Promessas

PROMESSAS

Casado e jovem, ele ainda não havia feito nada que deturpasse aquela união recheada de promessas repetidas ao padre: ser fiel “até que a morte os separe”, “na saúde ou na doença, na felicidade ou na tristeza” e outras tantas e comprometedoras afirmações que o tempo se encarregou de, se não esquecê-las, pelo menos não lhes dar importância. Afinal, eram apenas frases rituais, todos os casais as repetem em frente ao clérigo escalado para a cerimônia, pensava.

Certo dia, enquanto esperava por um parente que chegaria de viagem, encostou-se num barzinho perto da rodoviária e pediu um inocente guaraná puramente para passar o tempo. Sentou-se e ficou observando duas mulheres relativamente jovens noutra mesa que falavam baixo uma para a outra, e de vez em quando olhavam para ele. Uma ruiva e outra morena. A morena, especialmente o atraiu pelos traços definidos e cabelos negros mais ou menos compridos caindo-lhe pelos ombros. Nem era tão bonita assim, mas alguma coisa misteriosa havia nela. E logo descobriu a tal “coisa misteriosa”: estava ali uma boa oportunidade para um momento extra de sexo. Resolveu cumprimentá-las com um aceno de cabeça.

A morena, não teve dúvidas: chamou-o à mesa, falaram os triviais nomes (cada um, seguindo o código, mentindo sobre o seu) e, após pedirem uma cerveja e risos de ambas as partes – consequência de mútua aceitação a programas futuros -, elas informaram que moravam numa pensão próxima, mas que cada uma tinha seu homem regular. A princípio nenhuma podia fazer programa com ele, mas não sentiu resistência: a morena acabou concordando e disse que na próxima terça-feira, às seis da tarde, estaria livre, que ele poderia ir à pensão, entrar no corredor pela porta dos fundos, seria fácil, bastava bater na porta de seu quarto, o de número 14.

Chegou o dia, arranjou uma desculpa (a primeira) para a mulher e, embora fosse inverno não estava frio e, às dezoito horas, já estava completamente escuro e havia chovido. Chegou à pensão, deu a volta pelo quintal para entrar por trás conforme o combinado; todas as luzes do corredor apagadas, ele mal visualizava as portas e não podia distinguir os números. Contou uma a uma do seu lado direito e bateu. Uma voz feminina, fraca, indagou: quem é? Sou fulano... esperou longos e intermináveis segundos, pareciam horas, o coração na boca tal o nervosismo. Ela abriu a porta e disse logo: sejamos rápidos, nem vou acender a luz.

Decepcionou-se um pouco, mas à conta da excitação provocada por aquele inusitado e primeiro encontro sexual fora de casa, apalpou rapidamente o corpo dela empurrando-a para a cama. Sem tirar os sapatos, tirou a camisa, abaixou as calças e, enquanto a beijava pelo pescoço.... bateram à porta. É o meu homem, exclamou ela aflita, aumentando o tom da voz sem querer.

Ele apanhou a camisa rapidamente, pulou a janela como um raio e imediatamente sentiu alguém pulando ao mesmo tempo, quase em cima dele. Saiu em disparada ajustando as calças e a camisa de qualquer jeito, correndo pelo capinzal próximo o máximo que podia, até que avistou um pequeno bar numa esquina, um tipo trailer. Chegou-se ao balcão um pouco ofegante e olhando para os lados, desconfiado, pediu uma coca-cola. Respirou fundo e logo percebeu que sua calça estava inteiramente molhada por ter andado entre aquelas folhas que guardavam a água da chuva recente. Nisso, olhou ao lado e viu chegar um homem, jovem como ele, também um pouco esbaforido, e observou que este também estava com as pernas das calças encharcadas.

Olharam-se alto a baixo e, principalmente, para os sapatos e barras das calças molhadas. Não se sabe qual falou primeiro, mas a observação foi óbvia ao se verem na mesma situação e, então, vieram os esclarecimentos. Ambos haviam conhecido aquelas mulheres no mesmo dia, só que em momentos diferentes. O segundo havia combinado o encontro com a ruiva para o mesmo dia e horário, 18 horas. E o primeiro, contando os números do lado errado do quarto, estava com ela e não com a morena. O que combinou com a ruiva, também contou os números dos quartos, mas bateu na porta certa a de número 13. Quando a mulher disse “meu homem”, foi porque ela não sabia da confusão que se estabelecera; o primeiro saiu em desabalada levantando as calças e o segundo, entrando, vendo o movimento de um outro homem, procurou a janela e pulou juntamente com o primeiro.

O acontecido trouxe muitas risadas, porque, embora ambos fossem casados, havia a cumplicidade de sua primeira tentativa de contravenção às promessas feitas em seus respectivos casamentos. Consolaram-se pois, afinal, não haviam caído em infidelidade completa. Cada qual contou como encontraram as tais mulheres e a primariedade em casos extra conjugais e, assim, começaram a descobrir as afinidades. À conta disso tomaram umas cervejas – e muitas mais nos dias seguintes - e se tornaram amigos inseparáveis encontrando-se quase que diariamente, tanto é que já foram vistos saindo de um motel, cada um só em seu carro, em plena tarde de domingo de futebol, dando uma piscadela para o outro e fazendo um sinal com o polegar para cima.

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Samuel Medeiros
Enviado por Samuel Medeiros em 11/07/2009
Código do texto: T1694654