Um Pranto por Coisas Antigas, Mentiras por Coisas Modernas.

Um pranto por coisas antigas,

Mentiras por coisas modernas.

Eu caminhava pelo calçadão, junto à areia da praia, indo para o cinema. O tempo nublado, quase chuvoso, deixava a praia deserta. Mesmo os bancos de madeira, sempre ocupados, estavam vazios entre os jardins. Foi quando ouvi soluços. Um pranto sentido, tão solitário quanto o ambiente em que eu transitava. Divisei mulher de meia idade que, com as mãos a cobrir o rosto, extravasava sensações através de lágrimas. Tentei ser solicito ao aproximar-me dela. Perguntei-lhe se passava mal, sentia alguma dor, se precisava de ajuda. Ela simplesmente, com os olhos avermelhados, balbuciou: são coisas antigas, obrigado! Retomei meu destino, carregando aquela resposta por algum tempo. As palavras, as atitudes, decepções podem gerar profundas mágoas, concluí. Armazenadas durante anos eclodem num dia de vulnerabilidade do ser humano...

Eu era alguém sem marcas da vida. Vivia em frente de um computador pesquisando, brincando, zoando nas salas de bate papo via internet. E por isso mesmo sabia de casos estranhos, tolos, pornográficos, colecionando personagens bizarros. Meus nicks favoritos: Lola, Valentim, XYZCam, Mulherdopalhaço, Rojaemanera,Gostosimevc?, etc... Escrevia em português, tentando compreender o internetês: rsrsrs, qlq, tc, tb, vc...

Na internet pode se cometer grandes mentiras via MSN. Nem sempre as figuras que vemos são reais. Alguém numa Lan House, num apartamento ou em qualquer lugar, tecla oculto atrás de uma tela. Pode ser um sórdido pedófilo, um psicopata sedutor, adolescente liberado, uma solteirona religiosa, Eu... Pesquisa revelou que mentimos mais de duzentas vezes por dia: pelo celular é um exemplo. Personalidade afirmou que a verdade vive envolta de mentiras para se preservar.

Duda tornou-se meu escravo, julgando ser eu homem. Via cam não mostrava todo o rosto. Apenas a boca de onde surgia língua rubra e sequiosa de lamber. Pedia para sentar no meu colo. Claro, benzinho, eu concordava. Ele gostava de negros. Eu era negão? quis saber. Sim, concordei! Queria uma foto de meu órgão sexual. Prometi-lhe enviá-la por e-mail. Fez-me seu senhor virtual. Expunha o traseiro, o ventre branquinhos para meu bel prazer. Queria ser acorrentado por mim. Adorava apanhar de chicote! Pediu para que mostrasse meu pau em estado rijo. A rede caiu me livrando dessa prova de fogo reveladora...

Com Dave Big eu precisei ter jogo de cintura para não revelar minha identidade. Começamos numa sala de bate papo e passamos para cam MSN onde vi seu rosto. Belo espécime. Seu nick “pé de mesa” além de vulgar era sugestivo. Insinuei que nunca havia transado com um cara acima de 15 cm. Ele não se fez de rogado e ofereceu-se para mostrar seu orgulho abaixo do umbigo. Realmente era imenso! Nunca tinha visto pinto tão desenvolvido, afirmei-lhe! Encarnei uma das personagens de Sex and the City. Uma não, as quatro atrevidas e descoladas amigas de Nova York! Ávido, ego inflado, ele pediu para que me mostrasse. Recusei-me. Era perigoso para uma dona se expor. Mas tinha uma foto de minha bocetinha. Dave ficou encantado ao vê-la! Adorava aquelas depiladas, não escondidas por pentelhos. A minha era divina! Nunca possuíra uma tão graciosa! Confessou que não “metia” muito. Trabalhava como analista de sistema sem descanso. Viciara-se em olhar fêmeas disponíveis via cam. Tornara-se um punheteiro contumaz! Por minha vez, contei-lhe que jamais havia gozado com os homens que surgiram em minha vida de vinte e cinco anos, até aquele momento. Poucos por sinal. Sentia mais tesão em observá-los se masturbando. Falei-lhe que uma amiga casada tinha mais prazer com um consolo de silicone do que com o marido. Desde menina eu espiava um primo de dezessete anos em suas intimidades masturbatórias. Cresci retendo esse voyerismo. Sentia-me vazia quando fazia “papai e mamãe” e o companheiro se aliviava dentro de mim de camisinha. Dave apressou-se em dizer que eu não tinha sido estocada de jeito. Prometia acabar com minha insatisfação! Deixar-me em ponto de bala era uma questão de honra! Ele gozou para que eu visse...

Samuel era um tipo excêntrico. Não sabia se eu, na real, era homem ou mulher. Condição que não tinha a menor importância para ele. Necessitava apenas de reciprocidade. Reclamava de dores nas costas. Gostaria de me fazer massagem? perguntou-me. Faria nas bolas? A dúvida na segunda pergunta gerou risos. Respondi: gostas de massagem... Ele apressou-se em desfazer o equívoco. Fazia fisioterapia com bolas (fitball) de pilates. Precisava trocar o velho colchão, o travesseiro muito alto. Tinha má postura ao sentar-se. Aos vinte anos ainda estudava o segundo grau. Estava meio atrasado. Contava-me a vida de forma desconexa. Não tinha namorada. Seu grande sonho não era fazer faculdade e sim dirigir um ônibus. Ficava excitado quando via um passar. Não jogava futebol, não andava de bicicleta e nem sabia nadar. Fez-me prometer que teclaria sempre. Então eu lhe faria massagem. Vivia com os pais idosos e adotivos. Quando descobriu não ser filho legítimo, calou-se. Isso se tornava somente um detalhe perante o carinho e amor que eles lhe dispensavam...

Nélson me amava. Acreditava piamente em que eu dizia ser. Havia saído de um compromisso, quase casamento, por traição. E agora, encontrava em mim uma nova chance de amar. Por sorte, pensei, estávamos longe um do outro. Ele prometia vir ao meu encontro, logo que eu desse um aval, para nos conhecermos. Como crer que tudo era verdade de ambas as partes? Ele ficava à espreita que eu estivesse on line para matar a saudade. Eu alertava-o: és um louco em gostar de mim desse jeito! Queria que me tornasse esposa dele. Falava até em filhos. A foto que via não era real! Havia momentos que extravasava arroubos eróticos. Sonhava em beijar meus lábios doces, lamber os bicos de meus seios de morango, penetrar-me com seu desejo intenso. Entre a verdade e o riso eu encorajava sua fantasia. Alimentava com certa crueldade essa paixão. Músico, ele mandou fotos tocando bateria e guitarra. Passou o número de celular para ouvir minha voz. Respeitava minha decisão em não me mostrar pela cam. Admirava-me por me preservar. Esse era meu ardil para continuar incógnita (o). Um defeito em meu computador fez parar nossa correspondência por semanas. Foi melhor assim. A mentira estava indo longe demais...

As pessoas, geralmente, que utilizam a internet para relacionamento, são desprovidas de encanto físico. Não é o caso de Gigio. Ele é um semideus. Uma criatura de corpo perfeito e atlético que se mostrou para mim via cam. Feito um pavão expôs-se para quem supunha ser uma dona. Eu, pudica, recusei mostrar-me. Ele queria ver meu rosto, meus seios, meu corpo. Desconfiado, perguntou se eu era gay? Se fosse, não teria a menor importância porque estava acostumado a exibir-se para esse tipo de gente. Era go go boy numa casa noturna GLS. Era também personal trainer formado em educação física. Apelei para um ardil a fim de preservar minha identidade. Tenho que lhe confessar algo, disse: “vivo presa numa cadeira de rodas, desde criança, após um tombo de escada. Fiquei paraplégica. Não sou bonita.” Ele apiedou-se de minha situação. Garanti-lhe nunca ter sido tocada por um homem. Eu era virgem aos vinte anos de idade. Contentava-me em apreciar gente como ele na internet e em revistas. Gigio ficou mais generoso ainda após meu relato. Quis saber se eu queria ver seu número “cuecas vermelhas”. Ri e aceitei. Com iluminação apropriada passou a despir-se do roupão azul. Ele mostrou as nádegas brancas e carnudas, as coxas rijas, a barriga definida, dançando ao som de um sax. Acariciava o peito saliente e liso: um deus grego! Meus elogios o animavam. Enrijeceu o pênis e mostrou-o. Eu gemia (escrevendo) de prazer, e falava estar perdendo o fôlego. Nunca tinha presenciado algo tão especial. Vestiu as cuecas vermelhas com sensualidade ímpar. Como eu poderia retribuir tanta amabilidade? Pediu-me para mostrar os seios. Desculpei-me mais uma vez que precisava de ajuda para certos movimentos. E não era uma figura agradável de ser vista. Então não, querida! falou conformado. Quando estiver on line, pediu, tecle comigo. Será uma satisfação distrair você...

Eu cheguei ao cinema de arte. Exibiam “A Garota Ideal” (Lars and the real girl-EUA 2007) de Craig Gillespie: um homem tímido e introvertido conhece Bianca, missionária religiosa, através da internet...

Do livro Baixada Erótica ou Nâo!-2008-

Pablo Ribeiro