PERDE O PÊLO, MAS...

Era pra não se acreditar! Há mais de meia-hora que a mulher não fazia um só comentário negativo. Não dizia que o carro balançava muito ou, principalmente, que o caminho escolhido era o pior. Pior mesmo era a forma que ela usava para essas afirmações. Era uma crítica de sucesso, tentava diminuí-lo e sempre conseguia.

Parecia estar sempre ouvindo a voz esganiçada da mulher, repreendendo-o:

__Este caminho que você escolheu é muito ruim, nós sempre vamos pela estrada de baixo que não tem buracos e nem muitas curvas.

Se eles estivessem na estrada de baixo, ela diria que o melhor, não, o certo, era usar a estrada de cima.

_ Nós sempre vamos pela estrada de cima....

E aquele "nós" era terminal. Punha-o à margem. Do que? Não sabia. Devia ser do grupo dos sábios, dos de bom-senso. “Na verdade se existir tal grupo, deve ser de solteiros”, pensou..

Não tinha nenhuma recordação boa. Uma só que fosse, para contar como vantagem. É claro que tiveram bons momentos, qualquer imbecil os tem. Mas parece que foram apagados da memória, poluída pelas decepções.

Quando eram jovens e as viagens mais comuns e mais longas ela ainda não cultivava o hábito de julgar (ou seria: de contestar) suas decisões, em especial, ao volante. Não, não era só ao volante. Ficaram concentradas no modo de dirigir nos últimos tempos, depois que ele começou a evitar muita conversa com a consorte. (Palavra engraçada, “consorte”; há casos em que se deveria falar “sem-sorte”.) Ruim pra um, péssimo pros dois.

De hábito, não conversavam, brigavam defendendo pontos-de-vista sempre opostos. Ultimamente, ele se calava quando a coisa parecia que ia descambar. Não adiantava continuar. Sem resposta, ela também acabava se calando. Era uma forma de vencer a disputa por pontos.

Acho que foi durante aquelas viagens que ele aprendeu a fantasiar histórias com mulheres mirabolantes. Conversavam pouco. Ele contava algum caso, ela quase não respondia e caia no sono. (Acho que algum sonífero deve fazer parte da composição do ar que circunda o banco do passageiro de certos carros.) Tornou-se um vício: ela dormia, ele divagava.

Pensando bem! Havia problemas também fora do carro.

__Deixa fulano fazer isso. Ele tem mais jeito... – ela repetiu mais de mil vezes.

Algumas vezes ele chegou a pensar que a coisa poderia não ser contra ele, que ela não estava querendo implicar, talvez até acreditasse que estava ajudando. Quando estavam quietos, ele lembrava de ter estado apaixonado pela moça doce e encantadora com quem casou.

E depois? Tudo mudou. Se, foi ruim desde o inicio, porque ele não foi embora, não sumiu de vez. Quem sabe, pelo mesmo motivo de não ter ido tentar a vida numa cidade maior; de não ter mudado de emprego... Falando assim, até parece que toda a culpa era dele. Não era não e pra provar ele podia contar que tinha sido um rapaz promissor que terminara o ensino médio tão cedo que teve chance de se tornar um dos universitários mais jovens da cidade.

Aquela estradinha municipal era bem estreita, mas, era nova e estava bem pavimentada, não tinha curvas fechadas, pouco movimento, nada a reclamar. Dessa vez, até ela devia estar concordando que tinha sido uma boa escolha. Ficou apreensivo, ela já não cochilava e estava quieta. Nenhuma crítica. Será que morreu de olhos abertos?

__Poxa Alberto, só mesmo você pra escolher um caminho tão deserto!

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(Um antigo ditado popular diz que "a raposa perde o pelo, mas não perde o vício".)