raquítica. Usou as pernas para segurar as dela, suas mãos seguraram os finos e débeis pulsos desta; mas a moça continuava a rebelar-se. Achando ridícula a situação em que se encontravam, a jovem sorriu e tentou levantar-se. João soltou-a e levantou-se. Ofereceu a mão para ajudá-la, sendo este gesto ignorado por ela. Irritada por ter sido derrotada em seu prório escritório, ergueu-se e empurrou-o na modesta mesa que encontrava-se atrás dele. Deitou-se em cima dele e abriu as pernas num ato vulgar. Sabendo o que a desconhecida planejava, rebelou-se, em vão. Aqueles "débeis punhos" eram mais fortes do que ele imaginara. Ofendida com a tentativa de 'fuga', resolveu ir mais adiante. Teve dificuldade em fazer o rapaz ter uma ereção, mas depois de uma boa felação ele estava pronto. João desistiu da resistência e eles transaram em cima da mesa do escritório.

Meses depois, João era sócio da moça (Sílvia era o nome dela) num escritório tão medíocre quanto ele, dividindo o que ganhavam com as poucas causas que lhes eram concebidas. De vez em quando faziam uma ou outra "putaria", mas geralmente sentavam-se um de frente para o outro e analisavam suas causas.

Ao menos ele estava satisfeito por não ter que pegar trem nem ônibus para ir trabalhar.

Thais Gualberto
Enviado por Thais Gualberto em 05/07/2009
Reeditado em 05/07/2009
Código do texto: T1683041
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